sábado, 18 de outubro de 2014

O INFERNO - 36 -

- Penélope Cruz -

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CREMAÇÃO

Em um outro dia, Norma Balistiero estava lendo um jornal da cidade quando se deparou, com muita surpresa, onde pode ver a notícia de um campo de cremação. A virgem moça tremeu nas bases ao notar ser a matéria da própria capital. E relatava ainda a informação: “Urgente: Natal se transforma em campo dos vivos. A Prefeitura de Natal não mais constrói cemitérios da capital e o principal cemitério do Alecrim será vendido. O caso alarmante diz ainda ter o campo santo sido vendido às escondidas à uma empresa particular para demolir todos os túmulos e construir enormes edifícios no local. Esse é o primeiro Cemitério a ser demolido na nova capital. Aquele que tiver parentes sepultados naquele recinto terá prazo para remover os cadáveres ou mesmo as ossadas, se ainda tiver e remover, em um frasco de requinte moderno sendo depois levado para seu próprio lar: a sua habitação. Quem morrer, hoje, não mais será sepultado em nenhum Cemitério de Natal, pois a decisão do Município já entrou em vigor desde a última quinta-feira. Os corpos dos indigentes serão doados à Faculdade de Medicina ou mesmo cremados para devida extinção. Essa decisão está revoltando as pessoas moradoras na capital. Por outro lado, a mesma situação está sendo aplicada em cidades do interior do Estado, às escondidas. Em reunião fechada, os vereadores de Natal acataram a decisão do Município. Há informações não confirmada ter o patrimônio público da capital evitado de tecer comentário sobre o respectivo assunto. Carros coletores foram avistados na manhã de ontem para resgatar os corpos ainda bem conservados e levados para local distante e ignorado”. E assim continuava a matéria. A virgem, preocupada chamou a atenção do seu chefe Sócrates.
Norma:
--- O senhor já leu o jornal? – indagou estarrecida.
Sócrates:
--- Sim. Eu estou informado a respeito do assunto. – sorriu.
Norma:
--- Informado? Qual a sua opinião sobre isso? – e apontou a matéria com muita ira.
Sócrates:
--- Eu acho ser normal. – ponteou:
Norma:
--- Normal? O senhor acha normal uma coisa dessas? – aumentou a voz com mais ira ainda.
Sócrates:
--- Certo. Veja bem: você paga para nascer, paga para viver e paga para morrer. E de quem é a culpa? – salientou sem sorrir.
Ele estava na poltrona do seu birô e pôs as mãos por trás na nuca como a se espreguiçar.
Norma:
--- Culpa? Só não é a minha a culpa. Eu achei que é do Governo. – abrandou um pouco.
Sócrates:
--- O Governo não pediu para você nascer, viver e morrer. Ele não tem culpa. A culpa é tua. – falou brando o rapaz
Norma:
--- A culpa é minha? Ora mais. Tem graça essa! Eu sou culpada por tudo isso? Até pela morte de outrem? – aumentou a cólera.
Sócrates:
--- Sim é a culpada. Quando você nasceu então você era endividada com um salário mínimo a pagar ao Governo por toda a sua vida. Então, eu, você e os demais, somos os culpados. O Governo não quer nem saber quanto eu faço ou se não faço. Porém eu tenho, no mínimo que pagar a minha dívida. Pelo ar que eu respiro. Pelo flautou que deixo sair. Pela mão que me afaga. Pelo gesto que eu não faço. Por tudo enfim que eu deveria fazer. Então, eu sou o culpado. – sorriu com as mãos voltando a posição normal.
Norma:
--- Essa é boa! Até pelos mortos? – falou seria e cheia de razão.
Sócrates:
--- Por esses também. Agora estamos a falar em cemitérios. E então? O que me diz? – perguntou a sorrir.
Norma:
--- Sei lá! Agora tem mais essa! Desencavar defuntos? – perguntou perturbada.
Sócrates:
--- É o jeito. Não se vive sem dinheiro. Você deve pensar nisso também. Para você chegar ao seu trabalho, você teve que enfrentar a morte. Podia ser até a morte súbita. Mas, de qualquer forma era a morte. – sorriu.
Norma:
--- Deixa. Deixa. Vamos a questão. A Prefeitura quer desenterrar os mortos e doar os seus restos letíferos à sua família! E então? – perguntou irada.
Sócrates:
--- Doar, não! Vender aqueles ossos. E em vasos de alabastro. Simples e belo! – gargalhou.
Norma:
--- Coréia! Tem mais essa em se pensar! A Prefeitura podia muito bem fazer um ossuário e por ali à mostra de todos. Arre! – fez uma careta
Sócrates:
--- E quem entraria para ver os ossos, esqueletos ou o pó daquele que dia o Poder Municipal desenterrou e disse ser o seu ente querido morto há mais de mil anos?  Hum? – indagou sorrindo.
Norma:
--- Sei lá! Acho que pouca gente! Mas voltemos a questão. Mas construir prédios em um local que hoje é um cemitério? Isso é o fim! – comentou com raiva.
Sócrates:
--- E o que tem isso. Daqui há dez, vinte ou trinta anos ninguém mais vai lembrar. Pode se fazer até brindes como sendo peças dos mortos. Xícaras, copos, taça de vinho. Talheres! Tudo com a pura perfeição. – gargalhou.
Norma:
--- Dos mortos. – fez sinal de azedume.
Sócrates:
--- Mas quem diabos quer saber de vivos ou mortos? Morreu, põe para o crematório. E estamos entendidos. - falou suave.
Norma:
--- Desculpe a má palavra. Mas, o senhor está parecendo um comunista muito ruim. – fez finca-pé.
Então o rapaz gargalhou a bel prazer. E em seguida, ele comentou:
Sócrates:
--- Norma, minha querida. Se você me chamar de um excêntrico senhor capitalista, até que me sentiria lisonjeado. Mas não tenho nada de Comunista. Eu apenas defendo o direito de ir e vir. Você, muito em breve, pretende casar. Então vai procurar uma casa ou apartamento. E vem o problema. Você encontra um que lhe satisfaz. Não importa onde seja construído. Em um luxuoso terreno onde foi, outrora, um Cemitério. E, então, você adquire o apartamento. Ele tem um nome suntuoso. “Apartamento Canto da Paz” ou coisa assim. Quando você, em conversas com as pessoas, descobre que alí foi um terreno de um antigo Cemitério, então é que as suas bases somem. Mas, isso foi há dez, vinte ou trinta anos. Então, a nobre princesa nem mais se lembra do feito em si. E finda a residir nesse novo apartamento! – gargalhou
Norma:
--- Vou vomitar! – e sai depressa do escritório em busca do gabinete sanitário.

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