sexta-feira, 4 de abril de 2014

A IDADE DA RAZÃO - OITO -

- Natalie Portman -
- 08 -
SÍLVIDES
Em outro dia qualquer chegou ao consultório do doutor Nardelli a cliente Gilda Nolasco para retornar aos seus exames de rotina. A moça de dezoito anos vinha fazendo esses exames há certo tempo, pois queria não ter mais as crises neuróticas sempre a lhe atormentar no vagar dos tempos. Tais motivos Gilda não sabia dizer muito às claras. Apenas ela não tinha certeza de tudo o que faria. E o doutor prosseguiu na sua conversa monótona após os cumprimentos habituais.
Nardelli:
--- Algo de novo? – perguntou.
Gilda se compôs em sua cadeira almofadada e olhou para o médico com a cabeça um pouco abaixada e nada falou por alguns minutos. Em seguida ela recitou uma frase qualquer.
Gilda:
--- Eu fui ao cinema. Um filme com Greta Garbo. Ouvi dizer ser ela uma lésbica! Verdade? – indagou sem conhecer.
Nardelli:
--- Não sei. Não me ligo muito ao tema. Cinema. – respondeu.
Gilda:
--- Ela é um tipo de rara beleza. Como o senhor não conhece? Talvez conheça Fifi D’Orsay! Não? – indagou.
Nardelli:
--- Não a conheço também. Mas. ...Prossiga! – recomendou o psiquiatra.
Gilda:
--- Nem adianta. O senhor não conhece as divas! Nem Louise Brooks, Alla Nazimova? Também não. Nem precisa falar. Pois eu adoro Greta Garbo. Sedução em pessoa! Eu queria tanto olhar para a diva! Apenas ver de longe! No Brasil tem lésbicas? – indagou querendo saber.
Nardelli:
--- Isso deve ter. Mas não sei te responder. – disse o psiquiatra.
Gilda olhou ao seu redor e viu um divã acolchoado, repleto de travesseiros com uma coberta de veludo e em uma parte mais alta onde podia se deitar acomodada. As cores estonteantes demostravam um prazer de sensualidade e orgasmo deleitoso.  Gilda então indagou:
Gilda:
--- Eu posso usar desse divã? – quis saber.
Nardelli:
--- Com certeza! Pode sim. – declarou o psiquiatra.
E Gilda se levantou da poltrona e caminho até o divã onde no meio do caminho olhou para Nardelli, sorriu e seguiu como quem diz ser para apenas experimentar um pouco. A brisa vinda do mar chegava até a sala do psiquiatra com o gorjear dos pássaros, o palmilhar das doninhas e o cantar de alguém de fora, distante até. O médico fechou a janela e abaixou a cortina pondo a lâmpada acessa em direção à moça.  E Gilda se deitou procurando o lugar bem mais confortável para alongar e encolher o seu corpo. O médico se aproximou e puxou uma cadeira onde foi possível se sentar sem mais incomodar à cliente. Gilda sorriu quando esticou o seu corpo esguio. E falou sem pressa:
Gilda:
