sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O INFERNO - 48 -


- Victoria Guerra -

- 48 -

- NOVIDADES -

Em uma noite de estio a anciã Donana estava a cachimbar na calçada em frente à sua casa e olhar os passantes vindos e indos para qualquer lugar em meras novidades. Eram 9 e meia da noite e a ancião não pregava no seu sono. Por isso mesmo, ela estava sentada em sua cadeira de palha a olhar o pessoal, alguns namorados, outros apenas pondo conversa fora. Nesse momento chegava da rua a virgem Norma já bem exausta e afinal findou a cair em plena calçada como a dizer do lugar ainda morno do sol porém ela queria era se deitar a qualquer preço. Norma observou Donana e sorriu. A anciã buscou um travesseiro a servir de encosto para a velha cadeira e largou para a moça se deitar um pouco. Enquanto isso a anciã dava suas cachimbadas a lhe trazer um gosto de ervas dado ao fumo ser mesclado justamente com ervas. E o cheiro se tornara incomparável. Norma admirava o gosto daquele fumo. E a velha senhora indagou:
Donana:
--- Você acredita no Inferno? – indagou cachimbado com suave aroma.
Norma:
--- Eu? (assustada) – Claro que sim! Por que a pergunta? – revirou a cabeça em direção a anciã.
A anciã cachimbava aos contentos e não dava atenção à Norma de modo de olhar. E disse:
Donana:
--- O Prefeito está gritando de dor. Faz pena! Homem moço! Coitado! – relatou sem mexer a cabeça a fitar sempre para frente.
Norma:
--- Que Prefeito? O morto? – indagou mais assustada.
Donana:
--- Ele estava madornando e chegou o “infeliz” para busca-lo. – comentou sem se mexer.
Norma:
--- Como o infeliz? A senhora ouviu no rádio? – indagou com assombro.
Donana:
--- Eu ouço. Eu ouço. Faz pena. Também pra que foi mexer com quem está quieto! – indagou e afirmou sobre o paradeiro dos mortos.
Norma:
--- A senhora está querendo falar no Cemitério? – indagou com seu rosto amargado.
Donana:
--- Eu bem que avisei: não bula com quem está dormindo. Ele foi. O Cemitério é um lugar santo. Ninguém mexe com quem está dormindo ali. É a última morada para os que tem o que prestar. Eu digo sempre: quem está alí apenas só quer repouso. Uma rosa pode se levar. Acender velas. Tudo isso pode se fazer. Mas derrubar tudo para fazer uns sobrados? Isso, nunca! – prontificou.
Norma:
--- A senhora ouviu alguém falar sobre o assunto? – indagou com espanto.
Donana:
--- Minha filha. Você é bem nova para entender certas coisas. Mas o Inferno, ele existe. Tem cada coisa, que só vendo. As almas penadas. Gritos. Ranger de dentes. Tudo isso existe. O diabo existe. Satanás! Quando você faz promessa com Satanás, tenha cuidado. Não abra a sua boca para dizer tolices. – falou baixinho a fumegar o cachimbo.
Norma:
--- Isso é certo. O Inferno existe mesmo. Parece um vulcão queimando tudo o que encontra. – relatou temerosa.
Donana:
--- Existe? E por que faz promessa com o demônio? – perguntou sem olhar para a moça.
Norma:
--- Eu? Deus me livre! Nunca desejei mal a ninguém! – falou desconcertada
Donana:
--- Desejou, sim. E a moça vai perder o seu namorado. É a questão. – afirmou consciente.
Norma:
--- Quem? Quando? Onde? – indagou cismada com todo o que a anciã balbuciara.
Donana:
--- Hoje mesmo você desejou mal a moça. E Satanás ouviu. – disse sem olhar para a moça.
A cabeça de Norma rodou feito um pião procurando rever tudo o que fizera durante o dia, porém nada lembrou de verdade.
Norma:
--- Eu? Mas não me lembro de tal coisa. – fez ver a virgem.
Donana:
--- Na Igreja, filha. Na Igreja. Você não foi à Igreja? – perguntou a anciã.
Norma:
--- Claro de fui. Não fiz maldade com ninguém. Fiz? – indagou inconsciente.
Donana:
--- Quem estava com você? Não precisa nem responder. – disse a anciã.
Norma:
--- Muita gente. Quer dizer: algumas. Mas quem estava comigo? – perguntou aflita.
Donana:
--- O homem que você deseja. Ele estava ao seu lado. Duvidas? – perguntou sacudindo a borra do fumo no encosto da cadeira.
E a virgem se prendeu toda de vez. Sócrates estava com ela, sim. Como a anciã adivinhou, isso a virgem não encontrou resposta. Uma coisa a moça pensou:
Norma:
--- “Infeliz” – pensou a moça completamente atormentada.
Donana:
--- Agradecida. Eu sou talvez infeliz. Mas você se cuide. Ele está para romper os laços com a namorada. E você terá sua vez. Não me deseje infelicidade. O capeta pode não ser tão infeliz assim. Tome tento. – falou a anciã a se levantar da cadeira.
A anciã entrou para o seu quarto de dormir e a moça ficou horrorizada com tudo o que ouviu. Norma quis chamar a anciã, porém se aquietou. Ela se lembrou de ter pensado tudo o que Donana falou. Mas não foi par mal. Apenas pensou.
À meia-noite daquele dia Norma dormia a sono solto. Ela sonhara com coisas do passado, se bem lembrava mesmo ao dormir. Um circo sem empanada estava prestes a sair do seu local, pois em cada cidade o circo passava 15 dias. Depois, tomava outro rumo. Mas nesse circo tinha apenas duas pessoas: um rapaz dos seus 30 anos e uma mulher já m plena evolução da idade. Os dois circenses procuravam ajeitar as lonas do circo e a moça esquadrinhava ver onde estavam essas lonas. Nesse momento, um homem se acercou da virgem. E então indagou:
Demônio:
--- Você está pronta? – indagava o demônio
Norma:
--- Pronta para que? – perguntou cismada
Demônio:
--- Para o nosso trato! – quis saber.
Norma:
--- Trato? Que trato? – perguntou muito estranha.
Demônio:
--- Da Igreja. Não se lembra mais? – sorriu o demônio.
Norma:
--- Ah. O senhor é o demônio? Não quero mais o trato. - respondeu com a cara abusada.
Demônio:
--- São 40 anos. Você fornica com quem você quiser. – falou contente.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O INFERNO - 47 -

