sábado, 29 de março de 2014

A IDADE DA RAZÃO - SEIS -

- Marlee Matlin -
- 06 -
FEMINICIDIO
Era hora de festa. Dia de sábado. Cinco horas da tarde. Crianças e adultos. Todos brincavam na algazarra entre os muros do casarão. Alegria total da gente miúda. As lindas moças debatiam assuntos vários. Os homens, apenas relatavam a história do iminente golpe de estado daqueles tumultuosos dias. No mês de outubro esperava-se a posse do General Getúlio Vargas. Era o fim a Velha República. O Palácio do Catete era o centro do Governo. Com isso, os mais fortes discutiam a queda do Poder no Rio de Janeiro.  E nesse ponto, o rico poder da Itália já residindo no Brasil comentava os prováveis acertos com o Governo de Benito Mussolini líder do partido fascista. Por outro lado os rapazes estudantes gracejavam com as garotas sobre outros temas da atualidade.
Rapaz Um
--- A senhorita já conhece o Mágico de Oz? – perguntou com sorrisos.
Moça:
--- Não. Não. Custa-me ir ao cinema. Mas já ouvi falar. – sorriu.
Rapaz Dois:
--- Fala-se muito em “Canção do Amor”, de um italiano. Gennaro Righelli. – comentou outro.
Moça Dois:
--- Aqui apenas passa filme dos Estados Unidos. – reclamou.
Rapaz Três:
--- Também os franceses Abel Gance e René Clair. – destacou
Enquanto isso as senhoras de boa classe se enfeitavam tal qual dama do cinema europeu, com graciosa beleza com enfeites do novo partido nazista evocando vestidos longos e adornos sensuais em seu divino corpo. Era então a verdadeira comédia boêmia trazida ao poder pelo cinema de arte de antigamente.  Ainda era notada a submissão da mulher e o seu cuidado doméstico. Com a chegada da energia elétrica às casas dos nobres senhores nesse aspecto se criou a invenção da tecnologia. O caso facilitou sobremaneira da vida urbana da primeira dama. O ferro elétrico e fogão a gás foram o topo da elegância. A figura feminina pura, submissa, prendada e obediente é exaltada. A mulher passou a estudar principalmente  para cuidar  da chamada economia doméstica. É tanto que surgiram escolas para as mulheres de prendas.  As damas do lar tinham então o cuidado do dinheiro do seu marido. Colégios para crianças de ambos os sexos tomaram vertiginoso impulso. O foco das meninas era se formar para o casamento. E o cinema e o rádio empolgaram ainda mais esse desejo. Vivia-se assim a nascente indústria do lazer.
Enquanto as crianças brincavam das arteirices maiores, com o vibrar nos balanços de uma só pessoa e outros nos escorregos ou nos brinquedos de cai e fica os homens austeros trocavam assuntos dos mais diversos temas, o criador de gado zebu, Amaro Lazzarini, chegou a comentar um assunto por demais assustador: uma criança caiu do terceiro andar do seu apartamento para a morte instantânea.
Amaro:
--- Não restam dúvidas. Foi um caso clamoroso. Uma criança de três ou quatro anos pular do terceiro andar do edifico para a morte. Isso não é possível! – declarou atemorizado
Outro:
--- E os seus pais? – indagou outro.
Amaro:
--- Eles, com certeza, dormiam. Eles só sentiram  falta do filho quando acordaram, pela manhã. Então, aflito, o homem decepou a mulher! – respondeu em êxtase.
Outro 2:
--- Horrível! – relatou com assombro
Amaro:
--- Mais do que isso! – aumentou com cara rude.
Outro 3
--- Eu soube de um caso, lá pelo norte do país. Um homem já velho decepou a mulher, seus nove filhos e, em seguida pôs termo a vida! – fez ver o terceiro.
Enzo:
--- Eu soube de um caso muito interessante. Uma mulher, casada, mãe de família, um dia ela teve um sonho no qual caminhava pela mata. E na mata tinha um tronco de pau bem grosso e ela olhou bem para o pau e esse, com o tempo, foi secando e amolecendo por completo até chegar ao seu final. A mulher acordou assombrada e viu o falo do seu marido em suas mãos. Ela cortara o falo do marido com um canivete.! – relatou Enzo Caprare, oftalmologista.
Amaro:
--- Que coisa! Abominável! – declarou amedrontado.
Nardelli:
--- Houve casos mais alarmantes que esses! Houve casos de femicidio! O piloto de avião esquartejou a sua mulher e a enterrou no quintal de sua casa! Esse termo é o contrário de Homicídio! - destacou.
Amaro:
--- Nossa mãe de Deus! – gritou alarmado.
Nardelli:
--- Esses crimes eram frequentes na Idade Média na Europa. No Brasil também houve e há o massacre de mulheres. – detalhou.
Amaro:
--- Eu tenho empregado que não me olha de frente. Ele matou muita gente. Mas, agora, eu lhe ofereço um quarto com tudo que ele tem de direito. Inclusive o pagamento. Ele é um bom vaqueiro. Roupa, feira e coisa que ele precisa. Seu nome é Manoel Vaqueiro. Vive com uma mulher. Eu não me meto com as confusões de sua vida. – relatou
Nardelli:
--- Os casos de violências domésticas estão mais graves. Mulher sofrendo há vários anos das mãos do seu homem. As brigas mais horríveis. Teve caso de mulher apanhar durante dez anos do seu amante. – confabulou.
Amaro:
--- Isso é fato. E essa agressão vem desde a infância, quando a vítima é menina. Mas a mulher acha normal e diz que apanha porque gosta do seu homem. – gargalhou
Nardelli:
--- É verdade. Elas adoram levar chutes, empurrões e tapa na cara. Elas se dizem satisfeitas por que o seu homem provou sua amizade. – enfocou.
Homem:
--- Para as autoridades, isso é normal. Não se tem relatórios a respeito dessas agressões. Eu me lembro de casos de ricas famílias onde a mulher é quem mais apanha do marido. Há casos de pai se juntar com a filha e ninguém falar. – declarou com ênfase.
Nardelli:
--- Falta a conscientização para essas vítimas, pois se a vítima não se dá importância, ninguém vai querer dar também. É um abuso. E temos que levar por muitos anos ainda. – declarou.
Nicette Sandrini se acercou do grupo de homem e, batendo palmas, chamou a todos para cantar os desejosos parabéns em comemoração ao primeiro aniversario do menino Augusto Agostiniano. Todos formaram uma corda humana e cantaram as bem-aventuranças ao menor para lembrar seu primeiro ano de vida. Alegria efusiva para todos quantos estavam presentes naquela homenageada oportunidade. Beatrice Lazzarini piscou seus olhos para o doutor Nardelli como a lembrar de ser a próxima “vítima” a ser cuidada por ele logo na próxima semana. O homem deu meia volta e foi falar com seus velhos amigos para despistar a atenção. Nicette Sandrini se acercou de imediato a colocar em seus braços o seu filho amado. A noite corria e nada mais teria a ocorrer. Apenas o homem que vendia cuscuz passava a oferecer esse tipo de massa.

sexta-feira, 28 de março de 2014

A IDADE DA RAZÃO - CINCO -

- Greta Garbo -
- 05 -
PSICOSE
Os dias passaram e com eles a tormenta. O médico Walter Nardelli voltou a seu consultório onde mantinha s melhores atendimentos com a sua burguesa freguesia. Ele atendia não mais de cinco pessoas pela tarde. A manhã era outro especialista. Em uma tarde de Sol, surgiu em seu consultório uma bela e jovem paciente. Ela era Gilda Nolasco, dezoito anos de idade. A moça deixou todos se consultarem ficou para o ultimo lugar. Ao entrar no gabinete, Gilda fez os cumprimentos e apenas calou. O tempo era de estio. A moça pediu não deixar qualquer pessoa ter acesso ao local. Era uma consulta talvez demorada. O medico obedeceu ao temor da consulente. E deu ordens para a atendente sair. Então, ficaram os dois. O silêncio percorreu todo o ambiente. Após tão longo mutismo, o médico falou:
Nardelli:
--- Então. Quer dizer algo? – perguntou.
A moça olhou para o médico e entrou em novo silencio. Por fim, Gilda falou em murmúrio.
Gilda:
--- Eu ainda sou virgem. Mas, não tenho anseio em ficar com um homem. – declarou
O medico suspirou aliviado por ter quebrado o silencio de Gilda. E então falou:
Nardelli:
--- Mas isso não é problema. Deixa chegar a hora de ter um namorado.
Gilda:
--- Não é isso. Eu cumpro as minhas necessidades comigo mesmo. – falou a tremer.
Nardelli:
--- E  que tem demais com isso? – indagou.
Gilda:
--- Eu prefiro fazer sozinha. – e mostrou os dedos da mão. Depois os recolheu depressa.
Nardelli:
--- Sozinha? –
Gilda:
--- Sim. Mas penso. Eu penso em fazer com alguém. – relatou.
Gilda Nolasco calou por certo período e ficou a pensar, chutando seu pé em direção ao birô do médico sem, contudo bater. Apenas de leve chutava para não bater no birô. Ouvia-se batidas no interior do prédio onde existia o consultório do médico. Gilda olhou para o médico e relatou enfim o que ainda tinha a falar.
Gilda:
--- A Igreja reprime por motivos morais a pratica do ato. Na antiguidade as moças usavam cinto de castidade. No século passado a Igreja estampava como doença. Perda de apetite, vômitos, tosse. O Padre dizia que isso levava ao Inferno. – falou murmurando.
Nardelli:
--- Isso o que? – indagou o médico.
Ela calou no um bom período. E depois voltou a dizer:
Gilda:
--- Isso. Esse ato. Prática. Ato sexual. – falou por fim.
Nardelli:
--- E você o que acha? – perguntou.
Ela calou novamente. Após algum tempo Gilda falou:
Gilda:
--- Normal.  Na Grécia é um ato sexual normal. Egito é prática coletiva. Os Maias praticavam esse ato. – falou
O médico calou por um instante e ficou a bater com os dedos das mãos uns contra o outro em forma de oração elevando até a sua boca. Nardelli olhava um pouco descrente para a moça por não entender tanta ignorância sobre o sexo. Em seguida, após alguns instantes ele então falou de modo carinhoso.
Nardelli:
--- Como voce chama esses atos? – indagou.
A moça olhou para o medico de cabeça um pouco curva e a chutar sem tocar o birô. Então, com surpresa, falou.
Gilda:
--- A meu ver, é siririca. Os adultos a chamam de masturbação. Onanismo. Onã. Isso assim. Para os homens, termo é diferente. – ela confessou.
Nardelli:
--- E como é? – indagou sabendo.
Gilda:
--- Punheta. – o calor subiu a sua face
Nardelli.
--- Mas tudo a mesma coisa. – falou com as mãos postas à boca.
Gilda:
--- Sim. Eu sei. E para a mulher: Esfregação. E assim vai. – sorriu um pouco.
O tempo passava lento e os dois – médico e consulente – continuavam a dialogar as razoes do destino de Gilda Nolasco. Então, o doutor então falou como quem fosse alheio ao tema.
Nardelli:
--- Na Grécia: como é feito o sexo?
Gilda:
--- Na Grécia? Bastante normal. As mulheres usam um pênis artificial. É chamado de “ólisbos”. As danças eróticas são participadas pelas prostitutas de luxo. E entre nós, podemos ver as mulheres ou damas da noite, no Brasil, fazendo de igual forma. – completou.
Nardelli ficou extasiado com tanta certeza da virgem moça. E então indagou à virgem:
Nardelli:
--- Onde voce viu isso no Brasil? – perguntou com as mãos entre o queixo.
Gilda ficou atenta à questão para então responder sem arrogância:
Gilda:
--- Em qualquer lupanar da cidade. E elas não fazem as escondidas. Fazem mesmo às claras. São presidentes, convidados especiais, diplomatas. Todo esse pessoal que pode pagar. De outro lado, nos lupanares menos elegantes, as mulheres também fazem seus atos e costumes. Tem de tudo. Charuto, cerveja, vinhos. O que o senhor desejar fazer com as damas. – falou sem entusiasmo
Nardelli:
--- Eu não entendi o charuto! Como é que se faz? – indagou
Gilda olhou para o medico e com instantes sorriu:
Gilda:
--- Eu não acredito! Uma dama soca o charuto em sua vagina. São mais de 50 charutos que a mulher soca por dia. E isso porque os machos gostam de charutos molhados com os órgãos sexuais da mulher. E se for ninfeta, ele pagam muito mais. As velhonas, essas não se ligam, pois apenas as mocinhas tem esse hábito de seduzir. – relatou.

