- O TREM -
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VINGANÇA
Naquele dia,
Norma acordou mais cedo que nos outros. Ela pensava em Noca, sua mãe. Algo
impulsionava a mulher para um degrau. Desde o dia em que assinou o divórcio,
ela ficou taciturna. Apenas dissera que aquele edifício era um acaso como “´é
esse” e nada mais. Othon não entendeu com perfeição. Sexo? Nunca mais fizera
com alguém, pois não havia homem capaz de fazer sexo com ela ao seu modo. Quem
avistasse Norma, para ela era um “chato”, coisa ruim, imprestável. Do lado bem
alto do edifício, estavam os apartamentos nobres. Via-se o mar solitário a vir
quebrar bem perto, na praia, para depois voltar. O vento gelado cobria o rosto
de Norma como querendo lhe dar um beijo eterno.
Norma
--- Noca.
Minha velha! Você se lembra do riacho? Lembra mesmo? Era lindo! - - dizia a
mulher
Noca
--- Agora está
seco. Muito seco. A ponte? É uma penúria! - - falou a finada.
Norma
--- É mesmo!
Mossoró também não tem água. Nem outros municípios. - - confirmou
Noca
--- Serra do
Mel é outro. Seco de fazer dó. - - relatou.
Norma
--- Quantos
municípios estão assim! Deus nos acuda! - -tristonha
Noca
--- Mais de
153 municípios. Não chove mais nesses municípios. Caicó está um Deus dará. - -
falou
Norma
--- Deus dará!
E o Governo? - - quis saber
Noca
--- Quem
governa isso aqui? Fecham-se Bancos. Eu prefiro estar aqui. - - lembrou
Norma
--- Se eu
pudesse também ia! - - vaticinou
Noca
--- E quem te
empata? - - quis saber
Norma
--- Não tem um
negócio de Deus? - - indagou
Noca
--- Deus é só
fantasia. Venha! - - chamou
Naquela manhã,
Norma, ao saiu de seu AP, recomendou à secretária, Neta, cuidados com os
meninos porque ela passaria na Igreja além de fazer compras para casa.
Norma
--- Só isso.
Tenha cuidado. - - advertiu
Norma saiu,
passeando pela praça sem atenção voltada para ninguém, ver as árvores, plantas
rasteiras, pássaros silvestres, carroças puxadas a burros, pessoas a sorrir
enquanto andavam, escolares, um cego sentado no chão quente a pedir esmola a
cada qual que passasse, homens em zig-zag caminhando com pressa, mulheres
carregando sacolas, moças tomando sorvetes, um rapaz a olhar uma vitrine de
relógios de marca, madames a sair de um shopping, carros e bus a passar com
pressa. Um calor intenso. Um rio, uma pedra onde o povo fazia orações, um trem,
um barulho de um apito, uma ação, um golpe fatal. A mulher havia saltado para a
morte trágica.
O trem nem
sequer apitou. Seguiu em sua marcha e o povo que estava perto foi quem gritou
pedindo ajuda para uma coitada. Logo, logo, o maquinista ouviu o barulho. E
então parou a locomotiva e, consequentemente os carros há uma boa distância. O
povo da linha acorreu para ver de perto o estrago feito na pobre mulher. Um dos
passageiros foi o primeiro a chegar e olhar o corpo estraçalhado daquela mulher
que não se identificava. Sem braços, cabeça partida, troncos aos pedaços. Os
agentes do trem foram os primeiros a chegar e ordenar a todos a ficar fora do trágico
imprevisto. Foram horas a fio até que o rabecão chegou para colher o resto
daquela aparente mulher. Os carros de polícia estavam a postos guarnecendo o
local. Tao logo soube, a reportagem chegou ao deprimente caso. Cada um que
disse o ocorrido. Nada de mais se encontrava. Uma morte na estação foi o que
mais se argumentou. Em casa, a doméstica Neta ouviu apenas o noticiário porque
não se mostrava os pedaços do corpo da mulher devidamente estraçalhado. Para
alguns, o dizer é que ela morava alí. Nenhuma coisa aparente sucedia
Já era quase
noite, Tiago chegou ao AP de Norma e ouviu de Neta a preocupação que ela estava
com o sumiço de Norma.
Neta
--- Ela saiu
de manhã dizendo que estava indo à Igreja e não deu mais notícias. - -
preocupada
Tiago.
--- Oxe. Nem
falou onde estava? - - indagou assustado
Neta
--- Não! Já
disse. Que coisa! - - alarmada
Tiago
--- Será que
foi atropelada? - - indagou com olhar inquieto
Neta
--- Sai p’ra
lá! Que coisa! - - bateu na mesa
Tiago
--- Mas é o
que sucede. Chame a polícia! - -
Neta
--- Chama tu.
Eu tenho medo! - - relatou assombrada.
Tiago
--- Pois eu
chamo. - -
Tiago procurou
o distrito mais próximo e foi até ao local onde prestou queixa. Nesse instante,
um policial civil falou ter sido uma mulher que se suicidou na manhã desse dia na
linha do trem.
Policial
--- Ninguém
foi buscar o cadáver. - -
Tiago
--- Cadáver?
Será possível! Uma mulher inda jovem? - - perguntou
Policial
--- Só indo no
necrotério. Vá lá! - - relatou
Tiago pegou o
caminhão e se largou para o necrotério da Secretaria de Saúde, numa velocidade
estarrecedora, quase voando, como se podia dizer. Para o louco motorista não
havia tranco ou barranco que o impedisse de deter e em um instante deu de cara
com várias pessoas a procura de entes queridos também mortos naquele tempo. O
homem saltou de caminhão mais que apressado em busca de informação. Tão logo as
buscas efetuadas, encontrou-se um corpo quase irreconhecível, porém tendo um
vestido de cor branca. O rapaz ficou de uma forma estarrecida.
Tiago
--- Creio ser
esse o corpo da mulher. Eu vou ligar para a secretária da senhora Norma para
conferir a identificação. - - falou com remorso
Dentro de
momentos, Tiago falou pelo celular com moça Neta, solicitando a sua presença
naquele estabelecimento pondo as crianças em casas de amigos enquanto
identificava se era mesmo a senhora Norma. Houve encrencas de vai ou não vai,
pois, a moça tinha medo de olhar defuntos. Chegado ao fim, tudo se aquietou. E
cheia de temor, com a mão na boca, Neta, nem querendo olhar de perto, ainda
assim confirmou de Norma a mulher completamente lacerada não se podendo
vislumbrar ao certo a sua fisionomia.
Neta
--- É ela sim.
O colar, as roupas mesmo rasgadas, sapatos. É ela. Mas porque a senhora fez
isso?
Tiago
--- Quem sabe?
Só ela mesma! E eu, aqui, feito um palerma. E os filhos? - -perguntou
Neta
--- Uma criada
que mora perto. - - disse ela soluçando de remorso
Tiago
--- Vou ligar
para o doutor Othon. Ele tem que saber. - - e passou a ligação para Othon
E falou curto
e grosso sem pedir nem permissão.
Tiago
--- Seu Othon.
Que fala é Tiago. Sua mulher morreu. Pulou em cima do trem. - -
Othon
--- Quem
mesmo? - - preguntou mais vagaroso