- Simone Guttierrez -

- 47 -

ESQUECER

Canindé divagou e previu não ser Succubus o plural. Mas não teceu nova pergunta. Ele quis apenas saber o significado dessa forma de falar. Por algum breve tempo a jovem moça teceu comentário a esse assunto. Mesmo assim o rapaz não levou em conta e acabou por esquecer de vez. E desse instante em diante, a cabeça de Canindé voltou à carga e se lembrou da palavra quando novamente indagou. E obteve resposta.
Tâmara:
--- Querido. Eu vou te explicar. Súccubu vem do latim. É um mito de demônio com aparência feminina. Esse Succubus invade o sonho dos homens a fim de ter uma relação sexual com eles e lhes roubar a energia vital. Em lendas medievais, um súccubus que no plural é succubi é apenas a mulher a sedutora dos homens. Ou seja: uma rameira, dama da noite ou simplesmente “puta” para você entender melhor. – explicou a ninfa.
O rapaz ficou aturdido com a explanação de Tâmara se inquietando sobremaneira pois não supunha desse modo. Para Canindé seria uma coisa maior como um demônio propriamente dito e não um ser vulgar. E foi a desforra:
Canindé:
--- Então por que não se diz ser uma mulher da vida? – indagou com o rosto franzido.
A moça responde com vagar.
Tâmara:
--- Querido. Esse nome é um mito. Ele na verdade inexiste. Quando um homem de mais idade sonha com um “demônio” sugando o seu tormentoso ser, como sugando as suas energias, diz-se que ele está sob a influência de um ser diabólico. Isso era pregado sempre para os idosos padres no tempo da inquisição. O ancião olhava aquela bela e estonteante mulher capaz de lhe tragar todas as energias, então se culpava como sendo um ser demoníaco, ou seja, um súccubus.  – falou com lucidez.
Canindé:
--- Quer dizer que ela não existe? – quis saber.
Tâmara:
--- Em parte, não. Mas mulher existe. Veja bem. O homem vai ao prostibulo fica com a dama. Então ele está gozando o seu prazer. A dama pede uma gorjeta e ele dá. De outra vez, ele dá ainda mais. Com o tempo os dois perpetuam uma amizade. Veja bem o sentido do caso: a questão é não ser uma rameira. E sim uma mulher divorciada ou até mesmo casada. O homem vai de encontro aquela mulher. E há a sedução. A mulher – bem casada – gosta do amante. E daí se forma o conúbio.  Então? Foi mais fácil de entender? – sorriu.
Canindé:
--- Ora porras!!! Isso pode acontecer até agora? Mulher casada? – perguntou em desespero.
Tâmara:
--- Isso acontece até comigo ou com você! – sorriu a dama.
Canindé:
--- Não! Comigo não! – descartou de imediato.
Tâmara:
--- E eu estou servindo de que para você? – perguntou sorrindo.
Canindé:
--- Bem! Mas a gente vai se casar! – foi claro.
Tâmara:
--- Vai? Você garante? E eu? – indagou consciente.
O rapaz se encurvou no assento do carro e ficou a meditar. Após um bom pedaço de tempo o rapaz se desvencilhou de suas algemas psicológicas e respondeu:
Canindé:
--- Eu pensava que você queria. – disse ele em voz cautelosa.
Tâmara:
--- Sim. Você pensou. Mas não me perguntou! – retrucou.
Canindé:
--- Então? Você quer ser minha esposa? – quis saber de verdade.
Tâmara:
--- Ah. Agora você perguntou. E o que eu digo? Sim? – sorriu a mulher.
Canindé:
--- E eu sei! Espero que você diga “sim”. Do contrário “reiou” tudo. –disse o homem amuado.
Tâmara:
--- Pois bem. Eu vou pensar! – sorriu a mulher.
Canindé:
--- Ainda tem que pensar? – quis saber.
Tâmara:
--- É uma decisão de muitos erros ou acertos. Por isso, eu tenho que pensar! E se eu já sou casada com outro alguém? – quis saber a sorrir.
Canindé:
--- Não! Você não faria isso comigo ou com o outro! -  respondeu impaciente. 
E Tâmara gargalhou de veras.
Quanto chegaram a casa de Canindé eles saltaram e foram direto para a sala de visita onde estava o pai do rapaz a ouvir o noticiário do rádio, como sempre fazia. Naquela noite ele esteve em falta com a Casa Espírita onde estava habituado a frequentar nas noites de sessão. Racilva, a sua irmã, também não fora por causas das vertiginosas regras onde a moça sentia dores terríveis e então ficava em seu quarto de dormir. A mãe de Canindé apareceu à porta e cumprimento a dama por ser aquela a primeira visita. Tâmara aceitou os cumprimentos e ali ficou com o seu namorado. Eles conversaram sobre tudo ou sobre nada com o ancião Cosme a admirar a estonteante formosura da estonteante Tâmara. Porém, Cosme nada falou, pois a sua mulher estava presente e se houvesse algum atrito, certamente a vassoura partia em sua cabeça com já foi quebrada por demais vezes. E Canindé, formalmente passou as alianças do dedo de Tâmara ao falar ser daquele instante comprometido com a ninfa, uma dama maravilhosamente esplêndida. O pai de Canindé ajudou a pôr o anel ne dedo da ninfa pois em toda sua vida jamais tivera a oportunidade de observar tão esplendorosa nubente. E a conversa demorou por largas horas da noite. Após esse tempo já era a hora de sair. E a moça com Canindé partiram para as sóbrias ruas de sua cidade.
oOo
À meia noite Aloísio tomou atitude. Não podia mais aguentar a sua vida com temor constante. O súccubu era o demônio. Ele então já estava a conhecer. E não podia dizer coisa alguma à sua esposa. A mulher dormia a sono solto. Aloísio ficou bem mais preocupado. E apenas tinha um jeito. O padre esteve em sua residência e ainda ficou de retornar. Mas esse caso não tinha solução alguma. E Aloísio lembrava-se da mulher. Era súccubu, certamente. Ele já não podia mais suportar tanta angustia. Em um passo decisivo, o rapaz tomou a decisão.
Aloísio:
--- E agora ou nunca! – pensou o rapaz.
Tao de repente como uma serpente ele pendurou um laço feito com uma corda e colocou em seu pescoço. Foi apenas uma vez. A cair, ele apenas estrebuchou e nada mais. Não teve tempo nem mesmo de gritar. Suas mãos se encresparam com a ação de procurar desatar a corda. Mas o tempo era diminuto. Em alguns segundos o homem estava morto. De manhã, quando acordou, a mulher viu a macabra cena e terrivelmente alarmou com os seus fixos no cadáver de seu marido. As mãos da mulher estavam tal como embranquecidas e ela apenas gritava.
Mulher:
--- Socorro! Acudam-me! Aloísio! – disse isso em um forte grito a redundar todo o espaço
Em poucos minutos o quarto de Aloísio estava cheio de gente da casa. Cada um que gritasse mais e mesmo assim, o homem jazia sem vida. Com um brusco empenho, o cunhado afrouxou a corda do suicida e esse caiu ao solo. Nada mais restava fazer.
Cunhado:
--- Morto! – relatava o cunhado com olhar em espanto
Foi uma manhã inglória. Era uma tristeza geral entre os familiares. A mãe de Aloísio era a mais sentida a falar de uns demônios a atormentar seu filho ao longo do tempo. Se não fossem os tais demônios ele estaria vivo, pois sempre foi um bom rapaz. Desde menino Aloísio conversava em casa sobre demônios, era o que alegava a sua mãe.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O INFERNO - 46 -

