quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

ENCONTROS AO LUAR



DOIS
PIPOCA
A chuva torrencial a cair deixava as ruas cheias. Relâmpagos e trovoes eram o início da tempestade de verão daquele ano. As aguas caiam aos borbotões em toda a cidade. Os próprios Bondes já não aguentavam e pararam no meio da estrada. Na Ribeira, um Bonde parou no meio da pista. Havia falta de luz na estação mantenedora da energia, a Companhia Força e Luz Nordeste do Brasil, única empresa fornecedora existente em Natal. Era água por todo lado. A ventania cobrava o preço do tempo. A chuva era impiedosa, castigando vivos e mortos. As águas da tempestade cobriam o solo, obstruíam as calhas, faziam roncos como o monstro enraivecido. As águas subiram bem depressa vindas de bairros próximos como Petrópolis, Cidade Alta e outro bairro, como Rocas. A Ribeira se encheu de lama. O rio Potengi estava cheio com suas águas por todo lado. Dessa forma, ninguém podia passar de um lado para outro. Ruas Chile, Doutro Barata, Frei Miguelinho, Rua das Virgens, Duque de Caxias, Rio Branco e tantas outras. Enfim, era o caos. O Teatro Carlos Gomes soçobrou com a lama a meio pau. Sessenta centímetros a encher o salão das artes. Nesse ponto, Eduardo Rizzo mandou um servidor buscar um motorista de praça conhecido por Pipoca. José Pipoca da Silva conhecedor da cidade. Depois de muita reclamação, o serviçal foi buscar o motorista se atolando nas águas lambuzadas. Já distante, o serviçal ainda ouviu do seu senhor.
Rizzo
--- Diga que é para mim, que ele vem!! - - gritou para o serviçal
Serviçal
--- E se ele não estiver na praça? - - perguntou de volta
Rizzo
--- Traga outro. Ou espere chegar um dos motoristas. - - deu de volta
A chuva copiosa caía sem cessar com passageiros de Bonde à espera de algum carro que passasse ou mesmo um caminhão, uma caminhonete e até mesmo um burro. O dia estava acabando de vez. As repartições começaram a fechar suas portas e a Recebedoria já não podia nem mais receber os extratos de conta. Relâmpagos e trovões continuavam em toda Ribeira e em outras partes da capital e em todos os lugares bem mais remotos. Nesse instante, chegou o motorista Pipoca e estacionou na porta ao lado onde Eduardo estava à espera coçando a barba. Vinha também o serviçal.
Pipoca
--- É chuva, patrão. Desculpe a demora. Eu estava com outro passageiro. O rapaz aqui me explicou. Agora vamos nós. Para onde o senhor quer ir? - - falou Pipoca
Rizzo
--- Boa tarde velho amigo. Não sou eu só. Tem uma senhorita. Dona Olga. Ela vai ensinando o caminho. É na Cidade Alta. Eu vou buscar uma prancha para a moça não se molhar de toda. Espere. - - falo apressado
Depois de tudo, o carro seguiu caminho. Hora lento, hora depressa. Até alcançar a rua da Cidade. Olga insistiu em pagar. Mas Eduardo não quis receber. Olga antes de dizer “obrigada”, desceu do carro, na rua da Estrela e saiu correndo para destro de casa. Já em casa ainda agradeceu a espera pôr a moça. Eduardo fez de conta que ouviu. E disse até logo. Ainda no carro, Eduardo anotou o endereço de Olga e guardou o apontamento. Dali então rumou para a sua casa, na Praça Pedro Velho. Agradeceu ao motorista José Pipoca pela espera e o aguaceiro impiedoso e constante, o pagamento da conta, e saiu apresado para não se molhar de todo. Estava faltando luz na sua casa e nas demais. Eduardo indagou a doméstica.
Rizzo
--- Não tem vela aqui? - - indagou
Doméstica
--- Tem um pacote de velas. Sua mãe mandou comprar no sábado. - - explicou
Rizzo
--- Ainda bem. A Estação deu pane. A chuva. Como não tem luz, eu vou tocar piano. - -
Doméstica
--- Sua mãe está no quarto. Ela está rezando. Parece. - - articulou sem sorrir
Rizzo
--- Tem café? - - indagou
Doméstica
--- Sim. Está pronto. Tem bolo também. Sanduiches. Tem de tudo. - - explicou
Rizzo
--- Família rica só dá isso! - - gargalhou como se aquilo fosse verdade.
Já estava em 9 horas da noite. A luz chegou devagar acendendo para uns bairros e outros não. Na rua de onde morava a moça Olga Passos havia luz elétrica em algumas casas. Olga ficou contente por ter surgido luz.
Olga
--- Olha!!! Viva a luz. Eu já não tinha esperança. - - anunciou a moça cheia de alegria
Percília
--- Graças a Deus. Apague as velas! Já era tempo. - - relatou a sua mãe Percília.
A moça, mais que depressa iniciou o fim do apagão. Enfim veio a luz. Aos poucos em quase toda a cidade havia luz elétrica. Menos nos locais ermos e distantes, como Areia Preta, onde só havia mocambos, casas de palha e outros mais rústicos como Belo Monte, Lagoa Seca, um arruado pertencente ao cabo Belchior Pinto que trabalhava na Fortaleza dos Reis Magos em tempos antigos por volta de 1719. Quintas? Nem falar. Olga Passos estava feliz da vida. Ela sorria e gritava a um só tempo. O telefone de casa tocou três vezes. Olga atendeu. Nem sabia que era.
Olga
--- Pronto. Quem fala? - - perguntou depressa.
Rizzo
--- Sou eu. Chegou luz por aí? Sou Eduardo. Tudo bem? - - indagou
Olga
--- Menino? Como você sabe meu telefone? - - respondeu
Rizzo
---Sabendo! Não tem lista telefônica? Pois é. Ainda chove em Natal. E você? –
Olga
--- Não acredito. Ah. Tem sim. Como você soube? Ah meu Deus! Você apronta cada uma!
Olga sorriu e quase chorou. Ela estava quase assustada. Receber um telefonema àquela hora de um homem desconhecido? Era o ponto da discórdia.
Rizzo
--- Não apronto! É o cuidado que eu tenho por você. Sabe? A gente anda para m lado e para outro e se depara com uma moça que nem conhece. É isso. - - comentou
Olga ficou assustada com tanta cortesia àquela hora da noite. Mas, enfim, respondeu.
Olga
--- Mas, desculpe-me se eu sou assim inquieta. Onde você mora? Desculpe-me! - - perguntou
Rizzo
---Onde eu moro? Bem perto de você. Moro na Praça Pedro Velho. Aqui bem perto. –
Olga
--- Nossa Senhora! Jura que é verdade? Você tem esposa ou alguém que cuida de você. –
Rizzo
--- Ah, Tenho. Minha mãe. O meu pai morreu há alguns anos. Sou eu e minha mãe. –
Olga
--- É verdade? Não me engane! Se não. ....
Rizzo
--- Se não o que? Eu não minto! Nunca menti! E nem hoje. Pra que mentir? Se não quiser conversar mais, eu desligo! Mas é essa a verdade.
Olga
--- Não. Não. Espere. Eu sou assim. Desconfiada. Mas, me desculpe. Sou chata mesmo! - - sorriu
Rizzo
--- Tudo bem. Não tem importância. Amanhã nós voltamos a conversar. - - se desculpou.

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