--- Eu gosto de dançar ou ver alguém dançando. Para mim é total beleza. O sapateado. O artista faz com os pés aquela dança. Como a dança Lago dos Cisnes. A beleza estonteante da bailarina. Ela se segurando em apenas um pé. Jovem e bela. Um delírio. E a música de Tchaikovsky! É tudo muito belo. Uma alucinação! – enfatizou a moça com senso embriagador
O psiquiatra ouvia a linda jovem em profundo silêncio a procura de deixa fluir aquele êxtase supremo. A virgem calou fundo no seu delírio alucinante.  O psiquiatra, a sua frente, sentado em uma poltrona com uma caderneta a mão apenas ouvia a moça falar cativante com seu jeito terno e enlouquecedor. Por certo tempo e bem depressa Nardelli verificou as horas no relógio de pêndulo alteado na parede a sua frente. Por seu turno, Gilda, sem se importar, fechou os olhos como se estivesse em um profundo sono. Era um desvario de total afeto pelas danças em ondas em torno das lindas pequenas sílfides no eterno azul do cativante palco da vida. Por fim, a moça adormeceu como por encanto. A brisa suave da mata lhe entorpecia os seus enigmáticos sentidos. E com isso, a deidade viajou em um eterno e demorado trenó igual ao chamado pelo de papai Noel.  Gilda viajou por infindas montanhas de neve conduzidas por seus obedientes veados para se acercar ao baile sublime das sílfides. Fadas ou anjos, seres de alta sensibilidade viventes nos eternos lares das colinas. Cristais de gelo eram modelados pelas divinas sílfides, formando em flocos de neve a reunis as nuvens.
Gilda:
--- O que fazes? – indagou a sílfides.
Sílfide:
--- Flocos de neves. – respondeu-lhe com imenso deleite.
Gilda:
--- Flocos? Para que? – indagou perplexa.
Sílfide:
--- Para a dança dos alegres espíritos. – enfatizou com estilo.
Gilda:
--- Espíritos? E espíritos dançam? – perguntou atordoada.
Sílfide:
--- Sim. Para o sono dos poetas e artistas. – declarou sorrindo.
Gilda:
--- Que artistas? – indagou ainda mais perplexa.
Sílfide:
--- Os artistas da beleza. – destacou sorrindo.
Gilda:
--- Eu nunca ouvi os artistas falarem em você, ó sílfide. – relatou com estranheza.
Sílfide:
--- Tu nunca ouviste falar nas fadas do ar? – indagou quase assustada.
Gilda:
--- Não. Nunca! E elas existem? – indagou assustada.
Sílfide:
--- Ah. Existem desde o princípio dos tempos. – responde de forma sossegada.
Gilda:
--- Desde o princípio dos tempos? – indagou alarmada.
Sílfide:
--- Ah. Desde o canto da primavera. – relatou a sorrir.
Gilda:
--- Primavera? – indagou angustiada.
Sílfide:
--- Sim. Quando sopra a suave brisa das ilhas somos nós as sílfides. – disse sorrido
Gilda despertou de súbito e então olhou para o doutor Nardelli como se o médico fosse um pleno fantasma e não a conhecesse por longo tempo. O relógio de parede bateu as seis horas da tarde. Tudo era o fim.