- Sofia Alves -

- 46 -

A PAZ

O toque de recolher a imperar na cidade se acabou tão logo foi desarticulada a célula de extrema esquerda com a prisão e condenação dos três líderes – Rocha, Antônio e Pedro, uma vez que os outros dois morreram em combate ou por suicídio – e a prisão de diversos componentes das guerrilhas combatentes bem como a fuga da maior parte dos membros para o exilio em Países da África. A construção dos edifícios estava quase pronta e ninguém falava mais em cemitério onde se erguera as novas residências de apartamentos. Parecia ter sido tudo um sonho e nada mais. O Prefeito da Cidade já estava se preparando para novas rodadas eleitorais e procurava não falar em tragédias ou casos fortuitos. Apenas restava os estragos de alguns cadáveres não ainda definidos com regularidade. Mesmo, para o Prefeito isso era coisa do passado e nunca mais falara em tal assunto. Uma vez, porém, o Prefeito foi assomado por um susto cruel. Ele estava a dormir em quarto de apartamento quando sofreu uma aparição de um espectro. Parecia-lhe um sonho. Mas o espectro tomou-lhe o braço e disse-lhe.
Espectro:
--- O Satanás está a sua espera!!! Ele quer os ossos dos que já não vivem com você!!! - declarou
A ouvir com espanto o que lhe disse a aparição, o Prefeito saltou da cama e quando viu, estava posto no chão a procura dos seus óculos colocado na mesa ao lado. O Prefeito quedava tonto como um cão raivoso. Pensava o homem ter ouvido uma voz de terror e procurou se levantar do frio chão a tremer de pavor. Em um instante o edil quis gritar e não conseguiu. A sua garganta estava seca de todo. E por sinal ninguém teria o sentido de chegar tão depressa aonde ele estava àquela hora tardia da madrugada. Mas alguma coisa haveria de ser feita. O espectro falou com uma força estranha capaz de aterrorizar as mais tenebrosas visagens do milenar inferno. Enfim era o mais tenebroso pavor de angustioso pânico. Mesmo assim, com temor, o edil chamou alguém de qualquer modo:
Prefeito:
--- Socorro! Acudam-me! Tem um monstro dentro do meu quarto! – tentou gritar.
Se foi um grito, não deu para se ouvir. Algo tapava a boca do Prefeito e o mesmo nada podia falar abertamente. Um grunhido fez a voz do homem. De imediato, o Prefeito se soergueu, apenas de cueca, levantou a sunga e fugiu de porta a fora. Vinte andares para baixo. Mesmo assim, o Prefeito de nada se importou e pulou pela janela vindo a cair no solo frio e úmido pela pouca chuva abatida. Foi um baque surdo e abafado. Em um instante o homem estava morto.
Morador:
--- Que foi isso? – perguntou bastante assustada uma moradora do edifício.
Outro:
--- Gato, certamente! – cochilou o homem a querer continuando a dormir.
As moscas zuniam no fétido cadáver no amanhecer do dia. Um carro moderno passou em brutal velocidade com seus equipamentos sonoros ligado a tocar uma melodia como se estivesse se despedindo de alguém para todo o sempre. Foi uma tempestiva sonoridade do veículo cujo cadáver do Prefeito, para ele não suportava nem um pouco. Verdadeiramente era um som de louco enveredando pela eternidade. O carro zunia voraz ao transitar pela rua onde era instalado o edifício de morada do senhor Prefeito.  O rapaz que cuidava da entrada e saída dos veículos veio olhar de perto aquele corpo caído no chão. Ele não identificou de imediato, pois o cadáver estava emborcado e de pernas e braços retorcidos, parecendo um boneco de pano. Um frio sacudiu o corpo do rapaz. O cadáver era de algum morador do prédio. Ele sentiu vontade de vomitar diante da macabra situação do corpo. Muito embora quisesse gritar, o rapaz não tinha forças para tal. O jardineiro se aproximou pelo outro lado do prédio. Com bastante cuidado, o jardineiro interrogou com uma cara patética:
Jardineiro
--- O Prefeito? – perguntou com uma cara de quem nunca viu um assombro.
Rapaz:
--- Não sei! Prefeito? É ele? – indagou sem querer saber ao certo.
Ao final da tarde o corpo do ex-prefeito foi liberado pelo Instituto Médico. O pessoal da visita esperava com bastante cisma a oportunidade de olhar pela derradeira vez o cadáver daquele homem o qual fora um dia um magnânimo cidadão para os que estavam presentes. As idosas mortais, todas cobertas de luto, estavam com suas vozes de quem, um dia, teciam o perene e contido choro de lamentação. Elas ficavam atrás da urna mortuária no salão nobre da Prefeitura enquanto a fila de gente começava a subir os degraus do salão, uns com a cara de quem chora muito. Outros, apenas curiosos. Era entrada por um lado e saída pelo outro. E o tal velório demorou até as 10 horas da manhã do dia seguinte quando o corpo saiu para o crematório da cidade. Houve muita gente. Alguns, ao desespero. Gente ao desmaio. O sol causticante não dava trégua. Carros demais. Um tormento enfim. Toda a cidade parou. Foi um dia de ponto facultativo com as pessoas vindas do interior para resolver os seus problemas e voltavam no mesmo trem com os problemas não resolvidos.
Alguém:
--- É feriado nessa merda! Bosta! – reclamava exaltada uma mulher.
Outro:
--- Foi o Prefeito! Ele se suicidou! – relatava um outro.
Alguém:
--- Eu! Que importa! Agora só volto daqui há um mês, e pronto!!! - relatava zangada
A caminhada foi intensa com a guarnição de motos da Polícia Militar abrindo o Cortejo, com suas sirenas ligadas com um buzinasso terrível de enlouquecer qualquer um. A seguir vinha um carro totalmente branco com o esquife do morto seguido de dezenas de carros a percorrer as ruas da capital onde o ex-prefeito foi o governante por alguns meses ou anos. Uma tristeza imensa nos acompanhantes do féretro, cada qual aventurando hipóteses para ter o homem se suicidado tão de repente.
Alguém:
--- Ele estava devendo muito? – indagou em silencio uma matrona.
Outra:
--- Bebendo. Ele bebia, mas não muito. – respondia a outra.
Matrona:
--- Devendo. Dívidas. Foi o que perguntei! – respondeu abusada
A outra:
--- Ah. Pensei na bebida. Se ele estava com dívidas, eu não sei. Todas as dívidas são do Governo. – respondeu sem entusiasmo.
Um bêbado, em uma calçada comentava:
Bêbado.
--- Tai! Ele se foi e eu fiquei. – falou o bêbado aos tombos.
Foi tudo muito triste e ninguém lembrou do Cemitério do Alecrim onde Chefes de Estado foram, um dia, alí sepultados. Naquele instante apenas os operários se ocupavam em acabar com a construção dos edifícios e nem escutaram as sirenes dos veículos a transitar ao largo do antigo campo santo. Era o fim de mais uma jornada.
oOo
Naquela mesma noite Canindé estava na residência de sua amada Tâmara a conversar sobre assuntos vários. Ele já estava acostumado de ir a residência da ninfa desde o tempo em que seu pai procurou a Polícia para investigar o seu paradeiro, pois há três dias o rapaz não dava mais notícias. Sua mãe era a mais aflita tecendo alarmes de que Canindé podia estar morto aquela tardia hora. O velho pai foi busca a polícia e entregou a documentação necessária a um investigado policial a fim de procurar informações a respeito do paradeiro do rapaz. A questão foi rápida, pois Canindé estava em sua casa quando o velho pai chegou. Esse caso deu sorrisos imensos a Canindé, pois ninguém podia adivinhar que ele estava com a sua amante. E assim terminou a querela. Por determinados tempos Canindé comentava o episódio. E tudo terminou em nada.
Naquela noite, o rapaz combinou com Tâmara em poder leva-la até sua casa para apresentar, de verdade, a sua futura noiva a seus pais. Esse era o combinado. E durante o percorrer, em um veículo dirigido pela própria ninfa, o rapaz resolveu calar. Isso porque a vaga lembrança de Succubus atormentava o seu instinto. Canindé ainda não compreendera de fato ainda a história Succubus. Essa pendência ele então teceu a indagar. E foi assim:
Canindé;
--- Amor! Diga-me com precisão o que são os Succubus? – perguntou cismado.
A moça não se conteve com a indagação e não fez outra a não ser gargalhar. Mas gargalhar mesmo sem nada mais a contar. A cada momento que ninfa olhava para o namorado, não se continha e era gargalhada para todo sempre. Foi então, passado o instante que a ninfa declarou ao rapaz tão estonteado.
Tâmara:
--- Meu simpático Shane. Succubus é apenas uma mulher da vida! Uma puta! Sabe agora? – indagou a olhar de modo sério o rapaz.


terça-feira, 28 de outubro de 2014

O INFERNO - 45 -

- Sônia Brazão -

- 45 -

TERROR

Dessa vez o ancião estarreceu. Esbugalhou os olhos e procurou enxergar da melhor maneira, porém a criança havia sumido. Ele, então, se levantou da cama onde dormia e, com todo o cuidado, procurou calçar os chinelos e, assim, saiu. O vultou desaparecera, quando Ernesto chegou a porta do quarto, mesmo assim, ele ouvia o chiado dos passos da menina a caminhar para a porta de saída de sua casa. Um frio sufocou o ancião a ponto do velho homem estremecer. Porém o homem não sentia receio. Ele estava acostumado de ouvir contar histórias de arrepiar e coisa e tal e mesmo assim o homem tomava como brincadeiras. Quem contava, jurava ser verdadeiras pois a pessoas não tinham vocação de mentir. História de uma menina de 10 anos a qual seguia por um deserto caminho em busca de algo parecido com um velho homem louco chegando a queimar os seus pés em brasas. Certa vez, a menina procurou falar com certo ser de tamanho descomunal e, ao chegar tão perto, o gigante a puxou para dentro de um lago de fogo do inclemente Inferno. Da menina nunca mais se teve notícia. O monstro a levou por toda a sua existência sepulcral. Eram dessas histórias que Ernesto sempre ouvia contar por pessoas temente do inominável terror. E por isso, ele não teve maior receio dos passos da criança pelo interior de seu casebre. Apenas, de fato, ele ficou preocupado com a visagem aparecida de um momento para outro quando ainda procurava conciliar o sono da madrugada.
A mulher de Ernesto que estava a dormir a sono solto, no entanto ressonou e buscou o marido onde esse costumava dormir na ponta da cama. Ela buscou sentir o seu corpo, mas não o encontrou. Maria Amélia sentiu apenas um monte de pano e, de repente acordou para ver o existente. Mas nada viu. Apenas os passos no corredor. Então, dona Amélia se assustou com aqueles passos e de imediato gritou alarmada:
Amélia:
--- Ernesto!!! Onde está você? – gritou a mulher em busca do seu marido.
Um chiado despertou ainda mais a mulher. De repente, um vulto saiu do quarto. Um vulto de horror. Algo tenebroso. Então a mulher se levantou da cama em busca do marido. Esse se encontrava na porta de entrada da casa, mas o vulto desaparecera por completo. Nesse momento, a filha do casal despertou e procurou de imediato saber o que estava a ocorrer.
Sonia:
--- Que houve? Ladrão? – perguntou a moça com olhos aboticados.
Amélia:
--- Não. Um chiado de alguém. Talvez algum ente! – respondeu preocupada.
Ernesto estava na porta de saída e nada contou de verdade. Ele apenas respondeu:
Ernesto:
--- Foi alguém naquela esquina. Um bêbado. – disse o homem descartando o acontecido.
Amélia:
--- Bêbado? E o chiado que eu ouvi aqui? – indagou com toda ira.
Sócrates, tão logo terminou a sessão da Casa Espírita, procurou a sua turma – Norma, Canindé e sua irmã Racilva – para tecer comentário sobre o caso do ancião Ernesto. Toda a sala ficou surpresa com o caso dito por dona Amélia, mulher de seu Ernesto, pois ninguém queria acreditar como em tão pouco tempo uma menina procurou o ancião para buscar os seus destroços – esqueletos – quando ela era em vida.
Norma:
--- Isso é inominável! Jesus Cristo!!! Uma menina? – indagou com clamor.
Sócrates:
--- Pois é. Pra você ver. Uma menina. Talvez não fosse apenas o ser. Mas estava alí, presente! – confirmou sem susto.
Canindé:
--- Eu penso comigo mesmo. Se for verdade, quem era a tal menina? E onde foi sepultada? – quis saber cheio de dúvidas.
Sócrates:
--- No Cemitério do Alecrim. O mesmo que agora estão construindo os melhores apartamentos da Cidade. – foi o que respondeu.
Norma:
--- Duvido! Mas, porque a menina procurou o velho? – indagou cheia de dúvidas.
Sócrates:
--- Eu não sei. Talvez porque ele era o coveiro. Muito simples. – declarou.
Norma:
--- Mas não tinham outros? Por que ele? – insistiu.
Canindé:
--- Ah! Agora deu! Talvez porque ele foi o último coveiro do Cemitério. – fez ver.
Racilva:
--- Mas o fato me faz pensar. Se o velho foi o último (coveiro), e os outros? – indagou com seu semblante cheio de dúvidas.
Sócrates:
--- Talvez seja por ele ser o último! – confirmou.
Racilva:
--- Embora seja assim. E quem era então essa menina? O velho não soube afirmar. Eram tantos corpos a enterrar que ele não teve dúvidas em declarar não saber! Tem até os deserdados corpos incinerados pelo Governo.
Sócrates:
--- É uma questão a ser cuidadosamente estudada. Houve aparição. É verdade. Mas, o morto pode ter vivido há um século. E um século é muito tempo para o velho escavacar. – salientou.
Racilva:
--- Eu procuro entender por que foi o velho? Apenas isso. - declarou.
Norma:
--- Somente o velho pode ter sido o homem que sepultou o cadáver. – dialogou sem temer.
Racilva:
--- Mas, há quanto tempo esse “anjo” foi sepultado? Eu procuro ver uma luz a tal respeito.
Canindé:
--- E de quem era o corpo? – perguntou por sua vez.
Sócrates:
--- Mesmo assim que seja um féretro bem antigo, apenas o velho pode saber. Ele trabalhou no Cemitério há vários anos. É difícil saber quem ele sepultou. A não ser os homens graduados.
Alguns dias após, o ancião Ernesto estava pastoreado a vaca de sua criação quando, de repente, um estalo ecoou em sua mente. Certa vez, no Cemitério, uma mulher procurou o moço, Ernesto, para sepultar a sua única filha. A menina, caso de 8 anos, tinha morrido na véspera em um hospital vitimada por uma crise tremenda de tuberculose. O moço não fez por menos. Com a Cidade era ainda bastante pequena, ele relatou a mulher lhe trazer a sua filha, pois ele a sepultaria com todo o empenho. Ernesto ainda era jovem, dos seus 25 anos de idade, e sepultou a garota em um túmulo qualquer onde havia mais dois cadáveres sepultados no mesmo local. E a mulher, depois de agradecer o empenho, fez questão em visitar a tumba por várias vezes seguidas, apenas levando um cacho de rosas a depositar na catacumba. O velho ainda notou por vários anos a presença da mulher no cemitério. Depois disso, a mulher sumiu. Nunca mais alguém visitou a tumba da criança. Com a saída dos restos mortais (esqueletos) de onde a menina foi sepultada, esses também foram arrastados para o lixo. Nem sequer foi cremado.
Nisso, o homem refletiu com maior precisão onde estariam postos os antigos esqueletos de pessoas mortas:
Ernesto:
--- No lixão da Prefeitura! Apenas ali se costuma pôr os esqueletos! – foi o que deduziu o valho com muita lembrança.


