- Ana Araujo -
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CASOS
Naquela
mesma noite, por volta das seis horas, estava em casa o doutor Nicácio Lopes
fazendo a vez de companhia a dona Mariquinha, mulher de seus 75 anos de idade,
benzedeira por excelência que naquele instante procedia a cura na filha Alva do
casal. Por conseguinte, Alva era a filhar menor de doutor Nicácio e dona Clara.
A menina tinha sentido um quadro febril, talvez por uma gripe que a anciã
chamava “resfriado”. Entre curas e conversas, dona Mariquinha ouviu do homem a
história do desaparecimento do cadáver do hospital, caso rumoroso, falado
apenas entre funcionários, médicos e assistentes. Nicácio tomou conhecimento,
por acaso, quando conversava com o doutor Paiva. Por ter sido a residência do
senhor Otto Câmara o local onde caiu o defunto vindo não se sabe de onde, Paiva
perguntara a Nicácio se havia algo de novo no caso. E daí em diante Nicácio
ficou sabendo que o cadáver havia sumido por acaso:
Nicácio:
---
Incrível! Como pode ter sido uma coisa dessas? – argumentou surpreso
Mariquinha:
--- O
Diabo vem buscar os seus! – comentou em voz branda.
Nicácio
---
Diabo? Que diabo? – perguntou surpreso
Mariquinha:
--- O
Povo das Sombras. Eles vêm e pegam o defunto e, depois, somem. - declarou
Nicácio;
--- Isso
é história de “Trancoso”. Tá vendo que não acredito nisso? – reagiu
Mariquinha:
--- Pois
o vulto negro existe. E se existe? Ah, como existe! – fez finca-pé.
Nicácio:
--- A
senhora tem alguma prova dessa existência? – perguntou duvidando.
Mariquinha:
--- Se
tenho? Ora se tenho! Tenho muitas! – declarou com voz tímida.
Nicácio
--- Eu
quero ouvir! Estou pronto! – confirmou
Mariquinha
---
Senhor! Eu sei que o senhor é pessoa e alto conhecer. Eu sou uma pobre viúva.
Eu conto aquilo que eu vejo. E em poucas palavras. – relatou a anciã
Clara
--- Pois
contou o que a senhora viu, certamente. – e olhou para o esposo então quieto.
Mariquinha:
--- São
muitos casos. Não sei por onde começar. Visões! E até bruxarias! Eu vejo!
Apesar de não ser devota dessas bruxarias, e nem quero ser, pois Jesus é o
maior de todos os homens que viveram aqui na Terra, eu tenho esse poder de
atravessar barreiras e ver o que o povo não quer enxergar. Todos nós temos esse
dom. Aquele homem que se encontrou com Jesus, ele não era o diabo, apesar de
ter sido chamado assim. Ele era um homem rico, dono me muitas cabras e coisa e
tal. Mas voltemos ao que interessa. Certa vez, eu estava rezando um terço à
Nossa Senhora quando eu vi passar pelo quarto onde tenho o meu santuário um
vulto escuro. Eu diria até que era um homem das Sombras. Ele parou na porta do
meu cubículo e indagou: - relatou
oOo
Vulto:
--- O que
está fazendo aí, velha macumbeira? – falou com um tom de voz agressivo
Mariquinha:
--- Eu
olhei para o vulto e respondi que era velha mas não macumbeira. E ele deu uma
colossal risada. E eu respondi: “Quer rezar no meu rosário?” – indaguei. E ele se revolto
Vulto:
---
Rezar? A senhora está pensando que eu sou carola? Rezar nessa bodega? – e
cuspiu.
Mariquinha:
--- Pode
ser bodega. Mas é a Imagem de Jesus que está nessa bodega. – falou a anciã com
altivez
Vulto:
--- Ora!
Vá se catar que eu tenho mais o que fazer! – falou em tom de deboche
Mariquinha:
--- Tenha
respeito por Deus, nosso Criador, sua besta ferra! – agrediu com palavras
O Vulto
gargalhou por ver a anciã alterada. Em seguida o Vulto confuso com a cara feia
e rude, desdenhou à anciã
Vulto:
--- Seu
Deus não vale nada! – preferiu zombando
Mariquinha:
--- Tome
tento seu bruxo. Tome tento! ... O meu Deus é maior do que o seu inferno! –
atacou
Vulto:
---
Prove! Prove! Eu mostro quem é Satanás! Prove! – falou brabo o Vulto
Mariquinha:
--- Eu
não precioso provar! Ele é único! Vocês são aos montes! – falou ríspida
Nesse
momento, como uma fagulha, desceu do Céu a chama do terror apagando tudo o que
o Vulto havia dito. A anciã estava com o seu crucifixo na mão de frente para o
Diabo e sacudiu um punhado de água benta que estava em um frasco de vidro. E a
mulher ainda proferiu.
Mariquinha:
--- Larga
de mim Satanás! Larga de mim! Deus é justo e verdadeiro! – falou embrutecida.
E o Diabo
saiu esfogueado tonto pelas chamas do Céu penetrando de mato adentro. E foi o
último e misterioso acendo que o Demônio teve com a anciã. Depois daquele dia,
nunca mais o misterioso ser voltou a incomodar a dona Mariquinha.
E dona
Mariquinha ainda falou para o doutor Nicácio Lopes, com a sua voz já um tanto
cansada, apoiada em sua bengala e de saia bem comprida arrastando no chão.
Mariquinha:
--- E
tenho outras histórias. Quer ouvir? – indagou a anciã.
Nicácio:
--- Não.
Não. Besta essa! – falou sem sorrir.
Mariquinha:
--- Tem
muitos mistérios nesse mundo. Muitos. Uma imensidão. Eu vi, outro dia, uma
visagem. Eu digo visagem porque era uma visagem mesmo. Ela estava perto de um
cajueiro. Eu fui até perto, então ela sumiu. Puft. Sumiu. Eu morava no sítio e
era de madrugada. Eu me levantei da minha rede e fui catar lenha. Mas a visagem
tornou a aparecer. Era uma mulher bem alta, cabelos negros, pele clara. Eu não
me assombre porque visagem é comum de se enxergar. Então eu perguntei a bela
mulher.
oOo
Mariquinha:
--- Quem
estás a procura?
Visagem;
--- Meu
marido. – respondeu
Mariquinha:
--- Vocês
moram aonde? – indagou
Visagem
--- Nessa
casa! – e apontou para a casa onde Mariquinha morava. E, de imediato, sumiu.
Mariquinha:
--- Ei.
Minha senhora! Chegue aqui! Vamos conversar! – chamou a anciã