terça-feira, 1 de abril de 2014

A IDADE DA RAZÃO - SETE -

- Deborah Secco -
- 07 -
VAIDADE
Em um dia qualquer da semana seguinte estava o doutor Nardelli a consultar os seus clientes, cada qual com seu problema. No entanto, ele já notava serem todos iguais. A mudança era de nome. Dalila, Maria, Racilva entre outras. Nesse dia estava presente também a sua antiga cliente, dona Beatrice Lazzarini, jovem e bela entre todas as demais.  Conversas vãs e nada de muita importância.  Beatrice preferiu ser a última das demais. Com isso, teria mais um longo tempo para resolver seus problemas. O médico Nardelli dispensou a atendente naquele horário por não precisar mais. O salão de estar onde havia demais consultórios estava em silencio, pois não havia outros médicos para o atendimento regular. Já estava muito tarde para Nardelli levar um tempo a consultar a dama de ouro A mulher entrou no gabinete, sorriu e se sentou na cadeira em frente a Nardelli.  Ele a cumprimentou e por sua vez calou a espera de algo Beatrice a lhe dizer. Por fim, o silencio foi quebrado:
Beatrice:
--- O senhor quer que eu me deite no divã? – sorriu a mulher como a provocar o instinto.
Nardelli quis sorrir, porém trancou o rosto de imediato. E respondeu com calma.
Nardelli:
--- Se a senhora achar por bem, pode usufruir do divã.  – falou com paciência.
Beatrice:
--- Às vezes o senhor me deixa confusa. Aqui, no seu habitat age de uma forma estranha. – refletiu a mulher.
O homem calou por certo instante para depois falar.
Nardelli:
--- Aqui é o meu trabalho. Atendo a clientes. É bem diferente do meu tempo livre. – respondeu
A mulher ficou seria por alguns instantes. E em seguida indagou:
Beatrice:
--- E porque o senhor dispensou a atendente? – quis saber.
Nardelli calou certo espaço para depois responder.
Nardelli:
--- Terminou o seu horário de atendimento. – respondeu.
Beatrice:
--- O meu? – indagou surpresa.
Nardelli:
--- Não. O dela. Mas vamos ao que interessa. Como tem estado nesses dias? – indagou.
Beatrice:
--- Mal. Muito mal. Depois daquele dia eu tenho vomitado constantemente. – relatou nervosa
Nardelli:
--- É a primeira vez? – perguntou preocupado.
Beatrice:
--- Eu nunca vomitei em minha vida. O senhor acredita? – fez a pergunta.
Nardelli.
--- Não é questão de alimentação? – indagou com incerteza.
Beatrice:
--- De manhã, logo cedo? Quando acordo e faço asseios? -  quis saber.
Nardelli:
--- Bem. Isso pode ser crise emocional. Vento frio, alergia, até mesmo vermes. – respondeu
Beatrice:
--- Verme? Verme? Então eu estou com lombrigas? – exclamou exaltada
Nardelli:
--- Hipóteses. A senhora deve ir a um médico especialista nesses casos. – argumentou
Beatrice:
--- Olha querido! Isso é um absurdo! Eu sou mulher e sei o que sinto. E de onde provêm essas náuseas. Eu este é com tremendo lombrigão. Um filho é o caso. – disse a mulher de modo intranquilo.
Nardelli:
--- Bem. Nesse caso está mais fácil. É só dizer ao seu marido. – argumentou sorrindo.
Beatrice:
--- É ruim, não é? Eu relatar ao meu marido que estou esperando um filho dele! Pois saiba: eu não tenho nada com ele! – disse desnorteada a mulher.
Nardelli:
--- Nossa Senhora também não teve relações e gerou um filho. – declarou
Beatrice:
--- Ah! Então eu sou igual a Nossa Senhora! – reclamou com raiva.
Nardelli:
--- Provavelmente. Ambas são mulheres. – destacou se pressa.
Beatrice:
--- O senhor é muito engraçado. Tira a bunda da seringa de forma bem quieta. Os outros que se lixem. – reclamou a mulher.
Nardelli:
--- E o que posso fazer? A senhora pode dizer que foi em uma banheira. Alguém usou e deixou respingo de sêmen. Qualquer coisa simples. A senhora entrou na banheira e não notou esses respingos. Isso é normal – declarou sorrindo
Beatrice:
--- O negro da Abissínia ou outro! Descarado! Vocês não prestam! – declarou inflamada.
Nardelli:
--- Em caso de não se querer  ter um filho se faz um aborto. – declarou a sorrir.
Beatrice:
--- Aborto? Nunca! Fico assim como uma indigente. – reclamou
Nardelli:
--- Por que a senhora não aceita uma vez com o seu marido? – indagou.
Beatrice:
--- Hum? Só se eu estiver embriagada! – reclamou
Nardelli
--- Pois tome umas doses de Campari e fique com ele. Simples! – argumentou
Beatrice:
--- Merda! Você é uma merda! Campari! Só Campari mesmo! – detonou a mulher
E o médico Nardelli soltou uma bela gargalhada. Afinal aquela era uma desculpa muito boa para declarar que Amaro Lazzarini era o pai de um menino nutrido e forte e nem saber se era de fato negro ou branco. Afinal a cor pouco importava. Talvez viesse de outra geração da mulher Beatriz, uma vez ser ela um pouco de outra região da Itália. E ser Campari ou não pouco importava naquela hora.