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O INFERNO - 44 -


- Alessandra Negrini -

- 44 -

PRISÃO

Os três líderes foram conduzidos para a capital onde se puseram trancafiados em celas de máxima segurança e devidamente separadas onde apenas guardas devidamente armadas eram postadas em diversos pontos com a maior segurança. Nesse primeiro dia não teve almoço para nenhum dos três. Uma sirene ecoou por diversas vezes no topo da prisão com alertando para ficarem sem dormir ou coisa assim. Os líderes ficavam enegrecidos de raiva quando a sirene da prisão ecoava. Em horas indeterminadas, uma rajada de metralhadora se ouvia e gritos de morte eram feitos como se estivesse em chacina um dos presos capturados. Houve batidas de latas como se fosse servida alguma comida porém nunca aparecia tal refeição. Já a noite, as altas horas um detendo totalmente encapuzado passou escoltado com três guardas e não mais voltou para a sua cela. Ouviu-se um ruído e a metralhadora a fazer alarde com seguidos gritos de horror. E logo depois, o silêncio. Às duas horas da madrugada um oficial chegou em uma das celas e acordou o recluso para ser interrogado. O detento estava morto de sono, mas, mesmo assim, teve de ser acordado e levado para uma sala fechada onde havia apenas uma luz acesa e um oficial ladeado por dois seguranças. O oficial ficou calado em sua cadeira tendo à frente um birô e nada mais. O detento ouviu a porta por onde ele entrou se fechar com uma bruta violência e em seguida, o silencio. Um silêncio de mudas horas onde o oficial de levantava da sua cadeira, volteava a sala minúscula dos presos e depois voltava tomando assento em sua cadeira. Foram seguidas três horas assim. E nada de questão, nada de perguntas. Havia apenas o metralhar da arma bem acima da sala do detento.
Horas passadas. Não havia janelas. Nem se sabia do tempo. O Oficial mandou buscar a Guarda e levar o prisioneiro para a sua respectiva cela. Com a cabeça encapuzada, corrente nos pés para não correr, mãos algemadas às costas, o preso seguia. Não se notava se ele chorava ou não. O seu coração batia com brutal violência e nenhum dos guardas da Força Nacional de Segurança fazia qualquer questão. Empurrava-o pelas costas ao chegar em sua cela a retirar o capuz de sua cara. Nesse instante, o preso expunha os seus pés e suas mãos para liberar, mas segurança nada falava e trancafiava o preso da cela escura e mal cheirosa. Havia ali uma latrina muito baixa, ao res do chão e um chuveiro para se tomar banho. Mas o chuveiro sempre estava seco. A água não havia. Uma cama de ferro e um colchão com fibras de algodão. A porta fechada não dava para ver o dia ou a noite. Era tudo clareado pela luz da lâmpada elétrica do lado de fora. A comida, se tivesse, era colocada em uma bandeja de lata e encaminhada por baixo da porta. Nesse primeiro dia não houve refeição.
Os guerrilheiros que agiam em Natal fizeram uma debandada total ao tomar conhecimento da detenção dos cinco líderes. Dos cinco, dois foram mortos ou se suicidaram. Com intenção de fazer valer a sua saga, os guerrilheiros ainda tentaram uma revestida. Mesmo assim, a fuga foi total. Alguns dos guerrilheiros foram presos pela Força Nacional de Segurança. Esses detidos estavam fazendo um artefato explosivo em uma casa no centro da Cidade, quando o efetivou entrou e surpreendeu a todos. Um dos manifestantes tentou ainda a fuga. Mesmo assim foi contido. No total, foram cinco os detidos. A Força de Segurança no mesmo instante foi em busca de outros esconderijos dos guerrilheiros chegando a deter cerca de vinte homens e mulheres. Essas, arrumavam os objetos da guerrilha quando foram presas. Era um tumulto geral com a entrada da Força a pegar de surpresa o pouco número de gente da guerrilha. Os demais fugiram, conseguindo escapar pela praia em lanchas roubadas nos portos do Iate Clube. E outros da guerrilha se esconderam em cantos remotos para seguir a fuga horas tranquilas da noite. Foi um tumulto horrendo o havido nessas horas de desassossegos na capital. E o pior é que ninguém sabia dizer ao certo o que estava a ocorrer. Gente várias comentavam a presença da Força sem nem saber o porquê. Algumas pessoas declaravam se os soldados do Cemitério:
Um:
--- Que diabos eles estão fazendo aqui? – perguntava um.
Dois:
--- Sei lá! Eles estão guardando os mortos, - respondia outro.
Três:
--- E não são recrutas novos? – perguntava um terceiro.
Dois:
--- Deve ser. Não sei. – declara o segundo.
Era assim que caminhava a chama. Um burburinho dos desocupados da vida. Enquanto isso, os caminhões basculantes carregavam as últimas tumbas do cemitério do Alecrim. Era a vez de limpar tudo o que sobrou da invernada. Ali, apenas restavam os muros do lado da frente – aos pedaços – e a parte lateral subindo do Baldo. Enfim, a muralha foi abaixo. O tombo total chegara ao seu último suspiro. E acabara-se assim a farra dos senhores do Império.  
Com o passar dos dias pouco se dava atenção aquele que fora o ajuntamento dos mortos. Quem passava pelo local nem mais prestava a atenção. Apenas reclamava contra a sujeira despejada pelos gigantes carros com o barro retirado do recinto. O vendedor de picolé continuava a sua faina diária o mesmo ocorrendo com o vendedor de tapioca e água de côco. O pessoal de um porto de gasolina já voltara ao seu oficio sem nada mais a reclamar. O colégio existente naquela rua retomara ao ensino dos alunos e as casas de vendas de móveis eram de vez tranquilas.
Vendedor:
--- Comprar moveis senhora? Temos as últimas novidades do mercado! – dizia o vendedor a esfregar as suas benditas mãos.
No terreno do Cemitério do Alecrim, pronto já alguns dias, começam os trabalhos para se erguer quatro gigantes edifícios tomando a visão de amplo quarteirão. Já nem se pensava mais ter sido naquele local um parque santo. Apenas funcionava um escritório onde cada um seguia o seu ritmo normal de atendimento ao pessoal, todo em busca de fazer o seu registo para ocupar um quinhão na melhor residência da cidade. Os donos dos antigos túmulos receberam os vasos de alabastros com as cinzas de seus queridos mortos a guardar em algum recinto do velho lar, caso desconhecido até por aquele que, um dia, habitou residências mais modestas que aquela.
Mas, um dia, o antigo coveiro relatou um fato mais ou menos bárbaro. Disse ele que na noite passada estava em sua casa quando alguém bateu à porta. Ele se levantou da cadeira e foi ver quem estava chamando. Mas não havia ninguém fora de casa. Ele pensou em brincadeira de meninos. E se voltou a sentar na mesma cadeira. Ao se sentar na sua cadeira notou que ali havia alguém posto o bilhete com alguns dizeres. O coveiro – Ernesto – antes de se soerguer da cadeira resolveu verificar o que tinha escrito no papel. E no impresso tinha o bilhete. “Eu quero meus ossos”. Apenas isso e nada mais. Ernesto se assustou com a missiva.
Ernesto:
--- Votes! Quem largou isso aqui? – perguntou temeroso.
O senhor Ernesto, homem de seus setenta anos, nunca discutiu por existência de alma e gente morta. E não era desta vez que ele seria amedrontado. E levou isso como brincadeira até dizendo à sua família o que alguém sacudira para a cadeira que ele havia sentado.
Mulher:
--- Ossos? – perguntou a sua mulher um tanto temerosa.
Filha:
--- Ossos? De que? De vaca? – perguntou a filha de Ernesto que vinha chegado à sala.
Ernesto:
--- Não. Não. Foi um bilhete que alguém sacudiu lá de fora. A pessoa reclama pelas suas ossadas. – sorriu o ancião
Filha:
--- Ave Maria! Será ossos de alguém? Algum defunto? – perguntou preocupada
Mulher:
--- Eu disse pra você não se meter com os mortos! – falou a mulher um tanto preocupada.
Ernesto:
--- Ora. Besteira. Foi brincadeira de criança! – disse o velho não mais preocupado.
Mulher:
--- Brincadeira? Estou cansada de ver essas coisas! E nem duvide! –falou brava
Ernesto:
--- É porque você é do Centro – falou o homem sem dar importância
O Cetro era na verdade o Centro Espirita onde almas apareciam para reclamar as suas os seus anseios. E por isso a mulher, dona Maria Amélia disse tal procedimento. Na verdade, Ernesto não acreditava em tais coisas. Ele, desde moço, trabalhou no Município de Natal e nada notou de desgraça entre os mortos ou vivos. Fantasmas, casas assombradas, espíritos. Nada além de ilusão dos vivos. E nem de vultos nem imagens saídas de crianças. Tudo, pura ilusão.  Porém, mais tarde da noite, quando todos dormiam, Ernesto viu um vulto de uma criança dos seus sete anos a desejar falar com o ancião. E falou:
Criança:
--- Eu vim buscar os meus ossos! – alertou com ênfase a tal criança.



O ancião, de sobressalto, se levantou e procurou divisar o vulto da criança, pois não havia em sua casa criança tão miúda como a tal. Ele se desculpou o pôs a culpa no sonho. Mas a criança apareceu novamente e fez igual pedido:
Criança:
--- Eu quero os meus ossinhos! – dito isso a criança sumiu.  



sábado, 25 de outubro de 2014

O INFERNO - 43 -


Julia Belard

- 43 -

SEGURANÇA

O caso do Cemitério do Alecrim, em Natal, tornou caso de segurança máxima na manhã da mesma segunda-feira. Um avião Hércules da FAB com equipes da Força Nacional de Segurança chegou em plena madrugada com reforços policiais do Exército para mantar o esquema traçado para garantir a ordem em toda a capital. A tropa formada por mais de 30 homens chegou na surdina, sem dar aviso ou nada e desembarcou na parte oeste do Aeroporto de Parnamirim. Em seguida, a tropa tomou rumo ignorado para seguir com a vigilância e manter a garantia total na cidade. A equipe chegou para combater a onda de ataques onde os guerrilheiros tomaram conta com os seus artefatos explosivos, entre outros, bombas de ataques do tipo Molotov. Os atentados começaram na sexta-feira e prosseguiam com os revoltosos agindo de maneira imprevisível, atirando e fugindo em uma única vez. O último atentado se deu na manhã da segunda-feira contra a Prefeitura de Natal. A Inteligência montou um esquema para verificar se as ordens vieram de fora de Natal, pois já era sabido da ocorrência extremistas fora da Capital, temendo-se os ataques em outras cidades do nordeste, como Recife.
O Rio Grande do Norte estava ciente dos ataques de surpresa montados pelos guerrilheiros e teve o cuidado de se resguarda nas outras cidades do interior. Uma reunião de cúpula foi mantida pelo Alto Comando com as autoridades estaduais e do próprio município de Natal. No seu final foi mantida a ordem de se organizar com o efetivo da Força Nacional de Segurança sem contudo se revelar detalhes. Os ataques dos guerrilheiros tomaram vulto impressionante com a detonação de guerra urbana com incêndios a veículos do Estado, Forças Armadas e Município de forma desorganizada, como era o costume do grupo de estrema esquerda. Agia-se de forma desorganizada. Prédios, viaturas e bases foram danificadas pelos terroristas. Segundo a corporação, foram presos quase 100 participantes da organização extremista e, pelo menos, 20 foram mortos, segundo dados oficiais. Todos esses elementos tiveram envolvimento com o grupo extremista. A notícia foi vazada para a cidade e Sócrates teve o cuidado de receber os informes de forma cuidadosa. 
Em apenas três dias de tumultos a onda de ataques criminosos já denunciava 80 atentados conforme apurou uma organização de direita em combinação com a Prefeitura de Natal. Por conta dos ataques foram suspensas as aulas nos Colégios do Estado e Município. A Universidade Federal tomaria igual decisão após haver reunião do colegiado. As repartições públicas do Estado e Município tiveram expediente suspensos. A agitação era de horror na capital podendo se seguir em cidades próximas à Natal. As férias e folgas de todos os policiais foram suspensas, em tentativa de garantir o sossego público. Os transportes coletivos deixaram de circular durante à noite e na parte do dia era exigida a escolta policial.  Para o interior do Estado foi definido o envio de 400 homens para o patrulhamento de pessoas envolvidas com os ataques na capital. Em outra ação, vinte ônibus foram destacados para os municípios mais distantes da capital. O sistema de segurança teve início a partir das seis horas dessa segunda-feira. Parte do efetivo ficará de prontidão na região Metropolitana da Capital. Natal e a região metropolitana concentrarão o maior reforço no policiamento. A Polícia Rodoviária Federal deflagrou a atenção redobrada para reforçar o esquema nas rodovias do interior.
O grupo de esquerda Movimento Revolucionário Popular, de forma imediata, entrou em ação anunciando a decapitação de Militares como represália pelos avanços das tropas de Segurança Nacional. O guerrilheiro, já de posse de um militar fardado, em um campo de execução não revelado pela imagem feita, onde aparece o militar ao lado do seu executor, fala com ênfase:
Guerrilheiro:
--- Salvem os Mortos! – gritou o guerrilheiro.
Em seguida decapitou o militar. Foi tombo e queda. O homem foi executado em plena mata onde estava. O executor estava com a cara coberta por um capuz negro e vestia um traje todo negro. A vítima trajava uniforme do Exército e nada falou. O carrasco tem um sotaque sulista e teve o cuidado de modificar a sua voz no gravador. A foto foi distribuída com os jornais do país, mesmo sabendo não poder sido divulgada. Centenas de fotos do igual massacre foram distribuídas pelas ruas da cidade com os dizeres do Movimento Revolucionário Popular.
Popular:
--- Que horror!!! Não quero nem olhar! – falou uma mulher.
Outro:
--- Até os mortos falam! – repetiu um homem.
Terceiro;
--- Imagine a dor que o militar sentiu! – ressalvou um terceiro.
O Governo brasileiro se manteve em silencio diante do estarrecedor fato: a decapitação de um Militar, não confirmado a veracidade do extremo derrame de sangue em algum local do território nacional. Um diplomata falou apenas o sucinto: “Continuaremos usando todas as ferramentas a nosso alcance”. Foi o que disse o diplomata sem confirmar o desmentir a atitude do sanguinário guerrilheiro. Nem mesmo falou algo sobre o Cemitério do Alecrim, em Natal. O grupo radical publicou de forma indireta uma fita onde afirma ser a suposta decapitação do Militar de modo autêntico e confirmar serem outros militares igualmente decapitados muito em breve. E apresenta um novo refém – de costas e fardado – para ser a próxima vítima em um cenário similar.
A atitude do guerrilheiro assumiu proporções inéditas. O Militarismo brasileiro se negou em inventar uma fictícia história pois não contava em seus documentos nenhum militar com o aspecto do provável morto. Alguém falou sem se identificar que aquilo era uma “armação” da guerrilha por causa da falta da identificação da suposta vítima. O silencio camuflou esse tal trucidamento do provável militar. No decorrer do dia a fala de um militar no programa “A Voz do Brasil” quebrou o silencio. No seu falar, o major declarou não haver nenhuma vítima do suposto desaparecido e, portanto, a ação de combate aos guerrilheiros continuava com afinco.
Um petardo explodiu na porta de uma agência bancária do Governo Federal por volta das 21 horas. Um grupo de guerrilheiros arremessou o coquetel Molotov contra a porta da agência e em seguida desapareceu seguindo caminho ignorado. O fogo se alastrou pelo prédio e um grupo formado por militares procurou, de imediato, sufocar o incêndio. Esse foi o segundo atentado do dia, afora a informação da decapitação de um militar o qual não obteve confirmação oficial. O Corpo de Bombeiro foi, de imediato, chamado para conter o fogo. Após algumas horas tudo voltou à calma. A tropa Nacional de Segurança foi acionada de imediato ocupando os edifícios onde havia instalação de Bancos oficiais do Governo do País e do Estado. Torpedos Molotov foram utilizados pela madrugada contra caminhões basculantes no Cemitério do Alecrim como prova a existência do poder armado dos incautos guerrilheiros.
Na manhã da terça feira um jornal matutino recebeu ordens em divulgar os acertos do Governo contra os supostos beligerantes. Enquanto isso, aviões e helicópteros patrulhavam o espaço do conflito em meio ao cerco dos militares a todos os equipamentos de trabalho a transitar dia e noite conduzindo a carga de ossos devidamente retirados do real campo santo. Um pastor se insurgiu pela manhã da terça-feira e fez um pronunciamento em frente aos restantes de túmulos sem temer a posição dos militares:
Pastor:
--- Irmãos! Orem por seus mortos, pois eles ocuparam, um dia, o terreno que ora vocês estão pisando. Jesus nunca negociou a liberdade da humanidade com Satanás, visto que Satanás não possuía o domínio sobre os homens, sendo Satanás filho do pecado e pai da mentira. Satanás é filho do pecado, diferente dos homens que são servos do pecado.  – dizia o pastor
Um Oficial do Exército ordenou um sargento a retirar o pastor de onde ele estava, pois a seguir ele teria gente para protestar contra a saída do Cemitério do lugar. O sargento obedeceu a recomendação do Oficial e foi em frente para deslocar o pastor do local. Então, foi outra severa luta com o pastor determinado a ficar em seu trono argumentando ser aquele um campo dos mortos e não dos serviçais militares. Foi baque feio. Quando o pastor resolveu dizer serem os militares uns serviçais, a bordoada foi a pior da história. O sargento socou o pastor e colocou o homem para baixo do tumulo onde era feita a preleção.
Sargento:
--- Sai daí canalha!!! O senhor já viu militar ser serviçal? Levem esse ser!! – reclamou o sargento
Por volta das dez horas da manhã da quarta-feira, os cinco líderes chegaram à casa-grande onde eles se reuniam para discutir as ações da guerrilha, não tinham a mulher e a sua que tomavam conta do serviço normal de se cuidar do almoço. Três homens estavam no fim do cercado trabalhando exaustivo no plantio da cana de açúcar. Os cinco líderes com efeito não deram a maior importância ao ocorrido. Afinal, a mulher talvez tivesse saído para fazer a feira do meio da semana. Os homens, com suas roupas surradas, entraram na casa grande onde podiam se sentir à vontade. Houve uma conversa entre eles antes de entrar na sala ao lado. Foi nesse instante que a ação dominou sem defesa alguma. A tropa do Exército entrou com tudo na casa grande e tentou dominar os cinco elementos. Um deles buscou fugir pela porta de trás. Mas não teve êxito. O oficial postado logo atrás da porta deflagrou uma rajada de metralhadora. O homem veio ao solo, morto. Um segundo elemento tragou uma capsula e se envenenou em poucos segundos. Os três líderes restantes estavam rendidos. A tropa de cerca de trinta homens estava segura de si.
Oficial:
--- Acabou a bagunça! Todos vocês estão presos! – alertou com ênfase.
Na trilha, os três homens foram destinados ao Quartel General. O Comando tomou de assalto a casa grande horas antes dos líderes chegarem. Na rua da capital, ostensivamente, a tropa montou guarda solene para caçar os demais guerrilheiros.  O repórter da BBC de Londres tomou todas as anotações de praxe. Não tendo nada mais a fazer, ele deixou o Gabinete do Prefeito e saiu contente. Era mais uma jornada a terminar.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

O INFERNO - 42 -


- Lyndsy Fonseca -

- 42 -

- ENTREVISTA -

Ainda na manhã de segunda-feira chegou ao Gabinete do Prefeito um homenzarrão com papeis e um gravador alegando ser um locutor da Rádio BBC de Londres e estava presente por ter exposto matéria sobre uma guerra entre a Polícia e guerrilheiros pela posse do Cemitério do Município a começar na sexta-feira última. A secretaria do Prefeito se tremeu nas bases em ver aquele homem gigante procurar a Prefeitura em um tempo de conflagração ditada pelo Governo Federal com mais um toque de recolher em todo o Estado e, provavelmente, em todo o País. Austero, o homem, inflexível ficou de pé a olhar a secretaria a espera de uma resposta. E veio:
Secretária:
--- O senhor é de onde? – quis saber a secretaria a se tremer com a altura daquele monstro.
Repórter:
--- Sou repórter da BBC de Londres. A entrevista foi marcada com antecipação, por favor. – disse o enorme cavalheiro.
A moça, de estatura um pouco baixa, um metro e sessenta centímetros, continuou a tremer de tanta emoção ao ver um elegante ser adiante do seu birô. Diante do fervor, a moça fez questão em declarar.
Secretária:
--- Com sua licença. O Prefeito está deveras ocupado. Mas eu acho por bem saber se ele pode atender ao senhor. Licença! – sorriu sem quer fazendo mais um gesto no rosto.
E de imediato se levantou de sua cadeira e buscou a porta de entrada do Gabinete o Chefe do Executivo municipal. Ela bateu três pancadas suaves à porta e de imediato entrou. E após entrar de vez fechou a imensa porta. Sorriu e ficou a espera de poder falar. Nesse instante, um estrondo a macular o ambiente. Um coquetel Molotov foi arremessado de fora do palácio do senhor Prefeito e tocou ao chão espalhando chamas por tudo o que era canto. Duas moças, atendentes do Gabinete, se assustaram e caíram ao solo. Os militares de serviço na parte interna do prédio ouviram o estrondo e, de imediato, partiram para a revanche. Seguiu-se uma saraivada de balas de um lado e de outro. Um corpo caído no chão. O atirador de elite disparou tiro certeiro a atingir um dos três guerrilheiros. Sem tempo para nada fazer, o guerrilheiro caiu ao solo com o projétil a atingir a sua nuca. Os dois outros guerrilheiros de imediato escaparam a entrar pela rua próxima. Os policiais ainda perseguiram os guerrilheiros, porém não houve tempo para nada uma vez que a dupla entrou por uma sequência de ruas estreitas e se perderam no meio das pessoas, em sua maior parte, desatentas. Sem poder mais perseguir os guerrilheiros, os policiais deram meia-volta e retrocederam para os locais de origem.
Na sala do Prefeito, a preocupação. O homem estremeceu de susto e de imediato indagou com sua voz de cólera:
Prefeito:
--- Que foi isso? – indagou temeroso com o estrondar dos coquetéis Molotov.
A secretária, tensa de pavor, não teve palavras para dizer. O secretário de Imprensa foi quem articulou meias palavras:
Secretário:
--- Parece ter sido bomba! – disse o homem com bastante temor.
Prefeito:
--- Bomba? Aqui dentro? Que bomba? – indagou cheio de terror.
Um agente entrou de supetão todo sujo de fuligem e vidros de garrafas e declarou ao Chefe do Executivo municipal.
Agente:
--- Uma bomba, senhor prefeito! Estão atacando o Palácio! – declarou estonteado.
A secretaria do Prefeito caiu no chão em desmaio. Nesse momento, o Repórter da BBC teve que entrar na sala do senhor Prefeito se deparando com a cena da moça. Ela estava caída quase aos seus pés. O tumulto correu como um rastilho de pólvora. Na ante-sala tinham duas moças a se levantar depois de um terrível tombo em razão dos ataques terroristas. E na sala do Prefeito estava ocorrendo temeroso clima de horror. O Prefeito a enxugar o suor do rosto, deu de fé com o repórter da BBC e indagou temeroso:
Prefeito:
--- Quem é esse homem! – relatou com verdadeiro alarme.
O secretario de Impressa olhou e pediu ao repórter para sair do Gabinete. O repórter mostrou a sua identificação e então o Secretário foi logo dizendo ao Prefeito de alguém de projeção internacional:
Secretario:
--- Prefeito! Esse é o homem que eu falei para o senhor! Tem uma entrevista marcada para essa manhã! – disse tudo ao Chefe do Executivo.
Prefeito:
--- Repórter? – indagou com a cara feia.
Secretário:
--- Da BBC de Londres! – disse o Secretário fazendo gesto com a própria com a declarar ser de outro país.
Prefeito:
--- Londres? Fica perto daqui? – indagou ainda furioso com a notícia da bomba.
Secretario:
--- Não. Não. É Londres, Inglaterra. Sabe? O País muito rico! Londres! Londres! – disse o secretário procurando fazer o Prefeito entender aquilo que não conhecia.
Prefeito:
--- Ah. Entendo! Londres. Perto da China. Eu conheço muito acidade de Panmunjom. Um repórter dessas terras é outra coisa. Mande entrar. Entre. Entre. – e fez uma espécie de riso
Secretario:
--- Sim. Mais perto da França, Excelência. – respondeu o jornalista falando em cochicho.
Prefeito:
--- Ah! Certo. França, nos Estados Unidos. Um pouco distante, mas. ...- replicou
Entre tonturas e reviravoltas o Secretário saiu de perto do Prefeito atarantado de raiva, com uma compunção terrível de ouvir tantas asneiras juntas. E o jornalista convidado recebeu o Prefeito com um forte abraço. Era um gigante das estrelas, esse jornalista da BBC de Londres. Após um pouco de amenas conversas onde o Prefeito da cidade indagou algumas coisas simples, como essa:
Prefeito:
--- Meu forte abraço meu jovem sabulícolo. Como tem passado Vossa Mercedes? – deflagrou.
Repórter:
--- Estimo em vê-lo Excelência. – e lhe abraçou
E daí a conversa prosseguiu entre casos e coisas. Foi nesse ponto que o repórter, tão cuidadoso com era do seu feitio, indagou sobre o terreno cujo tema era a revolta dos menores, os mais pobres, desterrados afinal. E o Prefeito se fez sisudo por um momento. Após esse breve instante o edil falou um pouco bravo:
Prefeito:
--- O senhor já viu o que eles querem? Badernas! Apenas badernas! Jogam bombas em todas as casas! São uns salafrários! É isso! – bufou o edil.   
Repórter:
--- Mas o terreno a quem pertence? – indagou com modéstia.
Prefeito:
--- Heim? A mim! Por bem destacar! A Prefeitura! Se não fosse à Prefeitura, de quem seria? – indagou a arregalar os olhos.
Repórter:
--- Quando começam as obras de engenharia? – indagou sem se preocupar com a atitude do edil
Prefeito:
--- Logo. Muito breve. É só tirar os defuntos e a parte de engenharia tem início. – declarou sem emoção
Repórter:
--- E aonde são postos os restos, os ossos? – perguntou sem mais nem menos.


