ESTUDANTE
- 02 -
SONHOS -
No café de dona Noca o movimento
estava mais que bom. Gente muita. Seu Manoel havia saído para o capinzal onde
estava a trabalhar até as cinco horas da tarde menos a interrupção do almoço,
ao meio dia. Às vezes seu Manoel saia por um tempo para receber os proventos do
capim vendido para a Polícia Militar. O seu dinheiro muitas vezes era pago com
bastante atraso. Três meses ou mais. Reclamação, isso era constante. O capitão
tentava se defender dizendo ser a reclamação coisa justa. E lhe adiantava uma
pequena parte prometendo pagar na semana que entra.
Capitão
--- Difícil, a coisa. Eu tenho
falado com o Governador e ele nada diz. - - preocupado
A chuva de repente começou a cair
forte do Mercado da Cidade. O povo todo se protegia da forma como podia.
Mulheres com suas crianças que estava à procura de roupas, sapatos e produtos
alimentícios ficaram alarmadas.
Mulher
--- Chuva? - - indagou alarmada
Homem
--- E da grossa! - - dizia o
homem
A baiana começou a retirar para
um canto mais tranquilo as suas vendagens. O balaieiro passou, correndo, para
não deixar molhadas as suas mercadorias de entrega e gritava a um tempo só.
Balaieiro
--- Olha o molhado! Olha o
molhado! Olha o molhado! - - gritava ao tempo em que corria, atropelando o
povo.
O vendedor de peixe correu,
entrando para o interior do Mercado a proteger seus pescados e, de vez,
gritava.
Pescador
--- É chuva muita! - - gritava o
homem alertando para a chuva vinda do mar;
As mulheres que vendiam na
calçada as suas mangabas, mangas, sapotis, jacas entre outros produtos de venda
fácil, saiam correndo para o interior do mercado a proteger o que não podiam
abandonar.
Vendedora
--- Como é que pode? O dia estava
tão calmo e agora veio esta chuva? - - comentava a vendedora.
Na banca de café, dona Noca
falava com pressa que se cuidasse de tudo pois era chuva em desmantelo. Marilu
corria de um lado para outro para arranjar as suas comidas já para o almoço das
onze horas. Os carros que passavam pela a avenida de frente, espalhavam o
lamaçal, mesmo que reduzissem a marcha para trafegar pelo caminho. A chuva
intensa chegava a forçar os automóveis a encostar no ponto da calçada pelo fato
de verem forçados a não poder prosseguir, pois o “prego” era vital. Um
motorista saltou de seu carro para colher o conserto, mesmo que não fosse possível
resolver de imediato. Era quase onze horas e a bagunça estava formada. Nada se
podia fazer para amainar a chuva. O teto do mercado tremia com o sacudir das
calhas. Havia goteiras de um lado e de outro para as moças ajeitarem os seus
produtos de comidas. As bancas de carne sofriam do mesmo jeito como a casas de
artigos e as bodegas de uma forma só. O homem da quitanda de artigos de plantas
medicinais sofria mais pois seu rádio não conseguia sintonizar as estações.
Enfim, era chuva muita. Um cidadão vindo do Baldo chegou vexado e disse de um
transbordamento do riacho já não permitindo a passagem de Bondes no local. A
Ribeira alagou num instante com o aguaceiro vindo aos turbilhões das regiões de
Petrópolis e Cidade. Era um mundo só a sofrer.
Popular
--- Está tudo atravancado lá em
baixo. Os Bondes não passam nem para um lado nem para outro! - - relatou com
muito medo.
Quase meio dia, seu Manoel chegou
ao mercado, todo molhado. O seu cavalo ficou ao largo, em baixo de pé de manga,
onde quase não chovia como nos outros locais. Ele, todo molhado, assuou o nariz
para aplacar o vexame e indagou de dona Noca se pegou a sua carne verde e a
mulher respondeu afirmativo.
Noca
--- Está aqui, longe de se
molhar. - - respondeu
Manoel
--- Obrigado. Vou botar no saco.
Essa chuva não vai parar tão cedo. Bom. Vou embora! - - disse o homem
A mulher, Noca e a sua filha,
Marilu, elas continuaram na faina até três horas quando rumaram de volta à casa
onde moravam. Já chegando a casa, Noca olhou para um lado e viu a lagoa formada
pelo aguaceiro da manhã. Àquela hora, a chuva amainou deixando os estragos à
mostra na outra esquina. Seguindo até seu casebre, a mulher notou uma porção de
água no beco e, certamente, no interior da própria casa. Nem mais discutiu e
foi a frente, ela e Marilu. Pegaram as vassouras e varreram tudo em questão de
uma hora. Depois, cansadas, rumaram para o fogão de lenha onde estariam a
preparar a comida para o dia seguinte.
Passaram-se os dias, semanas e
meses. Marilu já estava matriculada no Ateneu Feminino onde estudavam apenas as
moças. Fardamento completo. Saia verde e camisa branca, de mangas longas.
Sapato colegial e meias negras. Para amenizar o odor do Mercado, Marilu usava
um extrato lavanda Atkinson. Era o ponto máximo da era 50. O espartilho por baixo
da blusa era a peça mais apaixonante e controversa dos recentes tempos no após
guerra. Um ícone feminino da sensualidade. Era assim que se preparava Marilu
após tomar um banho refrescante no banheiro do Mercado. Meio dia, e a moça
partia para o Ateneu.
Certa vez, de manhã logo cedo,
Marilu estava a atender aos consumidores do Café quando surgiu, de repente, um
jovem de seus 27 anos. O rapaz ficou extasiado com tamanha beleza que o
cativou. Passou alguns segundos e então, Lauro Almeida, era o seu nome, indagou
se a moça podia servir um café.
Lauro
--- Por favor. Um café. - - falou
terno
Marilu
--- Café, apenas? - - indagou
Lauro
---Tem algo mais? - - indagou
Marilu
--- Cuscuz, pamonha, tapioca
molhada. - -
Lauro
--- Tapioca e pamonha. - - sorriu,
esfregando uma mão da outra.
O perfume que a donzela deixava
sair o aroma embeveceu o homem. Ele procurou recender sem maior destaque.
Apenas declarou.
Lauro
--- Que
perfume! É da senhorita? - - e procurando sentir melhor
Marilu
--- Sim. É um
perfume francês, creio. - - e sorriu lento
Lauro
--- Ah.
Francês. Bom perfume. - - declarou
Marilu
--- É a última
moda do após-guerra. É bem em uso. - -
Lauro
--- Eu só
conheço Água de Colônia Royal Briar da Marina de Bourbon. Francês também.
Marilu
--- Eu o
conheço. Tem vários. Violeta Francesa, Agustin Reyes entre outros. - - sorriu
Lauro
--- Você
estuda? - -
Marilu
--- Sim. No
Ateneu Feminino. - -
Nenhum comentário:
Postar um comentário