- Marlee Matlin -
- 06 -
FEMINICIDIO
Era hora de festa. Dia de sábado.
Cinco horas da tarde. Crianças e adultos. Todos brincavam na algazarra entre os
muros do casarão. Alegria total da gente miúda. As lindas moças debatiam
assuntos vários. Os homens, apenas relatavam a história do iminente golpe de
estado daqueles tumultuosos dias. No mês de outubro esperava-se a posse do
General Getúlio Vargas. Era o fim a Velha República. O Palácio do Catete era o
centro do Governo. Com isso, os mais fortes discutiam a queda do Poder no Rio
de Janeiro. E nesse ponto, o rico poder
da Itália já residindo no Brasil comentava os prováveis acertos com o Governo
de Benito Mussolini líder do partido fascista. Por outro lado os rapazes
estudantes gracejavam com as garotas sobre outros temas da atualidade.
Rapaz Um
--- A senhorita já conhece o
Mágico de Oz? – perguntou com sorrisos.
Moça:
--- Não. Não. Custa-me ir ao
cinema. Mas já ouvi falar. – sorriu.
Rapaz Dois:
--- Fala-se muito em “Canção do
Amor”, de um italiano. Gennaro Righelli. – comentou outro.
Moça Dois:
--- Aqui apenas passa filme dos
Estados Unidos. – reclamou.
Rapaz Três:
--- Também os franceses Abel
Gance e René Clair. – destacou
Enquanto isso as senhoras de boa
classe se enfeitavam tal qual dama do cinema europeu, com graciosa beleza com
enfeites do novo partido nazista evocando vestidos longos e adornos sensuais em
seu divino corpo. Era então a verdadeira comédia boêmia trazida ao poder pelo
cinema de arte de antigamente. Ainda era
notada a submissão da mulher e o seu cuidado doméstico. Com a chegada da
energia elétrica às casas dos nobres senhores nesse aspecto se criou a invenção
da tecnologia. O caso facilitou sobremaneira da vida urbana da primeira dama. O
ferro elétrico e fogão a gás foram o topo da elegância. A figura feminina pura,
submissa, prendada e obediente é exaltada. A mulher passou a estudar
principalmente para cuidar da chamada economia doméstica. É tanto que
surgiram escolas para as mulheres de prendas.
As damas do lar tinham então o cuidado do dinheiro do seu marido.
Colégios para crianças de ambos os sexos tomaram vertiginoso impulso. O foco
das meninas era se formar para o casamento. E o cinema e o rádio empolgaram
ainda mais esse desejo. Vivia-se assim a nascente indústria do lazer.
Enquanto as crianças brincavam
das arteirices maiores, com o vibrar nos balanços de uma só pessoa e outros nos
escorregos ou nos brinquedos de cai e fica os homens austeros trocavam assuntos
dos mais diversos temas, o criador de gado zebu, Amaro Lazzarini, chegou a
comentar um assunto por demais assustador: uma criança caiu do terceiro andar
do seu apartamento para a morte instantânea.
Amaro:
--- Não restam dúvidas. Foi um
caso clamoroso. Uma criança de três ou quatro anos pular do terceiro andar do
edifico para a morte. Isso não é possível! – declarou atemorizado
Outro:
--- E os seus pais? – indagou
outro.
Amaro:
--- Eles, com certeza, dormiam.
Eles só sentiram falta do filho quando
acordaram, pela manhã. Então, aflito, o homem decepou a mulher! – respondeu em
êxtase.
Outro 2:
--- Horrível! – relatou com
assombro
Amaro:
--- Mais do que isso! – aumentou
com cara rude.
Outro 3
--- Eu soube de um caso, lá pelo
norte do país. Um homem já velho decepou a mulher, seus nove filhos e, em
seguida pôs termo a vida! – fez ver o terceiro.
Enzo:
--- Eu soube de um caso muito
interessante. Uma mulher, casada, mãe de família, um dia ela teve um sonho no
qual caminhava pela mata. E na mata tinha um tronco de pau bem grosso e ela
olhou bem para o pau e esse, com o tempo, foi secando e amolecendo por completo
até chegar ao seu final. A mulher acordou assombrada e viu o falo do seu marido
em suas mãos. Ela cortara o falo do marido com um canivete.! – relatou Enzo
Caprare, oftalmologista.
Amaro:
--- Que coisa! Abominável! –
declarou amedrontado.
Nardelli:
--- Houve casos mais alarmantes
que esses! Houve casos de femicidio! O piloto de avião esquartejou a sua mulher
e a enterrou no quintal de sua casa! Esse termo é o contrário de Homicídio! -
destacou.
Amaro:
--- Nossa mãe de Deus! – gritou
alarmado.
Nardelli:
--- Esses crimes eram frequentes
na Idade Média na Europa. No Brasil também houve e há o massacre de mulheres. –
detalhou.
Amaro:
--- Eu tenho empregado que não me
olha de frente. Ele matou muita gente. Mas, agora, eu lhe ofereço um quarto com
tudo que ele tem de direito. Inclusive o pagamento. Ele é um bom vaqueiro.
Roupa, feira e coisa que ele precisa. Seu nome é Manoel Vaqueiro. Vive com uma
mulher. Eu não me meto com as confusões de sua vida. – relatou
Nardelli:
--- Os casos de violências domésticas
estão mais graves. Mulher sofrendo há vários anos das mãos do seu homem. As
brigas mais horríveis. Teve caso de mulher apanhar durante dez anos do seu
amante. – confabulou.
Amaro:
--- Isso é fato. E essa agressão
vem desde a infância, quando a vítima é menina. Mas a mulher acha normal e diz
que apanha porque gosta do seu homem. – gargalhou
Nardelli:
--- É verdade. Elas adoram levar
chutes, empurrões e tapa na cara. Elas se dizem satisfeitas por que o seu homem
provou sua amizade. – enfocou.
Homem:
--- Para as autoridades, isso é
normal. Não se tem relatórios a respeito dessas agressões. Eu me lembro de
casos de ricas famílias onde a mulher é quem mais apanha do marido. Há casos de
pai se juntar com a filha e ninguém falar. – declarou com ênfase.
Nardelli:
--- Falta a conscientização para
essas vítimas, pois se a vítima não se dá importância, ninguém vai querer dar
também. É um abuso. E temos que levar por muitos anos ainda. – declarou.
Nicette Sandrini se acercou do
grupo de homem e, batendo palmas, chamou a todos para cantar os desejosos
parabéns em comemoração ao primeiro aniversario do menino Augusto Agostiniano.
Todos formaram uma corda humana e cantaram as bem-aventuranças ao menor para
lembrar seu primeiro ano de vida. Alegria efusiva para todos quantos estavam
presentes naquela homenageada oportunidade. Beatrice Lazzarini piscou seus
olhos para o doutor Nardelli como a lembrar de ser a próxima “vítima” a ser
cuidada por ele logo na próxima semana. O homem deu meia volta e foi falar com
seus velhos amigos para despistar a atenção. Nicette Sandrini se acercou de
imediato a colocar em seus braços o seu filho amado. A noite corria e nada mais
teria a ocorrer. Apenas o homem que vendia cuscuz passava a oferecer esse tipo
de massa.