MERCADO
- 01 -
A VENDA
Era madrugada já para amanhecer.
O relógio da casa ao lado bateu as quatro horas. Rua deserta, sem ninguém a passar. Dona Noca
arrumava sua bandeja e orientava a filha, Marilu, a cuidar com pressa de seus
afazeres, pois o relógio já estava soando. Era tempo de seguir viagem para o
Mercado da Cidade. A mocinha de seus 16 anos de idade, fechava a porta de traz
e olhava para ver se tinha algum bicho atrás da mesa de comida. Nada havia. O
jeito era torcer a luz da lâmpada e caminhar no seu modo faceiro. Nesse
momento, a sua mãe já estava do lado de fora, pois desligara a lâmpada da sala
da frente. Uma trouxa na cabeça e um balde na mão, ela, a mulher, estava pronta
para seguir viagem. Ainda era escuro. A luz do poste estava apagada, com
certeza por algum defeito. Só havia luz no outro lado muito distante. Dona Noca
caminhou com seu andar sempre vexado. Um cachimbo na boca, a cabeça erguida e
contava histórias de bichos de outro tempo para puxar a mocinha cada vez mais
depressa. O trem da estação apitava ao longe. O silencio a fazer de madrugada
dava para ouvir. Certamente era um trem de carga. Ainda era cedo para o trem de
transporte está chamando gente para a viagem interestadual. Um homem saiu de um
quarto que fora algum tampo um posto de quartel. Ele conduzia um cesto vazio de
fazer compras dos fregueses. Vestes surradas, demostrando ser um fardamento
antigo de algum soldado, o homem desceu de um batente do quarto, e foi seguindo
sem nem mesmo cumprimentar dona Noca, embora soubesse ter a mulher igual
destino, o Mercado Público da Cidade. Um cachorro vadio, coçava as orelhas e em
seguida tomou caminho com o moço do cesto. A madrugada se desfazia com um leve
clarão no céu envergando a aproximação de das quatro e meia. Ainda era cedo da
madrugada quando dona Noca e sua filha, Marilu cruzaram a rua. E com isso, dona
Noca já estava a chegar no Mercado pela porta lateral. Com a mulher, estava
também a caçula Marilu, criada desde pequena pois o marido de dona Noca
desaparecera um dia sem que nem não deixando tudo para lá. A mulher atravessou
as bancas de carne e peixe onde os mercadores colocavam seus produtos de venda.
Maria já estava no local pondo para a acender um fogão a carvão.
Noca
--- Bom dia, mulher. Estou
cansada. - - falou um tanto desanimada.
Maria
--- Bom dia. O carvão está
molhado. - - e soprou por mais de uma vez.
Noca
--- É assim. João carvoeiro deixa
tudo de fora da garagem. - - resmungou.
Após meia hora, o movimento
começava. Um guarda se abancou a espera de um café. Ele era um guarda que
passara a noite toda apitando de um lado. Com pouco tempo, se juntou outro
guarda e então os dois trocarão impressão sobre o serviço. O quartel dos mesmos
ficava situado no bairro da Ribeira, uma esquina da rua Duque de Caxias. Naquele
local, os guardas dormiam pela tarde toda até chegar a hora do serviço. Marilu
chegou com o bule para atender aos guardas.
