segunda-feira, 10 de abril de 2017

SONHOS DE MARILU - 01 -

MERCADO
- 01 -
A VENDA

Era madrugada já para amanhecer. O relógio da casa ao lado bateu as quatro horas.  Rua deserta, sem ninguém a passar. Dona Noca arrumava sua bandeja e orientava a filha, Marilu, a cuidar com pressa de seus afazeres, pois o relógio já estava soando. Era tempo de seguir viagem para o Mercado da Cidade. A mocinha de seus 16 anos de idade, fechava a porta de traz e olhava para ver se tinha algum bicho atrás da mesa de comida. Nada havia. O jeito era torcer a luz da lâmpada e caminhar no seu modo faceiro. Nesse momento, a sua mãe já estava do lado de fora, pois desligara a lâmpada da sala da frente. Uma trouxa na cabeça e um balde na mão, ela, a mulher, estava pronta para seguir viagem. Ainda era escuro. A luz do poste estava apagada, com certeza por algum defeito. Só havia luz no outro lado muito distante. Dona Noca caminhou com seu andar sempre vexado. Um cachimbo na boca, a cabeça erguida e contava histórias de bichos de outro tempo para puxar a mocinha cada vez mais depressa. O trem da estação apitava ao longe. O silencio a fazer de madrugada dava para ouvir. Certamente era um trem de carga. Ainda era cedo para o trem de transporte está chamando gente para a viagem interestadual. Um homem saiu de um quarto que fora algum tampo um posto de quartel. Ele conduzia um cesto vazio de fazer compras dos fregueses. Vestes surradas, demostrando ser um fardamento antigo de algum soldado, o homem desceu de um batente do quarto, e foi seguindo sem nem mesmo cumprimentar dona Noca, embora soubesse ter a mulher igual destino, o Mercado Público da Cidade. Um cachorro vadio, coçava as orelhas e em seguida tomou caminho com o moço do cesto. A madrugada se desfazia com um leve clarão no céu envergando a aproximação de das quatro e meia. Ainda era cedo da madrugada quando dona Noca e sua filha, Marilu cruzaram a rua. E com isso, dona Noca já estava a chegar no Mercado pela porta lateral. Com a mulher, estava também a caçula Marilu, criada desde pequena pois o marido de dona Noca desaparecera um dia sem que nem não deixando tudo para lá. A mulher atravessou as bancas de carne e peixe onde os mercadores colocavam seus produtos de venda. Maria já estava no local pondo para a acender um fogão a carvão.
Noca
--- Bom dia, mulher. Estou cansada. - - falou um tanto desanimada.
Maria
--- Bom dia. O carvão está molhado. - - e soprou por mais de uma vez.
Noca
--- É assim. João carvoeiro deixa tudo de fora da garagem. - - resmungou.
Após meia hora, o movimento começava. Um guarda se abancou a espera de um café. Ele era um guarda que passara a noite toda apitando de um lado. Com pouco tempo, se juntou outro guarda e então os dois trocarão impressão sobre o serviço. O quartel dos mesmos ficava situado no bairro da Ribeira, uma esquina da rua Duque de Caxias. Naquele local, os guardas dormiam pela tarde toda até chegar a hora do serviço. Marilu chegou com o bule para atender aos guardas.
Marilu
--- Que mais? - - indagou
Guarda
--- Cuscuz e tapioca. Tem? - -
Marilu
--- Tem. - -