quinta-feira, 27 de março de 2014

A IDADE DA RAZÃO - QUATRO -

- Anna Sophia Robb -
- 04 -
RAZÃO
Em outro dia no período da tarde de um sábado estava Nardelli em sua mansão ao ver o oceano aonde os navios chegavam ao porto do Rio. A sua mulher Nicette acalentava a criança em seu colo. A brisa do mar soprava leve tendo o Sol ao poente e em pouco tempo tudo já era escuro. A Lua em minguante surgia no horizonte com uma fina cauda como uma rede de malha ao convite para consolar a noite amena há um tempo surgir. Entre tantos devaneios o médico pensava em Beatrice e nos momentos de ânsias com estivera na última vez. E refletiu com silencio contido quando esteve no lupanar naquela tarde do sol morno.
Beatrice:
--- Eu não sei. ... Mas eu pressinto ter uma doença. – relatou.
Nardelli:
--- Como assim? – indagou confuso.
Beatrice:
--- Não sei explicar. Desejos. Às vezes estou dormindo e vejo-me roçando o meu clitóris. E acordo. Não vejo nada. – relatou.
Nardelli:
--- E o seu marido? – perguntou.
Beatrice:
--- Ele dorme feito um porco! – declarou enojada.
Nardelli:
--- Vocês têm algum contato? – indagou.
Beatrice:
--- Há muito tempo nós não temos. – reclamou.
Nardelli:
--- Por sua causa? – quis saber.
Beatrice:
--- Também. Quando ele procura eu finjo dormir. Ele faz sozinho. – disse embrutecida
Nardelli:
--- Você nunca faz? – questionou.
Beatrice:
--- No banheiro. Não todo o dia. Se eu pudesse faria todos os dias. – reclamou
Nardelli:
--- Se eu pudesse? – quis saber melhor.
Beatrice:
--- Sim. Às vezes o banheiro está ocupado. Às vezes é ele mesmo. – declarou.
Nardelli:
--- Ele ocupa o banheiro? – perguntou.
Beatrice:
--- Sim Também tem as meninas. – relatou.
Nardelli:
--- Quantas? – quis saber.
Beatrice:
--- Três. Então o tempo passa. – disse por vez.
Nardelli:
--- E as meninas? Quantos anos? – indagou sereno.
Beatrice:
--- De quinze a vinte anos.  A mais velha tem um namorado. Essa faz com ele. – declarou
Nardelli:
--- De qual forma? – indagou
Beatrice:
--- Oral. Anal. De qualquer forma. – declarou abusada.
Nardelli:
--- Como voce sabe? – indagou inquieto.
Beatrice:
--- Eu vejo. O buraco da fechadura. – enfatizou
Nesse momento Nardelli calou por completo. Quando ele lembrou em sua mansão já era começo de noite. A sua mulher ainda perguntou se Nardelli tinha algum afazer naquele dia de domingo. E ele respondeu ter somente a leitura de alguns textos não tão urgentes. E Nicette respondeu ter a visita de amigos fraternos no dia seguinte.
O vento frio da manhã do domingo prenunciava temporal de imediato. O chalé no alto da colina era abrigo para ventanias. Mesmo assim os caseiros fincavam estacas para proteger sobremaneira o casarão vindo de tempos remotos, talvez do século XIX com mais certeza. Nesses palácios assobradados residiram famílias ilustres daqueles tempos de glória. Paços onde habitaram figuras ilustres do passado aonde a mata cobria o seu flanco por várias léguas sem fim.  De repente, os relâmpagos seguidos de trovões. Ventania sem fim. O rugir da mata era o início do caos. O turbilhão das cheias corria vertiginoso. A lama tomou conta do passeio público daquelas épocas. Os janelões batiam fortes clamando para alguém as trancar. O uivo da ventania colhia verdadeiros escombros. A luz elétrica do paço acabara. Um caseiro, de imediato acionou o gerador repondo a iluminação por completo. Já não se via uma sombra qualquer do outro lado da avenida. O temporal intenso trouxe consigo o descambar da visão mesmo diurna. Estertores surdos eram tudo a se resignar. Como na Itália em épocas de temporais, o Rio era o mesmo. O dia virou noite. Baques surdos. Eram árvores a tombar pela força do vendaval. Recolhida em seu quarto a mulher Nicette Sandrini tremia de horror a abrigar o seu terno pequeno filho. A ama ficou ao lado a proteger sua bela dama. Nicette falava aflita:
Nicette:
--- Não suporto esses trovões. – relatava insegura.
A ama acolhia a criança sem motivo de aflição. E dizia apenas:
Ama:
--- A ventania é forte! – era o que falava a proteger a criança.
Os telefones emudeceram de repente. O caos eterno era a tempestade. As calhas se enchiam de volumosas águas como um turbilhão dos hediondos tormentos.  Corpos de pessoas de idade jovem e média eram vistos passar já sem vida em busca de um rio a correr mais abaixo. Teve um caseiro a contar nove corpos. Uma mulher era uma gestante. A fala de iluminação atingiu as luminárias da avenida. O trovejar continuava e de repente se ouviu troncos de árvores arrastadas pelo turbilhão das águas. O volume era impressionante chegando a mais de um metro das águas da borrasca. O casarão ficava aquém da avenida ficando protegido das intempéries.
O doutor Nardelli não tinha mais sossego ao amparar as esposa e depressa a acudir o gerador para não faltar à iluminação na protegida residência. A calçar umas botas, o doutor Nardelli caminhava de um lado para o outro em busca de assegurar ter estado a contendo e não faltar óleo combustível. Apenas relatava com altivez:
Nardelli:
--- Tomem cuidado com o combustível. – dizia o homem com ênfase.
 
