- Alessandra Negrini -
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PRISÃO
Os três líderes foram conduzidos
para a capital onde se puseram trancafiados em celas de máxima segurança e
devidamente separadas onde apenas guardas devidamente armadas eram postadas em
diversos pontos com a maior segurança. Nesse primeiro dia não teve almoço para
nenhum dos três. Uma sirene ecoou por diversas vezes no topo da prisão com
alertando para ficarem sem dormir ou coisa assim. Os líderes ficavam
enegrecidos de raiva quando a sirene da prisão ecoava. Em horas indeterminadas,
uma rajada de metralhadora se ouvia e gritos de morte eram feitos como se estivesse
em chacina um dos presos capturados. Houve batidas de latas como se fosse
servida alguma comida porém nunca aparecia tal refeição. Já a noite, as altas
horas um detendo totalmente encapuzado passou escoltado com três guardas e não
mais voltou para a sua cela. Ouviu-se um ruído e a metralhadora a fazer alarde
com seguidos gritos de horror. E logo depois, o silêncio. Às duas horas da
madrugada um oficial chegou em uma das celas e acordou o recluso para ser
interrogado. O detento estava morto de sono, mas, mesmo assim, teve de ser
acordado e levado para uma sala fechada onde havia apenas uma luz acesa e um
oficial ladeado por dois seguranças. O oficial ficou calado em sua cadeira
tendo à frente um birô e nada mais. O detento ouviu a porta por onde ele entrou
se fechar com uma bruta violência e em seguida, o silencio. Um silêncio de
mudas horas onde o oficial de levantava da sua cadeira, volteava a sala
minúscula dos presos e depois voltava tomando assento em sua cadeira. Foram
seguidas três horas assim. E nada de questão, nada de perguntas. Havia apenas o
metralhar da arma bem acima da sala do detento.
Horas passadas. Não havia
janelas. Nem se sabia do tempo. O Oficial mandou buscar a Guarda e levar o
prisioneiro para a sua respectiva cela. Com a cabeça encapuzada, corrente nos
pés para não correr, mãos algemadas às costas, o preso seguia. Não se notava se
ele chorava ou não. O seu coração batia com brutal violência e nenhum dos
guardas da Força Nacional de Segurança fazia qualquer questão. Empurrava-o pelas
costas ao chegar em sua cela a retirar o capuz de sua cara. Nesse instante, o
preso expunha os seus pés e suas mãos para liberar, mas segurança nada falava e
trancafiava o preso da cela escura e mal cheirosa. Havia ali uma latrina muito
baixa, ao res do chão e um chuveiro para se tomar banho. Mas o chuveiro sempre
estava seco. A água não havia. Uma cama de ferro e um colchão com fibras de
algodão. A porta fechada não dava para ver o dia ou a noite. Era tudo clareado
pela luz da lâmpada elétrica do lado de fora. A comida, se tivesse, era
colocada em uma bandeja de lata e encaminhada por baixo da porta. Nesse
primeiro dia não houve refeição.
Os guerrilheiros que agiam em
Natal fizeram uma debandada total ao tomar conhecimento da detenção dos cinco
líderes. Dos cinco, dois foram mortos ou se suicidaram. Com intenção de fazer
valer a sua saga, os guerrilheiros ainda tentaram uma revestida. Mesmo assim, a
fuga foi total. Alguns dos guerrilheiros foram presos pela Força Nacional de
Segurança. Esses detidos estavam fazendo um artefato explosivo em uma casa no
centro da Cidade, quando o efetivou entrou e surpreendeu a todos. Um dos
manifestantes tentou ainda a fuga. Mesmo assim foi contido. No total, foram
cinco os detidos. A Força de Segurança no mesmo instante foi em busca de outros
esconderijos dos guerrilheiros chegando a deter cerca de vinte homens e
mulheres. Essas, arrumavam os objetos da guerrilha quando foram presas. Era um
tumulto geral com a entrada da Força a pegar de surpresa o pouco número de
gente da guerrilha. Os demais fugiram, conseguindo escapar pela praia em
lanchas roubadas nos portos do Iate Clube. E outros da guerrilha se esconderam
em cantos remotos para seguir a fuga horas tranquilas da noite. Foi um tumulto
horrendo o havido nessas horas de desassossegos na capital. E o pior é que
ninguém sabia dizer ao certo o que estava a ocorrer. Gente várias comentavam a
presença da Força sem nem saber o porquê. Algumas pessoas declaravam se os
soldados do Cemitério:
Um:
--- Que diabos eles estão fazendo
aqui? – perguntava um.
Dois:
--- Sei lá! Eles estão guardando
os mortos, - respondia outro.
Três:
--- E não são recrutas novos? –
perguntava um terceiro.
Dois:
--- Deve ser. Não sei. – declara
o segundo.
Era assim que caminhava a chama. Um
burburinho dos desocupados da vida. Enquanto isso, os caminhões basculantes
carregavam as últimas tumbas do cemitério do Alecrim. Era a vez de limpar tudo
o que sobrou da invernada. Ali, apenas restavam os muros do lado da frente –
aos pedaços – e a parte lateral subindo do Baldo. Enfim, a muralha foi abaixo.
O tombo total chegara ao seu último suspiro. E acabara-se assim a farra dos
senhores do Império.
Com o passar dos dias pouco se
dava atenção aquele que fora o ajuntamento dos mortos. Quem passava pelo local
nem mais prestava a atenção. Apenas reclamava contra a sujeira despejada pelos
gigantes carros com o barro retirado do recinto. O vendedor de picolé
continuava a sua faina diária o mesmo ocorrendo com o vendedor de tapioca e
água de côco. O pessoal de um porto de gasolina já voltara ao seu oficio sem
nada mais a reclamar. O colégio existente naquela rua retomara ao ensino dos
alunos e as casas de vendas de móveis eram de vez tranquilas.
Vendedor:
--- Comprar moveis senhora? Temos
as últimas novidades do mercado! – dizia o vendedor a esfregar as suas benditas
mãos.
No terreno do Cemitério do
Alecrim, pronto já alguns dias, começam os trabalhos para se erguer quatro
gigantes edifícios tomando a visão de amplo quarteirão. Já nem se pensava mais
ter sido naquele local um parque santo. Apenas funcionava um escritório onde
cada um seguia o seu ritmo normal de atendimento ao pessoal, todo em busca de
fazer o seu registo para ocupar um quinhão na melhor residência da cidade. Os
donos dos antigos túmulos receberam os vasos de alabastros com as cinzas de
seus queridos mortos a guardar em algum recinto do velho lar, caso desconhecido
até por aquele que, um dia, habitou residências mais modestas que aquela.
Mas, um dia, o antigo coveiro
relatou um fato mais ou menos bárbaro. Disse ele que na noite passada estava em
sua casa quando alguém bateu à porta. Ele se levantou da cadeira e foi ver quem
estava chamando. Mas não havia ninguém fora de casa. Ele pensou em brincadeira
de meninos. E se voltou a sentar na mesma cadeira. Ao se sentar na sua cadeira
notou que ali havia alguém posto o bilhete com alguns dizeres. O coveiro –
Ernesto – antes de se soerguer da cadeira resolveu verificar o que tinha
escrito no papel. E no impresso tinha o bilhete. “Eu quero meus ossos”. Apenas
isso e nada mais. Ernesto se assustou com a missiva.
Ernesto:
--- Votes! Quem largou isso aqui?
– perguntou temeroso.
O senhor Ernesto, homem de seus
setenta anos, nunca discutiu por existência de alma e gente morta. E não era
desta vez que ele seria amedrontado. E levou isso como brincadeira até dizendo
à sua família o que alguém sacudira para a cadeira que ele havia sentado.
Mulher:
--- Ossos? – perguntou a sua
mulher um tanto temerosa.
Filha:
--- Ossos? De que? De vaca? –
perguntou a filha de Ernesto que vinha chegado à sala.
Ernesto:
--- Não. Não. Foi um bilhete que
alguém sacudiu lá de fora. A pessoa reclama pelas suas ossadas. – sorriu o
ancião
Filha:
--- Ave Maria! Será ossos de
alguém? Algum defunto? – perguntou preocupada
Mulher:
--- Eu disse pra você não se
meter com os mortos! – falou a mulher um tanto preocupada.
Ernesto:
--- Ora. Besteira. Foi
brincadeira de criança! – disse o velho não mais preocupado.
Mulher:
--- Brincadeira? Estou cansada de
ver essas coisas! E nem duvide! –falou brava
Ernesto:
--- É porque você é do Centro –
falou o homem sem dar importância
O Cetro era na verdade o Centro
Espirita onde almas apareciam para reclamar as suas os seus anseios. E por isso
a mulher, dona Maria Amélia disse tal procedimento. Na verdade, Ernesto não
acreditava em tais coisas. Ele, desde moço, trabalhou no Município de Natal e
nada notou de desgraça entre os mortos ou vivos. Fantasmas, casas assombradas,
espíritos. Nada além de ilusão dos vivos. E nem de vultos nem imagens saídas de
crianças. Tudo, pura ilusão. Porém, mais
tarde da noite, quando todos dormiam, Ernesto viu um vulto de uma criança dos
seus sete anos a desejar falar com o ancião. E falou:
Criança:
--- Eu vim buscar os meus ossos!
– alertou com ênfase a tal criança.
O ancião, de sobressalto, se
levantou e procurou divisar o vulto da criança, pois não havia em sua casa
criança tão miúda como a tal. Ele se desculpou o pôs a culpa no sonho. Mas a
criança apareceu novamente e fez igual pedido:
Criança:
--- Eu quero os meus ossinhos! –
dito isso a criança sumiu.
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