quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O INFERNO - 40 -

- Paola Oliveira -

- 40 -

GUERRILHA 

O jeep gigante do Exército seguia a incrível velocidade para alcançar o Quartel General da corporação.  Nem mesmo buzinando o carro seguia porque já não havia transito de veículos no dia de domingo naquela hora da manhã. Na avenida Junqueira Ayres coisa alguma existia igual a carroças a não ser os bêbados homéricos a dormir como um cão além de pouca gente da Igreja Presbiteriana no início da artéria próxima a Prefeitura da cidade. Mesmo assim, o jeep seguia às pressas a tempo de cruzar a Rua Ulisses Caldas, no seu início, e dali caminhar ao seu destino com repentina vez.  Nesse momento, um entrave: dois guerrilheiros mascarados puxaram suas metralhadoras de mão e acertaram no jipão dirigido por seu motorista. Eles estavam escondidos de forma camuflada na esquina da Rua Ulisses Caldas, um de um lado e ou outro do lado oposto sem haver ninguém que os notasse. O pipocar das metralhas foi de vez atingir o motorista e o capitão, logo à frente do carro. Não deu jeito. O jipão tombou de vez derrubando a todos. O frade era o único a estar ciente da ação dos guerrilheiros urbanos. E fez finca-pé e pulou para um lado, pondo-se a correr a se proteger das descargas das metralhas enquanto três policiais ainda agonizavam pelas balas recebidas. Os três insurgentes correram e apanharam um outro carro, seguindo em alvoroço pela rua seguindo para os lados da Princesa Isabel e, dali para o fim do mundo. Foi uma loucura total aquele ajuste de contas. Os rebeldes esquerdistas se vangloriaram dos feitos alcançados.  Pelas ruas adjacentes, eles espalharam panfletos com a sigla a agremiação – MRP: Movimento Revolucionário Popular – a deixar o vento levar.  Esse foi o ataque da manhã do domingo sangrento.  
A guerrilha e uma pequena guerra do tipo não convencional no qual o principal estratagema é a ocultação e extrema mobilidade dos combatentes. A movimentação ora centralizada por uma atitude bélica pode ser colaboracionista e dar enfrentamentos sem conexão com qualquer força armada regular. A guerrilha tem por objetivo a desorganização do Exército através de ações rápidas e indefensáveis. A força combatente se organiza em pequenos grupos com a ação bélica de elementos irregulares. Os grupos guerrilheiros são especializados em assalto de surpresa através de emboscadas, combates rápidos e sabotagem com ataques de poucos minutos. A Guerra do Vietnã é um exemplo típico na qual o guerrilheiro conhecedor da região nativa acabou vencendo as tropas regulares do Vietnam do Sul.
No decorrer das horas, ainda na faixa das nove, dois radioamadores mantinham conversa na banda dos 20 metros, sendo um de Natal (PS7-JM) e o outro do Rio (PY1-ZK) confabulando os recentes acontecidos sem maiores destaques:
PY1 –
---Você tem alguma novidade? – indagou curioso.
PS7 –
--- Apenas o tumulto avido na sexta. – declarou o outro.
PY1 –
--- Foi só em Natal? – indagou.
PS7 –
--- Homem. Um rapaz me falou que em Recife também. – assumiu.
PY1 –
--- Aqui também houve. – disse sem grande preocupação.
PS7 –
--- Aí também? Então é o fim do mundo. – deu risada.
PY1 –
--- Sim. Não sei se houve em São Paulo. Os macanudos estão calados. – não sorriu.
PS7 –
--- Não sei se no interior houve. – discorreu.
Silencio entre os dois radioamadores. Um pouco mais, o radioamador do Rio veio com uma bomba.
PY1 –
--- Eu tenho aqui uma bomba. Fornecida pela BBC de Londres. Sobre o acontecido aí na sexta-feira. Ela conta toda a história havida e diz ser de um grupo guerrilheiro. MRP – Movimento Revolucionário Popular. - Sabia? – perguntou ao radioamador de Natal.