 

quarta-feira, 26 de março de 2014

A IDADE DA RAZÃO - TRÊS -

- Lolla Girlz -
- 03 -
SOBRADO
Com o decorrer dos meses, o doutor Walter Nardelli já estava a residir com a sua família em uma chácara no alto de uma colina do ponto onde se podia ver o mar em toda a sua amplidão com navios a chegar e a partir além de barcos pequenos e grandes a vela ou não. No sábado ele convidou a seleta classe para comemorar o nascimento de Augusto Agostiniano filho casal Nardelli. E ele escolheu a Confeitaria do Ovídio onde se comia e bebia de tudo o que se pensasse. Ovídio era um português de destaque, manco de uma perna: a perna direita. Sua cor era rosada. De seus empregados ele tinha alguns, todos brasileiro e outros italianos da gema. A confeitaria era um luxo só como era de praxe naqueles idos tempos. O Ovídio pouco se notava no recinto, pois se conservava “escondido” em seu escritório da Confeitaria. O salão era imenso, com carreira de cadeiras ao sair, entre as paredes de mármore de Carrara e ao final do salão. No meio de tudo tinha uma pista de dança. Gente muita nos finais de semana e em qualquer dia, uma vez ter ali sempre comemorações por um caso ou outro: aniversário, casamento ou mesmo uma recepção pela chegada de um amigo da velha Europa. Lâmpadas em globos pediam do teto a traduzir os enfeites postados nas paredes, notadamente pinturas de artistas famosos da Europa. Ali estavam o Romantismo, o Iluminismo e o Barroco de modo especial pinturas dos séculos XV e XVI, movimento do renascimento do velho mundo. Era a valorização da cultura Greco-Romana. Michelangelo, Leonardo da Vince, Caravaggio, Rembrandt, Rafael e outros tantos. Era a arte espalhada no salão.
O salão estava repelo de gente. Moços e moças. Senhoras e Senhores. A farta gargalhada dos mais idosos. Homens do café, do cacau, da cerveja e muito mais. Na mesa reservada ao doutor Nardelli tinha de tudo. As damas vestidas a requinte, chapéus emplumados, algumas de decote aberto às costas. Outras, nem tanto. De modo geral eram todos longos vestidos ditados pela moda apurada. Eram para lá das 05h00mit e a festava continuava. A senhora Nardelli era toda carícia. Com o Agostiniano ao colo a dama não se fazia de rogada. Todos queriam olhar de perto a criança, às vezes no colo de uma babá contratada para tal fim.  Gente a passar e a entrar a procura de sua mesa. Era tudo um frenesi de loucura. Perfumes orientais se confundiam com pingentes de prata no colo das belas damas. Um colar de ametista era o maior deslumbramento.
Enfim, tudo era festa nas mais cálidas horas. Foi então que o doutor Nardelli sentiu um coçar por debaixo da mesa. Ele de imediato notou o rosto suave da mulher do outro homem. Nardelli recolheu a sua perna e observou os demais com imediata surpresa. Mesmo assim, com a boca franzida para que ele observasse, a mulher roçou a perna do médico outra vez. E lhe fez uma careta sem graça a torcer apenas o nariz. O homem se apegou ao seu filho e mostrou a todos a criança recém-nascida como a dizer a mulher ele estar plenamente surpreso com o vexame lhe dado. O marido da fêmea estava já para lá de embriagado e ao sair para o toalete o criador de zebu levou um tombo que os demais o ampararam. E gritaram a gargalhar sem temor:
Protetores;
--- Olha a vaca toro brabo! – sorrisos francos
Seu nome era Amaro Lazzarini já há algum tempo a criar gado no interior de Minas Gerais. Ele estava na festa de congratulações pelo convite feito pelo seu patrono, o médico Walter Nardelli não bem conhecido de sua família. Mesmo assim, de elevada estima entre os homens ricos da Itália. Em instantes outros o Lazzarini fez augusta amizade com a família Nardelli, de modo especial com o chefe atual da família, Enrico, pai do jovem médico. E por causa da amizade fraterna, Lazzarini era também de plena amizade com o moço, haja vista os demais convidados, todos de famílias nobres da Península. Quanto ao tempo, em resposta, ele declarou com certeza.
Amaro:
--- Eu não vou! Vão me levando! – e sorriu sem graça.
Dois outros amigos o levaram a toalete a tentar fazer se retocar da embriaguez cruel. A mulher de Nardelli também fez a vez de ir ao toalete feminino e chamou a babá para ir com ela. O marido se fez de imediato presente e lhe perguntou:
Nardelli;
--- Quer ajuda? – indagou sobressaltado.
Nicette:
--- Não é preciso. Um minuto apenas. – declarou
A mulher de Amaro, a senhora Beatrice Lazzarini sentiu-se mais aliviada pela ausência de toda a gente. Com o rosto a sorrir então perguntou a Nardelli sobre coisas triviais com o seu pé por baixo da mesa a coçar a perna de médico.
Beatrice:
--- Já conheces a fazenda do interior? – indagou preguiçosa.
Nardelli:
--- Não. Não. Quer dizer: Aqui não conheço muito das coisas típicas do regionalismo.
Beatrice:
--- Está feito o convite. – sorriu devagar
Nardelli:
--- Obrigado. Confesso que só a minha mulher se recompor, eu irei. – disse ele.
Beatrice:
--- Muito bem. Mas por esses dias o que tu fazes? – perguntou com calma
Nardelli:
--- Atendo aos meus pacientes. – destacou.
Beatrice:
--- E eu posso ser atendida? – indagou sorrateira.
Dias após Nardelli recebeu um telefonema em seu gabinete. Era Beatrice. Ela projetou para à tarde, antes das cinco, um encontro não casual. Beatrice gostaria de outro local. Não aquele do consultório. Era para não dar da vista de gente “fofoqueira”. O combinado foi aceito. O homem não sabia por que cardas d’águas ele aceitou a proposta. Depois veio a explicação. O homem Amaro Lazzarini viajara para cuidar do gado. E teria ela o tempo necessário para cuidar de si. Fo isso o declarado por Beatrice quando os dois estavam juntos em um quarto de uma casa feita para tal fim. Um recurso, como se dizia ou chamava. Um lupanar.  Delicada e cheia de graça a bela mulher dos seus trinta anos apenas desejava ser uma dama da tarde.
Nardelli:
--- Quantos? – indagou surpreso.
Beatrice:
--- Apenas você. Chame e delicadeza. Suave e terno. – respondeu a sorrir devagar.
Nardelli:
--- Mentiras! – ressaltou.
Beatrice:
--- Verdade. Vontade eu tenho demais. Nunca encontrei um “paisano” como voce. – disse mais
Nardelli:
--- Eu sou casado! – definiu.
Beatrice:
--- Isso não tem importância. Nós “ficamos” e é só.  - relatou sem espanto.
Nardelli:
--- Hoje! Amanhã! E depois? – indagou.
Beatrice:
--- Depois é muito tempo. – disse mais.
Nardelli:
--- E se minha mulher descobrir? – perguntou.
Beatrice:
--- Nós viveremos juntos. – explicou.

terça-feira, 25 de março de 2014

A IDADE DA RAZÃO - DOIS -

- DOIS -
HÓSPEDE

Tão logo desembarcou no Rio de Janeiro, o doutor Nardelli em companhia do seu fiel amigo Capraro, oftalmologista de renome para a camada de alta classe, procurou se hospedar no Copacabana Palace hotel de primeira qualidade, de recente inauguração onde se instalavam autoridades e personalidades estrangeiras vindas para o Brasil com o anseio de conhecer esse novo País do sul do continente. O Palace Copacabana era de luxo e grande pompa com sofisticação e esplendor. Bem localizado em frente à praia de Copacabana ente quase deserta e desconhecida esse hotel funcionava com um cassino com o terreno se projetando para a Avenida Atlântica. O projeto do Palace foi inspirado no Hotel Negresco, de Nice, na França, dando-lhe uma estrutura sóbria e imponente.  O mármore de Carrara vindo da Itália era o chique da ostentação. Além do mais podia se notar os vitrais e os lustres da Checoslováquia e os cristais da Boêmia. A decoração era em estilo Luís XVI. Esse foi o primeiro grande hotel na Praia de Copacabana.

Em dias que se seguiram vieram a visitar o ilustre médico toda a camaradagem italiana, principalmente à noite levando as suas esposas e filhas de maior idade. Nicette Sandrini ainda enjoada da viagem e do desconhecer, colheria com satisfação uma conversa trivial com as damas da Itália vindas em anos anteriores.  Com o passar dos dias, Nicete Sandrini Nardelli aceito convites para conhecer o Rio e visitar locais distintos como o Jardim Botânico com palmeirais imperiais do tempo em que o Governo era o Imperador Dom Pedro II. Já em 1847 havia a exaltação as palmeiras pelo poeta Gonçalves Dias em sua Canção do Exílio. Pássaros canoros saltitavam o ambiente e tudo isso dava ênfase a senhora dama Nicette Sandrini ou mesmo senhora Nardelli. Foi um tempo de visitas ambientais onde a senhora Nardelli ficou a conhecer um pouco da selva brasileira, com sua Vitória Régia a reviver nas águas cálidas e serenas do portal do bosque.

Enquanto isso, o doutor Nardelli discutia assuntos atuais a lembrar da velha Itália com os doutores vindos para o Brasil naqueles tempos ditosos. A olhar a Praia de Copacabana, o médico ouvia dos seus doutores parceiros o contar de histórias mirabolantes a acabar tudo em gargalhadas infindáveis. Então os doutores discutiam os problemas cruciais da Guerra onde a Alemanha foi posta a pique.

Enzo:

--- Aquele país não tem mais jeito. – dizia o velho amigo ao se referir à Alemanha.

Nardelli:

--- Concordo plenamente. E a Itália segue no mesmo caminho. Esse tal de Mussolini é um caso sério. – discorreu o médico.

Enzo:

--- Eu não sei que graça tem o governante! – comentou com a face torcida.

Nardelli:

--- É o caso. Desemprego e fome. Tudo isso leva a devassidão social.  – comentou ao sabor de um cachimbo a queimar um fumo italiano.

Enzo:

--- Mas o sindicalismo estava presente enegrecendo a classe mais alta. A nossa classe. O socioeconômico. Podíamos sucumbir a qualquer instante. – falou com modéstia.

Nardelli:

--- Verdade. Pura verdade. Eu estou meio aquém desse manejo. Mas o meu pai, ele teme o fascismo. Os Militares. Os Militares. Essa questão emblemática. – relatou em surdina.

Enzo:

--- É verdade. Pura verdade. E o senhor? Fica aqui? – indagou.

Nardelli:

--- É bem provável. Se a Alemanha se soerguer, novamente, todos virão. A não ser o meu pai. Ele não teme, assim por dizer, a Benito Mussolini. Fica quieto. Mas. ... Eu não sei. – replicou.

E os dias e meses se passaram como o vento na campina. O Brasil ficava em meio de toda essa confusão sem partidarismo, com suas brigas internas. Júlio Prestes tentava assumir o poder através das eleições diretas com o apoio das lideranças de São Paulo. Estava se declarando um golpe. Júlio Prestes assumia o poder, mas não era empossado. No Rio, as confabulações corriam rasteiras sem grandes esperanças. E nos corredores do silencio apenas a voz de um médico jovem a prescrever um medicamento ao seu enfermo, um eminente senhor qualquer onde o clínico estava a receitar medicamentos em um consultório suntuoso onde se cobrava quantia bastante ampla. Esse consultório ainda não era o de doutor Nardelli. Um amigo o emprestara para atender aos seus ricos pacientes. Fazendeiros opulentos ou mesmo os seus queridos filhos. Esses eram igualmente italianos, filhos de italianos ou algum bastardo da família.

Era o mês de setembro, em seu final. O médico estava em seu consultório e o telefone tocou. Ela atendeu e não mais surpresa. A sua governanta lhe dava a notícia:

Gilda:

--- Senhor, a senhora Nicette está sendo atendida. – disse a governanta.

Para o médico, nada de mais. Era o seu costume ligar o telefone ao sair para o atendimento médico. É tanto que ele mandou os parabéns por ter feito a ligação.

Nardelli:

--- Obrigado por me avisar. – respondeu sem emoção.

Gilda:

--- O senhor entendeu? Ela está tendo uma criança. Eu não sei se menina ou menino. – declarou em murmúrio.  

O medico se exaltou de imediato:

Nardelli:

--- Como? Agora? Chego já! – fez ver o homem ao despachar toda a clientela.

Ele vestiu o seu casaco e saiu na carreira declarando ter que ver a sua mulher àquela hora, pois estava tendo uma criança.

Nardelli:

--- Dispensa todos! Dispensa todos! – e saiu em debandada.