Marilu
--- Que mais? - - indagou
Guarda
--- Cuscuz e tapioca. Tem? - -
Marilu
--- Tem. - -
O café de dona Noca ficava no fim
do Mercado ao lado do último portão de ferro dando para o lado onde tinha uma
mangueira. Para se sair, tinha que descer os degraus feitos de cimento. As
urinas e as fezes dos embriagados deixavam um odor imprestável para quem
entrava do Mercado. O Bonde vindo da Usina começava a transitar com destino ao
bairro Ribeira, seguindo pela rua Das Freiras – rua Ulisses Caldas -. O relógio
da Matriz já marcava as cinco horas, podendo ser bem mais. Ouvia-se o som do
sino do Bonde a chamar a atenção de um transeunte, um bêbado ou mesmo de um
burro que nem se importava com a máquina. Atrás do Mercado existia uma bodega. Vendia de
tudo aos moradores da região. Ali, o movimento era franco apesar de se ter o
Mercado com toda a quinquilharia que se pudesse imaginar. Do peixe, a carne
verde e até mesmo as roupas para se comprar ou os sapatos e até mesmo as vendas
como se chamava os pontos do comércio. Esse era o movimento da Cidade Alta,
bairro chique da burguesia. Para lá, existiam outros bairros, como Tirol e
Petrópolis. Esses bairros eram menos favorecidos. Gente pobre. E era em
Petrópolis onde morava a senhora dona Noca. Esse nome é verdadeiro. Seu nome
completo era Maria Noca dos Prazeres. Porém ficou sendo chamada de Noca. Ela
era oriunda de um lugarejo de nome Japi e tinha pais, irmãos, tios, sobrinhos e
um mundo de parentes. Por algum tempo, esteve em Natal uma de suas irmãs,
chamada Rute, ainda de menor. Após alguns dias, Rute arrastou a mala, ou seja,
voltou para sua casa.
Para ganhar a vida, Noca teve
duras penas. Vindo de Japi, na cidade grande trabalhou em casas de senhores,
lavava roupa, cozinhava findando por fazer de tudo. Ela, por algum tempo, morou
em bairros como as Rocas que ainda não era um bairro, viveu na Ribeira onde
trabalhou em casa de gente rica, casou com um homem de nome Paulo. Esse, um
dia, fugiu de casa dizendo que “ia ali” e não mais voltou. Noca, com uma menina
pequena, não se importava com isso. Deu duro para sobreviver. Com a garota às
costas, lá estava a mulher batendo roupa ou fazendo cocada. Foi assim que Noca viveu,
sozinha, com a filha de colo.
Noca
--- Bem dia, seu Manoel. Como vai
o senhor? - - perguntou
Manoel
--- Da mesma forma de ontem.
Trabalhando. - - e sorriu
Noca
--- Trabalhando. Trabalhando.
Assim é a vida! - - respondeu
E voltou para o interior do
bar/café. A menina Marilu foi quem apareceu, sorrindo. Chegou e perguntou
Marilu
--- Café? - -
Manoel
--- Tem mungunzá? - - perguntou
Marilu
--- Sim. Quer leite de vaca?
Chegou agora! - -
Manoel
--- Ponha com café. Um pouco.
Pingado. - - respondeu
Outros consumidores surgiram
quase no mesmo instante. Nas demais bancas o ruge-ruge tomava conta do
ambiente. O movimento nas bancas de carne verde crescia a todo momento. A banca
de peixe também fervilhava. Cada qual que oferecesse seu pescado ou carne verde.
A mulher baiana já estava a ponto de vender suas tapiocas no meio do salão.
Duas bacias: uma para torcer a massa e a outra para colocar as tapiocas secas e
molhadas. A mulher vestia um todo branco e, na cabeça, envolta uma touca de cor
branca. Enfim, a mulher estava toda de branco da cabeça aos pés: De um porte
avantajado, a baiana se sentava no chão frio guardando os tamboretes para
deixar as bacias com a goma e as tapiocas, uma e outra, postas eu seu lado.
Quando alguém perguntava
Freguês
--- Tem tapioca molhada? - -
perguntava
Baiana
--- Sim. Molhada e seca. Quer das
duas? - -
Freguês
--- Não. Só molhada. É mais
gostosa! - - sorria
E o garoto do cuscuz passada em
frente com sua bacia coberta. Ele oferecendo suas iguarias feitas na última
hora para quem duvidasse.
Garoto
--- Cuscuz com coco! Vai querer,
patrão? - - perguntava
Freguês
--- Já tenho tapioca. - -
respondia
Garoto
--- Mas leve um! - - dizia o
moleque
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