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O INFERNO - 41 -


- Marina Ruy Barbosa -

- 41 -

MANHÃ

Na segunda-feira, pela manhã, logo cedo, o Mercado Público da Cidade tinha um movimento de vendas bastante anormal. O mais requisitado era o Café de dona Nora onde as pessoas se serviam e conversavam a miúdo em termos quase sigilosos. Com o temor dos acontecimentos, mesmo o havido no domingo bem perto daquele local, os clientes do Café preferiam não falar abertamente, pois sempre existia alguém de outras plagas, por certo a ouvir tudo o que se falava e por quem, era evidente.  Dona Macrina, a mulher da tapioca chegara logo cedo com a sua banca onde havia bejus, pé-de-moleque, milho assado e cozido, pamonha – uma delícia – entre tantos outros comestíveis no qual havia igualmente a tapioca de côco ou sem côco, molhada e seca, como era costume da venda. Alguém passava e adquiria aquilo a lhe dar maior prazer e mesmo levar para a sua humilde casa onde punha na mesa para a alegria de todos. No restante do Mercado o movimento era fraco. Os talhadores de carne verde nada podiam fazer pela a ausência do produto. No domingo nenhum carro chegara para abastecer as bancas de carne. Havia apenas uns langanhos de carne seca. E muito pouca, além disso. Na pedra do peixe nada havia para vender ou comprar. Estava tudo de mal com as relíquias da refeição do dia.
Em outro caso, Zé Sapateiro foi um deles. Na segunda, ele chegou bem cedo a sua oficina. Após tomar o seu café na banca de dona Nora, Zé se voltou para o seu lugar de sempre onde alí batia sola e conversava igualmente com algum freguês sobre questões ocorridas nos recentes dias. O mesmo acontecia com “Barateiro”, um homem em um quiosque a vender de tudo um pouco, como mel de engenho entre algo mais complexo. E estava também o homem do leite – seu Sandoval – o qual nada havia recebido àquela hora da manhã ainda cedo. Quem procurava o leite fresco do dia, recebia apenas a negativa com o homem a tanger com a sua toalha as moscas malditas. Do lado de fora do Mercado, as mulheres vendedoras de artigos da roça ou mesmo de rosas dália. Essas mulheres tinham um pouco de tudo, pois cuidavam de suas flores nos seus próprios quintais.  Outros vendedores faziam negócio com suas simples mercadorias, como caju, mangaba, manga rosa e outras delícias para um refinar sofisticado. Aquele era um lugar de toda gente, afinal.
Nenhum tumulto era ouvido no Mercado da Cidade, a não ser quando os militares passavam tão estranhos e agourentos. Eram uns poucos, mas eram detestáveis por sua posição majestosa e fugaz. No entanto eram uns pigmeus, graças a Deus. Em sua passagem deixava um asco o qual se podia sentir a longa distância. Mesmo assim tinha alguém desaforado a atormentar a paz dos militares. Alguém a dizer algo e desaparecer:
Alguém:
--- Corno! Filho de uma puta! Serviçal! – dizia aos berros enquanto fugia.
Qual nada. Os militares batiam em perseguição ao desordeiro malcriado tentando pegar o sem vergonha a qualquer preço. Era difícil esse acossamento, pois entre meio de tanta palha de banana o forasteiro escapava de vez para ninguém notar nunca mais. Os militares, atônitos, findavam sem nada poder fazer de certo. Então, voltavam, cheios de palhas de bananeiras entre outros coisas ruins, com acerto.
Nessa mesma manhã, estava em seu escritório o moço Sócrates. Em sua companhia a secretária Norma Balistiero, senhorita dos seus 20 anos de idade ou coisa assim. Entre uma coisa e outra o rapaz indagou de Norma se agradou o que a moça pode ver na sexta-feira passada.
Norma:
--- Uma tragédia! Nunca vi coisa igual! Elementos sendo trucidados a todo custo! – declarou fazendo uma aversão de horror.
Sócrates:
--- Aquilo é guerrilha. Quando ninguém acha que vai suceder, o fato acontece. Os guerrilheiros aparecem e desaparecem em um instante.
Norma:
--- Horroroso! Como se faz aquilo?! – foi a interrogação acidental.
O rapaz sorriu por uns instantes e logo depois voltou a falar com precisão:
Sócrates:
--- Norma, minha afetuosa menina. É possível que você tenha ouvido falar em Cuba ou revolução da China. Pois bem. O ocorrido na sexta-feira, em Natal, foi um arremedo do que se fez ou se faz em outras nações do extremo oriente. Não mais em Cuba, é verdade. Cuba é o passado. Mesmo assim, eu cito como exemplo. A exemplo desses países, os guerrilheiros de Natal e de outros Estados do País tem apenas uma preocupação: atirar para matar. Eles agem como agiam os temerosos homens do cangaço no tempo de Lampião. Atiravam para matar. E só. Hoje, aqui, acontece o mesmo. Pei bum. E fogem sem deixar rastro. Esse é um movimento de extrema esquerda. Não se sabe de nomes ou de onde vêm. Apenas chegam e agem. – declarou.
Norma:
--- Que horror! E esses homens por qual motivo? – indagou perplexa.
Sócrates:
--- Bem. Sempre há um motivo. Aqui, na questão, é a vez do Cemitério do Alecrim. Os guerrilheiros agem em defesa dos mortos ou da terra. Diz-se os mortos. Porém, pensando bem é a questão da terra. Quem morreu já foi. Mas a terra, não. A questão é que a Prefeitura quis se desfazer de cemitério encravado na parte nobre da cidade. E essa parte está encravada no cemitério. Em meio a surdina, a Prefeitura buscou entendimento com uma firma e preparou o papel tendo feito, mesmo sem se saber, a comunhão com essa empresa e deflagrou a sorte. Veja se entende. – confirmou.
Norma:
--- Não entendo a razão e o porquê. Como? – estranhou.
Sócrates:
--- Simples. Muito simples. A Prefeitura fez de conta não saber e então deu a ordem para a empresa retirar tudo o que existe no Cemitério e, depois, botar tudo no forno do lixo. – sorriu.
Norma:
--- Que horror! No lixo? É uma safadeza! – declarou com ira.
Sócrates:
--- Pode ser. Até pode ser. Mas no local não tem quem reclame coisa alguma. Tem, sim, os corpos ou os esqueletos das vítimas. Mas, nesse caso, a Prefeitura faz a doação –bem entendido: não é propriamente uma doação, uma vez que a família recebe e paga por aquele frasco ou vaso de alabastro. Então os restos do parente ficam com os familiares. Alguns, já mortos há dezenas de anos nem mais parentes têm. E leva-se para o crematório ou apenas se diz não haver mais nada no local ou no tumulo, sarcófago, mausoléu ou coisa a mais. – sorriu.
Norma:
--- Eu não concordo com essa infâmia! Tem que se tomar uma posição a respeito! – declarou com severidade.
Sócrates:
--- A senhorita tem algum familiar sepultado no Cemitério? – indagou de forma suave.
Norma:
--- Eu não. Imagine. E se não tenho, não volto atrás. O negócio é protestar! É isso o que se faz. – reclamou com ênfase.
Sócrates:
--- Escute! O Brasil já enfrentou guerras severas nesse sentido. Período de perseguição, violência e censura. O Governo brasileiro foi de um terror descomunal. O Exército enfrentou guerra rural por grupos armados. E no que deu? Em nada! Ainda hoje se procura corpos dos guerrilheiros perdidos na mata densa. – reclamou
Norma:
--- Já ouvi falar em tudo isso! Pode não ter dado em nada. Mas o brasileiro se pôs da defesa das suas ideias. Mortos ou não, eles defenderam e ainda defendem o que é justo! – arrematou com ênfase.
Sócrates:
--- De que vale morrer por nada? Se eu morrer agora, não terei mais valor nenhum. Fica o meu corpo no chão. Quem morre, acaba. É isso! – comentou com severidade.
Norma:
--- Até Jesus? – perguntou com sagacidade.
Sócrates:
--- Ouça! Jesus nunca existiu. Isso é conversa dos tolos. Houve um homem como outros no seu tempo. Mas não devemos acreditar em um homem que se sacrificou por nós. – comentou.
Norma:
--- O senhor acredita que esse Jesus que em falo se casou com Maria Madalena? Eu tenho provas! – foi ao fundo na sua decisão 



quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O INFERNO - 40 -

- Paola Oliveira -

- 40 -

GUERRILHA 

O jeep gigante do Exército seguia a incrível velocidade para alcançar o Quartel General da corporação.  Nem mesmo buzinando o carro seguia porque já não havia transito de veículos no dia de domingo naquela hora da manhã. Na avenida Junqueira Ayres coisa alguma existia igual a carroças a não ser os bêbados homéricos a dormir como um cão além de pouca gente da Igreja Presbiteriana no início da artéria próxima a Prefeitura da cidade. Mesmo assim, o jeep seguia às pressas a tempo de cruzar a Rua Ulisses Caldas, no seu início, e dali caminhar ao seu destino com repentina vez.  Nesse momento, um entrave: dois guerrilheiros mascarados puxaram suas metralhadoras de mão e acertaram no jipão dirigido por seu motorista. Eles estavam escondidos de forma camuflada na esquina da Rua Ulisses Caldas, um de um lado e ou outro do lado oposto sem haver ninguém que os notasse. O pipocar das metralhas foi de vez atingir o motorista e o capitão, logo à frente do carro. Não deu jeito. O jipão tombou de vez derrubando a todos. O frade era o único a estar ciente da ação dos guerrilheiros urbanos. E fez finca-pé e pulou para um lado, pondo-se a correr a se proteger das descargas das metralhas enquanto três policiais ainda agonizavam pelas balas recebidas. Os três insurgentes correram e apanharam um outro carro, seguindo em alvoroço pela rua seguindo para os lados da Princesa Isabel e, dali para o fim do mundo. Foi uma loucura total aquele ajuste de contas. Os rebeldes esquerdistas se vangloriaram dos feitos alcançados.  Pelas ruas adjacentes, eles espalharam panfletos com a sigla a agremiação – MRP: Movimento Revolucionário Popular – a deixar o vento levar.  Esse foi o ataque da manhã do domingo sangrento.  
A guerrilha e uma pequena guerra do tipo não convencional no qual o principal estratagema é a ocultação e extrema mobilidade dos combatentes. A movimentação ora centralizada por uma atitude bélica pode ser colaboracionista e dar enfrentamentos sem conexão com qualquer força armada regular. A guerrilha tem por objetivo a desorganização do Exército através de ações rápidas e indefensáveis. A força combatente se organiza em pequenos grupos com a ação bélica de elementos irregulares. Os grupos guerrilheiros são especializados em assalto de surpresa através de emboscadas, combates rápidos e sabotagem com ataques de poucos minutos. A Guerra do Vietnã é um exemplo típico na qual o guerrilheiro conhecedor da região nativa acabou vencendo as tropas regulares do Vietnam do Sul.
No decorrer das horas, ainda na faixa das nove, dois radioamadores mantinham conversa na banda dos 20 metros, sendo um de Natal (PS7-JM) e o outro do Rio (PY1-ZK) confabulando os recentes acontecidos sem maiores destaques:
PY1 –
---Você tem alguma novidade? – indagou curioso.
PS7 –
--- Apenas o tumulto avido na sexta. – declarou o outro.
PY1 –
--- Foi só em Natal? – indagou.
PS7 –
--- Homem. Um rapaz me falou que em Recife também. – assumiu.
PY1 –
--- Aqui também houve. – disse sem grande preocupação.
PS7 –
--- Aí também? Então é o fim do mundo. – deu risada.
PY1 –
--- Sim. Não sei se houve em São Paulo. Os macanudos estão calados. – não sorriu.
PS7 –
--- Não sei se no interior houve. – discorreu.
Silencio entre os dois radioamadores. Um pouco mais, o radioamador do Rio veio com uma bomba.
PY1 –
--- Eu tenho aqui uma bomba. Fornecida pela BBC de Londres. Sobre o acontecido aí na sexta-feira. Ela conta toda a história havida e diz ser de um grupo guerrilheiro. MRP – Movimento Revolucionário Popular. - Sabia? – perguntou ao radioamador de Natal.
PS7 –
--- Não. Não. Movimento? – perguntou estranhando.
PY1 –
--- Sim. Movimento Revolucionário. Parece ser uma bomba. – e sorriu.
PS7 –
--- Que Movimento é esse? – fez cara de quem não entendeu.
PAY1 –
--- Não sei. Parece que tem ramificação. Pelo menos é o que informa a notícias. – falou tranquilo
PS7 –
--- É danado. Tem ramificação? – perguntou sem alarme.
PY1 –
--- Sim. Recife, Rio, São Paulo, etc. Vou verificar com a turma de Minas. Cambio. – disse o do Rio
E deligou seu equipamento. E o segundo expediente chegou com a suspensão do jogo das duas principais equipes para um dia qualquer para então se decidir com exatidão. Portanto, não haveria futebol do domingo. Os shoppings resolveram não abrir durante todo o domingo, pois foram postos avisos nas paredes e murros desses comércios. Tudo taxado pelo MRP. Havia temor entre a população diante da posição do Governo Federal em dar apoio aos Governos do Estado e Município além de outras cidades e capitais do País. Os postos de serviços de vendas de combustíveis tiveram a mesma atitude: lacrar as bombas. E não houve expediente nem mesmo nos botequins das praias, dos morros e de outros cantos qualquer. A cidade se converteu em um caso morto. Apenas no Cemitério do Alecrim o ponto da discórdia dos guerrilheiros, o movimento de carros caçamba continuava. As enchedeiras e tratores a movimentar sem ao menos interromper sequer um só instante entre os entulhos e carcaças de gente enterrada de há muito. As caçambas recebiam os carregamentos e zarpavam para o fim do mundo zoando a noite inteira. Era uma barulheira infernal dos tratores feita até mesmo pela madrugada. O sofrer maior era da parte dos policiais destacados a tirar serviço por noite afim. O barulho de uma coruja era o suficiente para trazer pavor a todos. Eles lembravam dos mortos ali depositados em suas macabras urnas cheias de matos, algumas despedaçadas em plenas ruínas. Era o terror da incerteza de morrer a algum dia. Almas penadas a passear por entre as tumbas e olhar de perto para onde seriam então levadas pelos malditos caminhões cheios de terras. Um agouro terrível era o sentido das assombrações quando soava a meia-noite. Frio eterno de pavor e medo.
Soldado:
--- Estou com medo! – falou uma sentinela.
Outro;
--- Nem fala!!! Estou que para se borrar não falta nada. Tô vendo a hora de um fantasma desse se agarrar comigo. – falava o outro tiritando de frio.
Primeiro:
--- Tem cada catacumba tão feia desse lado! – estremeceu o primeiro soldado
Outro:
--- Eu só me lembro da mulher de branco! – lembrou receoso.
Primeiro:
--- Mulher?! Que mulher?? – procurou seu canto o soldado.
Outro:
--- Uma mulher que aparece todas as noites sem lua!!! – gritou amedrontado.
Um gato preto rosnou por entre as catacumbas. Foi o suficiente para os dois policiais saírem em debandada com o horror das almas.
Primeiro:
--- Olha a mulher de branco!!! – gritou aperreado o soldado batendo as botas nas ancas.
Outra:
--- Espera por mim desgraçado! – e o outro correu atrás.
Na esperança de chegar ao Quartel de Polícia, um atrás do outro caminhavam sem ter no que pensar a não ser nas próprias almas agourentas como os dois tentavam esquecer para não lembrar de modo tão assustador. A correr por dentro do mato eles só avistava as almas penadas e nada mais. As lamurias eram o pior das incertezas. Após correr tanto tempo, os dois chegaram ao Quartel tendo sido recebido com um gesto de horror. E um deles disse:
Soldado:
--- Comandante!!  Vi uma alma!!! – e com isso caiu de costa todo melado de bosta.