sábado, 29 de março de 2014

A IDADE DA RAZÃO - SEIS -

- Marlee Matlin -
- 06 -
FEMINICIDIO
Era hora de festa. Dia de sábado. Cinco horas da tarde. Crianças e adultos. Todos brincavam na algazarra entre os muros do casarão. Alegria total da gente miúda. As lindas moças debatiam assuntos vários. Os homens, apenas relatavam a história do iminente golpe de estado daqueles tumultuosos dias. No mês de outubro esperava-se a posse do General Getúlio Vargas. Era o fim a Velha República. O Palácio do Catete era o centro do Governo. Com isso, os mais fortes discutiam a queda do Poder no Rio de Janeiro.  E nesse ponto, o rico poder da Itália já residindo no Brasil comentava os prováveis acertos com o Governo de Benito Mussolini líder do partido fascista. Por outro lado os rapazes estudantes gracejavam com as garotas sobre outros temas da atualidade.
Rapaz Um
--- A senhorita já conhece o Mágico de Oz? – perguntou com sorrisos.
Moça:
--- Não. Não. Custa-me ir ao cinema. Mas já ouvi falar. – sorriu.
Rapaz Dois:
--- Fala-se muito em “Canção do Amor”, de um italiano. Gennaro Righelli. – comentou outro.
Moça Dois:
--- Aqui apenas passa filme dos Estados Unidos. – reclamou.
Rapaz Três:
--- Também os franceses Abel Gance e René Clair. – destacou
Enquanto isso as senhoras de boa classe se enfeitavam tal qual dama do cinema europeu, com graciosa beleza com enfeites do novo partido nazista evocando vestidos longos e adornos sensuais em seu divino corpo. Era então a verdadeira comédia boêmia trazida ao poder pelo cinema de arte de antigamente.  Ainda era notada a submissão da mulher e o seu cuidado doméstico. Com a chegada da energia elétrica às casas dos nobres senhores nesse aspecto se criou a invenção da tecnologia. O caso facilitou sobremaneira da vida urbana da primeira dama. O ferro elétrico e fogão a gás foram o topo da elegância. A figura feminina pura, submissa, prendada e obediente é exaltada. A mulher passou a estudar principalmente  para cuidar  da chamada economia doméstica. É tanto que surgiram escolas para as mulheres de prendas.  As damas do lar tinham então o cuidado do dinheiro do seu marido. Colégios para crianças de ambos os sexos tomaram vertiginoso impulso. O foco das meninas era se formar para o casamento. E o cinema e o rádio empolgaram ainda mais esse desejo. Vivia-se assim a nascente indústria do lazer.
Enquanto as crianças brincavam das arteirices maiores, com o vibrar nos balanços de uma só pessoa e outros nos escorregos ou nos brinquedos de cai e fica os homens austeros trocavam assuntos dos mais diversos temas, o criador de gado zebu, Amaro Lazzarini, chegou a comentar um assunto por demais assustador: uma criança caiu do terceiro andar do seu apartamento para a morte instantânea.
Amaro:
--- Não restam dúvidas. Foi um caso clamoroso. Uma criança de três ou quatro anos pular do terceiro andar do edifico para a morte. Isso não é possível! – declarou atemorizado
Outro:
--- E os seus pais? – indagou outro.
Amaro:
--- Eles, com certeza, dormiam. Eles só sentiram  falta do filho quando acordaram, pela manhã. Então, aflito, o homem decepou a mulher! – respondeu em êxtase.
Outro 2:
--- Horrível! – relatou com assombro
Amaro:
--- Mais do que isso! – aumentou com cara rude.
Outro 3
--- Eu soube de um caso, lá pelo norte do país. Um homem já velho decepou a mulher, seus nove filhos e, em seguida pôs termo a vida! – fez ver o terceiro.
Enzo:
--- Eu soube de um caso muito interessante. Uma mulher, casada, mãe de família, um dia ela teve um sonho no qual caminhava pela mata. E na mata tinha um tronco de pau bem grosso e ela olhou bem para o pau e esse, com o tempo, foi secando e amolecendo por completo até chegar ao seu final. A mulher acordou assombrada e viu o falo do seu marido em suas mãos. Ela cortara o falo do marido com um canivete.! – relatou Enzo Caprare, oftalmologista.
Amaro:
--- Que coisa! Abominável! – declarou amedrontado.
Nardelli:
--- Houve casos mais alarmantes que esses! Houve casos de femicidio! O piloto de avião esquartejou a sua mulher e a enterrou no quintal de sua casa! Esse termo é o contrário de Homicídio! - destacou.
Amaro:
--- Nossa mãe de Deus! – gritou alarmado.
Nardelli:
--- Esses crimes eram frequentes na Idade Média na Europa. No Brasil também houve e há o massacre de mulheres. – detalhou.
Amaro:
--- Eu tenho empregado que não me olha de frente. Ele matou muita gente. Mas, agora, eu lhe ofereço um quarto com tudo que ele tem de direito. Inclusive o pagamento. Ele é um bom vaqueiro. Roupa, feira e coisa que ele precisa. Seu nome é Manoel Vaqueiro. Vive com uma mulher. Eu não me meto com as confusões de sua vida. – relatou
Nardelli:
--- Os casos de violências domésticas estão mais graves. Mulher sofrendo há vários anos das mãos do seu homem. As brigas mais horríveis. Teve caso de mulher apanhar durante dez anos do seu amante. – confabulou.
Amaro:
--- Isso é fato. E essa agressão vem desde a infância, quando a vítima é menina. Mas a mulher acha normal e diz que apanha porque gosta do seu homem. – gargalhou
Nardelli:
--- É verdade. Elas adoram levar chutes, empurrões e tapa na cara. Elas se dizem satisfeitas por que o seu homem provou sua amizade. – enfocou.
Homem:
--- Para as autoridades, isso é normal. Não se tem relatórios a respeito dessas agressões. Eu me lembro de casos de ricas famílias onde a mulher é quem mais apanha do marido. Há casos de pai se juntar com a filha e ninguém falar. – declarou com ênfase.
Nardelli:
--- Falta a conscientização para essas vítimas, pois se a vítima não se dá importância, ninguém vai querer dar também. É um abuso. E temos que levar por muitos anos ainda. – declarou.
Nicette Sandrini se acercou do grupo de homem e, batendo palmas, chamou a todos para cantar os desejosos parabéns em comemoração ao primeiro aniversario do menino Augusto Agostiniano. Todos formaram uma corda humana e cantaram as bem-aventuranças ao menor para lembrar seu primeiro ano de vida. Alegria efusiva para todos quantos estavam presentes naquela homenageada oportunidade. Beatrice Lazzarini piscou seus olhos para o doutor Nardelli como a lembrar de ser a próxima “vítima” a ser cuidada por ele logo na próxima semana. O homem deu meia volta e foi falar com seus velhos amigos para despistar a atenção. Nicette Sandrini se acercou de imediato a colocar em seus braços o seu filho amado. A noite corria e nada mais teria a ocorrer. Apenas o homem que vendia cuscuz passava a oferecer esse tipo de massa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário