- Marina Ruy Barbosa -
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MANHÃ
Na segunda-feira, pela manhã,
logo cedo, o Mercado Público da Cidade tinha um movimento de vendas bastante
anormal. O mais requisitado era o Café de dona Nora onde as pessoas se serviam
e conversavam a miúdo em termos quase sigilosos. Com o temor dos
acontecimentos, mesmo o havido no domingo bem perto daquele local, os clientes
do Café preferiam não falar abertamente, pois sempre existia alguém de outras
plagas, por certo a ouvir tudo o que se falava e por quem, era evidente. Dona Macrina, a mulher da tapioca chegara
logo cedo com a sua banca onde havia bejus, pé-de-moleque, milho assado e
cozido, pamonha – uma delícia – entre tantos outros comestíveis no qual havia
igualmente a tapioca de côco ou sem côco, molhada e seca, como era costume da
venda. Alguém passava e adquiria aquilo a lhe dar maior prazer e mesmo levar
para a sua humilde casa onde punha na mesa para a alegria de todos. No restante
do Mercado o movimento era fraco. Os talhadores de carne verde nada podiam
fazer pela a ausência do produto. No domingo nenhum carro chegara para
abastecer as bancas de carne. Havia apenas uns langanhos de carne seca. E muito
pouca, além disso. Na pedra do peixe nada havia para vender ou comprar. Estava
tudo de mal com as relíquias da refeição do dia.
Em outro caso, Zé Sapateiro foi
um deles. Na segunda, ele chegou bem cedo a sua oficina. Após tomar o seu café
na banca de dona Nora, Zé se voltou para o seu lugar de sempre onde alí batia
sola e conversava igualmente com algum freguês sobre questões ocorridas nos
recentes dias. O mesmo acontecia com “Barateiro”, um homem em um quiosque a
vender de tudo um pouco, como mel de engenho entre algo mais complexo. E estava
também o homem do leite – seu Sandoval – o qual nada havia recebido àquela hora
da manhã ainda cedo. Quem procurava o leite fresco do dia, recebia apenas a
negativa com o homem a tanger com a sua toalha as moscas malditas. Do lado de
fora do Mercado, as mulheres vendedoras de artigos da roça ou mesmo de rosas
dália. Essas mulheres tinham um pouco de tudo, pois cuidavam de suas flores nos
seus próprios quintais. Outros
vendedores faziam negócio com suas simples mercadorias, como caju, mangaba,
manga rosa e outras delícias para um refinar sofisticado. Aquele era um lugar
de toda gente, afinal.
Nenhum tumulto era ouvido no
Mercado da Cidade, a não ser quando os militares passavam tão estranhos e
agourentos. Eram uns poucos, mas eram detestáveis por sua posição majestosa e
fugaz. No entanto eram uns pigmeus, graças a Deus. Em sua passagem deixava um
asco o qual se podia sentir a longa distância. Mesmo assim tinha alguém
desaforado a atormentar a paz dos militares. Alguém a dizer algo e desaparecer:
Alguém:
--- Corno! Filho de uma puta!
Serviçal! – dizia aos berros enquanto fugia.
Qual nada. Os militares batiam em
perseguição ao desordeiro malcriado tentando pegar o sem vergonha a qualquer
preço. Era difícil esse acossamento, pois entre meio de tanta palha de banana o
forasteiro escapava de vez para ninguém notar nunca mais. Os militares,
atônitos, findavam sem nada poder fazer de certo. Então, voltavam, cheios de
palhas de bananeiras entre outros coisas ruins, com acerto.
Nessa mesma manhã, estava em seu
escritório o moço Sócrates. Em sua companhia a secretária Norma Balistiero,
senhorita dos seus 20 anos de idade ou coisa assim. Entre uma coisa e outra o
rapaz indagou de Norma se agradou o que a moça pode ver na sexta-feira passada.
Norma:
--- Uma tragédia! Nunca vi coisa
igual! Elementos sendo trucidados a todo custo! – declarou fazendo uma aversão
de horror.
Sócrates:
--- Aquilo é guerrilha. Quando
ninguém acha que vai suceder, o fato acontece. Os guerrilheiros aparecem e
desaparecem em um instante.
Norma:
--- Horroroso! Como se faz
aquilo?! – foi a interrogação acidental.
O rapaz sorriu por uns instantes
e logo depois voltou a falar com precisão:
Sócrates:
--- Norma, minha afetuosa menina.
É possível que você tenha ouvido falar em Cuba ou revolução da China. Pois bem.
O ocorrido na sexta-feira, em Natal, foi um arremedo do que se fez ou se faz em
outras nações do extremo oriente. Não mais em Cuba, é verdade. Cuba é o
passado. Mesmo assim, eu cito como exemplo. A exemplo desses países, os
guerrilheiros de Natal e de outros Estados do País tem apenas uma preocupação:
atirar para matar. Eles agem como agiam os temerosos homens do cangaço no tempo
de Lampião. Atiravam para matar. E só. Hoje, aqui, acontece o mesmo. Pei bum. E
fogem sem deixar rastro. Esse é um movimento de extrema esquerda. Não se sabe
de nomes ou de onde vêm. Apenas chegam e agem. – declarou.
Norma:
--- Que horror! E esses homens
por qual motivo? – indagou perplexa.
Sócrates:
--- Bem. Sempre há um motivo.
Aqui, na questão, é a vez do Cemitério do Alecrim. Os guerrilheiros agem em
defesa dos mortos ou da terra. Diz-se os mortos. Porém, pensando bem é a
questão da terra. Quem morreu já foi. Mas a terra, não. A questão é que a
Prefeitura quis se desfazer de cemitério encravado na parte nobre da cidade. E
essa parte está encravada no cemitério. Em meio a surdina, a Prefeitura buscou
entendimento com uma firma e preparou o papel tendo feito, mesmo sem se saber,
a comunhão com essa empresa e deflagrou a sorte. Veja se entende. – confirmou.
Norma:
--- Não entendo a razão e o
porquê. Como? – estranhou.
Sócrates:
--- Simples. Muito simples. A
Prefeitura fez de conta não saber e então deu a ordem para a empresa retirar
tudo o que existe no Cemitério e, depois, botar tudo no forno do lixo. –
sorriu.
Norma:
--- Que horror! No lixo? É uma
safadeza! – declarou com ira.
Sócrates:
--- Pode ser. Até pode ser. Mas
no local não tem quem reclame coisa alguma. Tem, sim, os corpos ou os
esqueletos das vítimas. Mas, nesse caso, a Prefeitura faz a doação –bem
entendido: não é propriamente uma doação, uma vez que a família recebe e paga
por aquele frasco ou vaso de alabastro. Então os restos do parente ficam com os
familiares. Alguns, já mortos há dezenas de anos nem mais parentes têm. E
leva-se para o crematório ou apenas se diz não haver mais nada no local ou no
tumulo, sarcófago, mausoléu ou coisa a mais. – sorriu.
Norma:
--- Eu não concordo com essa
infâmia! Tem que se tomar uma posição a respeito! – declarou com severidade.
Sócrates:
--- A senhorita tem algum
familiar sepultado no Cemitério? – indagou de forma suave.
Norma:
--- Eu não. Imagine. E se não
tenho, não volto atrás. O negócio é protestar! É isso o que se faz. – reclamou
com ênfase.
Sócrates:
--- Escute! O Brasil já enfrentou
guerras severas nesse sentido. Período de perseguição, violência e censura. O
Governo brasileiro foi de um terror descomunal. O Exército enfrentou guerra
rural por grupos armados. E no que deu? Em nada! Ainda hoje se procura corpos
dos guerrilheiros perdidos na mata densa. – reclamou
Norma:
--- Já ouvi falar em tudo isso!
Pode não ter dado em nada. Mas o brasileiro se pôs da defesa das suas ideias.
Mortos ou não, eles defenderam e ainda defendem o que é justo! – arrematou com
ênfase.
Sócrates:
--- De que vale morrer por nada?
Se eu morrer agora, não terei mais valor nenhum. Fica o meu corpo no chão. Quem
morre, acaba. É isso! – comentou com severidade.
Norma:
--- Até Jesus? – perguntou com
sagacidade.
Sócrates:
--- Ouça! Jesus nunca existiu.
Isso é conversa dos tolos. Houve um homem como outros no seu tempo. Mas não
devemos acreditar em um homem que se sacrificou por nós. – comentou.
Norma:
--- O senhor acredita que esse
Jesus que em falo se casou com Maria Madalena? Eu tenho provas! – foi ao fundo
na sua decisão
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