O café de dona Noca ficava no fim do Mercado ao lado do último portão de ferro dando para o lado onde tinha uma mangueira. Para se sair, tinha que descer os degraus feitos de cimento. As urinas e as fezes dos embriagados deixavam um odor imprestável para quem entrava do Mercado. O Bonde vindo da Usina começava a transitar com destino ao bairro Ribeira, seguindo pela rua Das Freiras – rua Ulisses Caldas -. O relógio da Matriz já marcava as cinco horas, podendo ser bem mais. Ouvia-se o som do sino do Bonde a chamar a atenção de um transeunte, um bêbado ou mesmo de um burro que nem se importava com a máquina.  Atrás do Mercado existia uma bodega. Vendia de tudo aos moradores da região. Ali, o movimento era franco apesar de se ter o Mercado com toda a quinquilharia que se pudesse imaginar. Do peixe, a carne verde e até mesmo as roupas para se comprar ou os sapatos e até mesmo as vendas como se chamava os pontos do comércio. Esse era o movimento da Cidade Alta, bairro chique da burguesia. Para lá, existiam outros bairros, como Tirol e Petrópolis. Esses bairros eram menos favorecidos. Gente pobre. E era em Petrópolis onde morava a senhora dona Noca. Esse nome é verdadeiro. Seu nome completo era Maria Noca dos Prazeres. Porém ficou sendo chamada de Noca. Ela era oriunda de um lugarejo de nome Japi e tinha pais, irmãos, tios, sobrinhos e um mundo de parentes. Por algum tempo, esteve em Natal uma de suas irmãs, chamada Rute, ainda de menor. Após alguns dias, Rute arrastou a mala, ou seja, voltou para sua casa.
Para ganhar a vida, Noca teve duras penas. Vindo de Japi, na cidade grande trabalhou em casas de senhores, lavava roupa, cozinhava findando por fazer de tudo. Ela, por algum tempo, morou em bairros como as Rocas que ainda não era um bairro, viveu na Ribeira onde trabalhou em casa de gente rica, casou com um homem de nome Paulo. Esse, um dia, fugiu de casa dizendo que “ia ali” e não mais voltou. Noca, com uma menina pequena, não se importava com isso. Deu duro para sobreviver. Com a garota às costas, lá estava a mulher batendo roupa ou fazendo cocada. Foi assim que Noca viveu, sozinha, com a filha de colo.
Noca
--- Bem dia, seu Manoel. Como vai o senhor? - - perguntou
Manoel
--- Da mesma forma de ontem. Trabalhando. - - e sorriu
Noca
--- Trabalhando. Trabalhando. Assim é a vida! - - respondeu
E voltou para o interior do bar/café. A menina Marilu foi quem apareceu, sorrindo. Chegou e perguntou
Marilu
--- Café? - -
Manoel
--- Tem mungunzá? - - perguntou
Marilu
--- Sim. Quer leite de vaca? Chegou agora! - -
Manoel
--- Ponha com café. Um pouco. Pingado. - - respondeu
Outros consumidores surgiram quase no mesmo instante. Nas demais bancas o ruge-ruge tomava conta do ambiente. O movimento nas bancas de carne verde crescia a todo momento. A banca de peixe também fervilhava. Cada qual que oferecesse seu pescado ou carne verde. A mulher baiana já estava a ponto de vender suas tapiocas no meio do salão. Duas bacias: uma para torcer a massa e a outra para colocar as tapiocas secas e molhadas. A mulher vestia um todo branco e, na cabeça, envolta uma touca de cor branca. Enfim, a mulher estava toda de branco da cabeça aos pés: De um porte avantajado, a baiana se sentava no chão frio guardando os tamboretes para deixar as bacias com a goma e as tapiocas, uma e outra, postas eu seu lado. Quando alguém perguntava
Freguês
--- Tem tapioca molhada? - - perguntava
Baiana
--- Sim. Molhada e seca. Quer das duas? - -
Freguês
--- Não. Só molhada. É mais gostosa! - - sorria
E o garoto do cuscuz passada em frente com sua bacia coberta. Ele oferecendo suas iguarias feitas na última hora para quem duvidasse.
Garoto
--- Cuscuz com coco! Vai querer, patrão? - - perguntava
Freguês
--- Já tenho tapioca. - - respondia
Garoto
--- Mas leve um! - - dizia o moleque