No vexame tremendo ele apanhou um taxi e pediu depressa ao motorista, uma vez que a sua mulher estava tendo uma criança. O homem ficou cheio de angústia, tremendo até os pés e sorrindo e chorando feito uma criança. O motorista atendeu a ordem e fincou o pé passando por cima de pau e pedras até chegar ao Hospital onde estava sendo atendida a senhora Nicette Sandrini Nardelli. Eram 04h00min horas da tarde ou mais que isso quando o parto da criança terminou:

Médico parteiro:

--- Parabéns, doutor. Um belo menino! – disse-lhe sorridente.

Passaram-se alguns minutos para poder liberar a senhora Nicette Sandrini. As enfermeiras, agoniadas com tamanho trabalho a suarem por todos os poros ainda assim declaravam.

Enfermeira:

--- Que menino! – dizia uma das tais.

Enfermeira 2:

--- Cinco quilos e trezentas gramas. – respondia a outra.

A senhora Nicette, toda ancha saiu da sala de parto com o seu bebê ao colo ainda deitada em uma cama e sorrisos a não lhe faltar. O medico Nardelli corria com pressa para ver a criança ainda fora do seu apartamento onde mãe e filho ficariam alguns dias a mais. Suando frio, Nardelli com emoção, tratou de indagar:

Nardelli:

--- é homem? É homem? -  indagou entusiasmado.

Enfermeira:

--- E pesa mais de cinco quilos. – declarou sorrindo


segunda-feira, 24 de março de 2014

A IDADE DA RAZÃO - UM

- Capítulo Um -
O ENTERRO
Era um casarão solitário. Acima de tudo tinha um primeiro andar. Mas sempre estava fechado. O frio das manhãs não penetrava porque o casarão estava voltado para o norte. A brisa suave e repentina vinha apenas do leste. As tardes de sol tinham maior valor para o casario, pois devagar o aquecimento penetrava do recinto. Apesar de tudo, o casarão assobradado estava sempre cerrado em suas suntuosas portas e janelas. Porém, naquela tarde calorenta estavam abertas todas as grandiosas portas da frente com seus janelões acortinados de um vermelho escuro como  o luto a se arrastar a todos os participantes das últimas e reais homenagens a serem feitas.  No meio do escuro salão, a urna fúnebre. Pouca gente então. De importância, apenas um médico.  A família do doutor Walter Nardelli Taffner, 90 anos de idade, estava ausente. A sua esposa já era falecida. O seu nome, Nicette foi esse quando viva e bem saudável para se ostentar. Nas elegantes paredes do solar apenas as estantes e antigos retratos provavelmente dos parentes ilustres e pinturas em anosos quadros. Bandejas de licores eram tudo o que se podia notar naquele discreto e infausto velório.  A cor acinzentada do solar não era por carência de pintura para ser visível. Era apenas pelo desgaste do tempo soturno e melancólico. Nesse provável casarão sem mais historias estava a residir o seu senhor. Os episódios da casa eram cuidados por uma governanta e uma criada. Um jardineiro vigiava o pomar ao redor da mansão. Para os fins do terreno eram apenas gigantescas árvores sombrias e emudecidas.
O doutor Nardelli chegou ao Brasil vindo da Itália tão logo concluiu os seus estudos da Cadeira de Medicina. Era ele proveniente de uma família numerosa do norte do país. Tal família era de um luxo e riqueza pela nobreza e prestigio italianos.  Em tempos remotos, a música erudita era o aconchego da Casa dos Nardelli. Albinoni, Bellini, Vivaldi ou mesmo Verdi. Eram autores prediletos da augusta Casa. Nesse ambiente Nardelli nasceu e cresceu ao final do século XIX entre suntuosos casarões italianos no meio de livros e molduras de retratos em um ambiente de árvores seculares. Senhoras da nobreza em vestes matriarcais eram os mais visíveis para a distinta criança Nardelli.  Arranjos de prata e cristais famosos era tudo o que podia  distinguir no antigo e vetusto solar.  Crianças a brincar no pomar. Visitas em dias marcados. E presença da menina Nicette, filha de tradição dos Sandrinis. Era ela a escolhida para o casamento com Walter Nardelli. Gente rica e tradicional da velha Itália.
Os mais antigos da família buscavam na aristocracia a vida fraternal como sendo heróis de antigas tradições  medievais ou mais para os tempos da República Romana onde o Senado era constituído por um círculo restrito de membros dos chamados “nobiles”. Assim eram as famílias consulares de origem patriarcais a tender a magistratura adquirida como um privilégio, pois o acesso ao Senado era reservado somente a alguns.  O casarão da colina italiana mostrava muito bem o enigmático brasão histórico da tradicional linhagem Nardelli. E aquele brasão fora composto em seus mínimos detalhes pelo doutor Nardelli ao por em sua nobre mansão ao se transferir para o Brasil. Quem avistasse o brasão veria alí a habitação de um nobre senhor.
Um ano antes de 1930, o doutor Nardelli embarcou no transatlântico com a sua esposa já estando no segundo mês de sua gestação. O casal viajava na primeira classe no navio Massília e desembarcou no porto do Rio de Janeiro junto aos demais passageiros de igual categoria. A viagem foi um tanto turbulenta para a senhora Nicette Sandrini Nardelli por conta dos enjoos e náuseas. Notadamente, por vários dias a senhora Sandrini teve de ficar de resguardo em sua suíte acompanhada da sua governanta. Essa mulher era, aparentemente, de uma classe social de menor poder aquisitivo, porém mostrava-se austera. Ela, a governanta, apenas obedecia às ordens dos seus senhorios e nada mais. De cor rosada, olhar intenso e profundamente calada perante todos os viajantes, dona Gilda Baldo se tornara apenas sisuda. Na noite de brumas ou fortes chuvas, Gilda estava pronta para agasalhar com uma coberta a sua patroa. Ela era ainda jovem, de seus 25 anos como à senhora Nicette, de um pouco mais de idade. Nascida em locais ermos da Itália, estava à moça apenas compenetrada no seu serviço. Outro evento pouco importava.