PS7 –
--- Não. Não. Movimento? – perguntou estranhando.
PY1 –
--- Sim. Movimento Revolucionário. Parece ser uma bomba. – e sorriu.
PS7 –
--- Que Movimento é esse? – fez cara de quem não entendeu.
PAY1 –
--- Não sei. Parece que tem ramificação. Pelo menos é o que informa a notícias. – falou tranquilo
PS7 –
--- É danado. Tem ramificação? – perguntou sem alarme.
PY1 –
--- Sim. Recife, Rio, São Paulo, etc. Vou verificar com a turma de Minas. Cambio. – disse o do Rio
E deligou seu equipamento. E o segundo expediente chegou com a suspensão do jogo das duas principais equipes para um dia qualquer para então se decidir com exatidão. Portanto, não haveria futebol do domingo. Os shoppings resolveram não abrir durante todo o domingo, pois foram postos avisos nas paredes e murros desses comércios. Tudo taxado pelo MRP. Havia temor entre a população diante da posição do Governo Federal em dar apoio aos Governos do Estado e Município além de outras cidades e capitais do País. Os postos de serviços de vendas de combustíveis tiveram a mesma atitude: lacrar as bombas. E não houve expediente nem mesmo nos botequins das praias, dos morros e de outros cantos qualquer. A cidade se converteu em um caso morto. Apenas no Cemitério do Alecrim o ponto da discórdia dos guerrilheiros, o movimento de carros caçamba continuava. As enchedeiras e tratores a movimentar sem ao menos interromper sequer um só instante entre os entulhos e carcaças de gente enterrada de há muito. As caçambas recebiam os carregamentos e zarpavam para o fim do mundo zoando a noite inteira. Era uma barulheira infernal dos tratores feita até mesmo pela madrugada. O sofrer maior era da parte dos policiais destacados a tirar serviço por noite afim. O barulho de uma coruja era o suficiente para trazer pavor a todos. Eles lembravam dos mortos ali depositados em suas macabras urnas cheias de matos, algumas despedaçadas em plenas ruínas. Era o terror da incerteza de morrer a algum dia. Almas penadas a passear por entre as tumbas e olhar de perto para onde seriam então levadas pelos malditos caminhões cheios de terras. Um agouro terrível era o sentido das assombrações quando soava a meia-noite. Frio eterno de pavor e medo.
Soldado:
--- Estou com medo! – falou uma sentinela.
Outro;
--- Nem fala!!! Estou que para se borrar não falta nada. Tô vendo a hora de um fantasma desse se agarrar comigo. – falava o outro tiritando de frio.
Primeiro:
--- Tem cada catacumba tão feia desse lado! – estremeceu o primeiro soldado
Outro:
--- Eu só me lembro da mulher de branco! – lembrou receoso.
Primeiro:
--- Mulher?! Que mulher?? – procurou seu canto o soldado.
Outro:
--- Uma mulher que aparece todas as noites sem lua!!! – gritou amedrontado.
Um gato preto rosnou por entre as catacumbas. Foi o suficiente para os dois policiais saírem em debandada com o horror das almas.
Primeiro:
--- Olha a mulher de branco!!! – gritou aperreado o soldado batendo as botas nas ancas.
Outra:
--- Espera por mim desgraçado! – e o outro correu atrás.
Na esperança de chegar ao Quartel de Polícia, um atrás do outro caminhavam sem ter no que pensar a não ser nas próprias almas agourentas como os dois tentavam esquecer para não lembrar de modo tão assustador. A correr por dentro do mato eles só avistava as almas penadas e nada mais. As lamurias eram o pior das incertezas. Após correr tanto tempo, os dois chegaram ao Quartel tendo sido recebido com um gesto de horror. E um deles disse:
Soldado:
--- Comandante!!  Vi uma alma!!! – e com isso caiu de costa todo melado de bosta.



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