Se fosse manhã de sol, o banho de piscina. Se fosse à tarde, olhar o céu. À noite, ficava-se no salão de jogos ou a conversar com os passageiros da primeira classe.  Mulheres distintas de joias e brilhantes. Seis dias de viagem. O esposo a conversar com o capitão do navio onde aparecia igualmente um general aposentado a falar dos feitos heroicos da Primeira Guerra. Noites vazias de frio intenso. De qualquer modo, era uma travessia tranquila. Itália-Brasil com paradas na Inglaterra, Portugal e Açores. Um magnata expunha planos de comprar café do Brasil para exportação. Por sua parte o Capitão falava em se aposentar ao fim desse percurso.
Capitão:
--- Essa será minha última viagem como capitão de navio. Espero terminar a contento! – relatava o homem gordo e barbudo.
O navio Massília estaria quebrando o seu recorde na travessia do Atlântico. Para o Capitão era um orgulho. O navio prosseguia sem a nebulosidade naquela hora ainda cedo da noite. Uma embarcação cargueira passou ao longe e deu seus parabéns em sinal de Morse. O Imediato respondeu com bons ventos. Na praça de máquinas de quatro andares os foguistas e engenheiros se encarregavam com o manuseio do gigante dos mares. O barulho era tremendo no interior profundo da embarcação a não se ouvir o que alguém falava. Os foguistas sacudiam volumes tremendos de carvão no interior dos motores parecendo almas angustiadas a serem levadas para o inferno onde os seres agoniados suplicavam pela salvação abismal. A tormenta era incrível por onde se ouvia as agonias e prantos. Homens enegrecidos pelo fumo saído das caldeiras pareciam espantalhos a vestir uma miserável e vergonhosa tanga. Esse era o destino cruel da embarcação.
E em uma amanhã ensolarada do mês de abril o navio tocou o cais do Rio de Janeiro para a glória  do seu comandante ao se despedir de todos os passageiros de primeira classe onde teceu magnífica amizade com todos eles. A buzina do navio ecoou sublime por todo aquele instante enquanto os passageiros desembarcavam com malas e cuias. Entre eles, estavam o doutor Nardelli e a sua deslumbrante esposa Nicette  tendo a companhia da governanta, senhorita Gilda Baldo. A manhã de sol ofuscava a visão de todos os passageiros. E o gentio a levar as malas dos mais ricos deixava atônita a senhora Nicette sem saber ao certo para onde ele fugiu intempestivamente. Mesmo assim, nada Nicette falou a respeito. Aquela era a sua primeira viagem para fora de sua terra, à Itália. A governanta Gilda parecia não entender ao contento do que estava a se passar. O interessante era o título dado a Gilda Baldo – Governanta – pois a bela moça não entendia muito bem do caso de ser ou não ser tanto assim.
Na sala de documentação do Porto, o médico  Nardelli se despediu do capitão do navio, de  um oficial e demais viajantes e tentou encontrar um seu velho amigo já a morar no Rio de Janeiro, local ainda totalmente desconhecido para os viajantes de primeira visita. O doutor Enzo Capraro, distinto oftalmologista já a estar há alguns anos a residir na Capital da República. Após longo trajeto, o doutor Nardelli logo avistou a figura gorda e sorridente de Capraro. Foi uma alegria geral dos dois amigos. Capraro nem precisou ser apresentado à dona Nicette, pois já conhecia desde o tempo em que a senhora era uma menina a viver as travessuras na residência dos Nardelli.
Capraro:
--- Orgulho-me de poder olhar à senhora. Uma menina travessa há anos. O tempo passa, Agora é uma senhora. – sorriu bastante.
Nicette:
--- Obrigada. Obrigada. – sorriu a mulher.
Capraro:
--- E como foi à viagem para todos vós? – indagou se dirigindo ao médico.
Nardelli:
--- Ótima. Ótima. Apenas uma chuva passageira. A senhora Nicette teve náuseas por conta da viagem. Mas, tudo passou em perfeita ordem. – declarou a sorrir.
Capraro:
--- Eu imagino. Conversas e mais conversas. E o pessoal? – indagou.
Nardelli:
--- Tinha de tudo. De judeus a nazistas. – sorriu o moço.
Capraro:
--- Imagino muito bem. Os nazistas ainda estão por baixo. Fala-se muito no “bigodinho”. Hitler. Mas, apenas se ouve falar. – declarou sem importância.
Nardelli:
--- A Itália é um pandemônio. O povo só pensa em Benito. Fala-se pra lá. Fala-se pra cá. Eu sei que os adversários estão em desvantagem. O povo quer o fascismo como Governo dos países europeus. – reclamou.