Gene Tierney
13
ENTERRO
Na
segunda-feira, pela manhã, Sócrates estava em seu trabalho, em um edifício de
um andar mais o térreo, na Rua Dr. Barata quando observou de cima o estranho trajeto
de um lutuoso sepultamento. O carro fúnebre seguia à frente em seu silencio
sepulcral e logo após outros veículos, cada um com grinaldas para depositar
junto ao morto. Isso não era tão comum naquela estreita rua onde cabiam dois
carros e nada mais. Mesmo assim, Sócrates deu importância ao fausto sepultamento
a transitar por aquela artéria pouco lembrada por moradores de outros bairros. Com
razão o rapaz observou com bastante atenção a passagem do féretro seguido de
veículos dada a importância do morto. A morte do falecido tinha sido anunciada
nos jornais e a emissora de rádio da cidade. O féretro era do doutor Claudio Alcântara
de Melo, homem de tradição social na cidade no Natal tendo ocupado a
Presidência do Tribunal de Justiça por um longo período. Cidadão querido por toda
a gente influente da província e mesmo do Estado o doutor Claudio Melo, já
desembargador estava aposentado, porém todos os convivas teciam saudades por
sua gestão à frente do Tribunal de Justiça por longos tempos. Homem austero e
de pouca conversa, salvo com amigos mais chegados. Ele havia nascido naquela
rua há longo tempo e sempre desejou quando viesse a ser sepultado ser o cortejo
passar por aquela rua. Na cúpula da
Igreja do Senhor do Bom Jesus os acordes comoventes e melancólicos dos sinos
repicavam a um som em compasso angustioso e lento estimando à lembrança do importante
morto. Era então a hora da despedida para o magistral homem das letras. Pelo
sabido de fontes acadêmicas o Doutor Claudio Alcântara de Melo tinha escrito
diversos volumes, principalmente sobre a tardia seca do Estado onde ele nascera.
O caso, para Sócrates, teve grande importância pelo morto ser padrinho do seu
patrão Augusto Novais. E não por acaso ter Sócrates acompanhado com o seu olhar
todo o féretro. As lojas de comercio fecharam suas portas como justa homenagem
ao ilustre fidalgo desaparecido. O rapaz teve oportunidade de ver o auto do seu
patrão a conduzir soberbo acoplado a sua esposa e as duas filhas do casal. Era
o tempo de contrito rezar.
Com
o passar das horas Sócrates se voltou ao seu afazer. Ele estava a cuidar dos
livros do escritório e receber a moça dos seus 18 anos que chegava pela
primeira vez para o seu novo emprego. Com certeza a virgem não sabia de nada e
estava apenas à espera do que o rapaz dissesse o que teria de fazer, como
espanar os moveis ou outra coisa qualquer. Mesmo assim não foi decerto que
Sócrates se posicionou. E indagou com calma:
Sócrates:
---
Teu nome? – indagou.
Moça:
---
Norma. Norma Balistiero. É italiano. Meu pai. – decifrou a moça.
Sócrates:
---
Hum! Belo nome. Balistiero. Você já trabalhou em alguma loja ou escritório? –
quis saber.
Norma:
---
Eu, nunca! Esse é o meu primeiro trabalho. Eu cuido sempre da minha casa. – fez
ver.
Sócrates:
---
A senhorita saber bater máquina? – indagou com paciência.
Norma:
---
Eu fiz o curso. Sete meses. Aqui está o diploma. – lhe entregou o certificado
de conclusão
Sócrates
passou vistas no certificado e em seguida lhe disse:
Sócrates:
---
Bem. Já é um bom proveito. A senhorita fica naquela mesa onde está a máquina e
aonde tem uns papeis para datilografar. Deixe-me os seus documentos para o
registro formal. O chefe da repartição, como a senhorita deve saber, é o doutor
Augusto Novais. Ele está um pouco tardio pois foi a um sepultamento. Certo? –
dialogou.
Norma:
---
(Eu) compreendo. Com licença. – e se voltou para a mesa de datilografia.
Ao
se postar na máquina de datilografia, Norma Balistiero notou a existência de um
livro, por sinal de teor espírita, e não quis mais folhear o volume por ser do
chefe ou do seu auxiliar, com certeza. No entanto Norma foi por demais astuta e
embora com o volume fechado, notou algo que depressa o identificou. Muito
embora soletrando o seu datilografar, observou no compêndio algo bem mais
salutar. O livro tinha em seu início a palavra “Arcano”. Um profundo segredo; um mistério. Algo de surpresa lhe sacolejou o cérebro. Muito
embora o livro estivesse fechado, de modo sutil Norma indagou ao seu superior
que estava no seu local de trabalho o tal enigmático e por demais desconhecido
tomo.
Norma:
---
Com licença. Esse livro é do senhor? – indagou cismada.
O
rapaz, com surpresa, declarou:
Sócrates:
---
Ô! É. Pode deixa-lo guardado na gaveta! – disse o homem como por descuido.
O
livro focava o conhecimento misterioso às pessoas comuns. Uma essência secreta
ou remédio: um elixir. E destacava o livro: “No coração de toda grande tradição
mística e religiosa persiste um segredo, uma verdade universal: O Grande Arcano”. Ao longo da história
foi expressamente proibido revelar os segredos do Grande Arcano ao público.
Assim seus mistérios permaneceram um legado oculto velados por histórias
místicas e pela herança mundial da arte e literatura para todos admirarem.
Alguns imitarem, mas poucos entenderem. Escondida nas faces silenciosas dos
monumentos egípcios sob o olhar dos deuses védicos entre as linhas dos antigos
livros de alquimia e nos atormentando pelos mitos astecas e maias a essência da
Doutrina Secreta sempre esteve presente. Durante toda a história da humanidade
somente os poucos eleitos foram iniciados nos mistérios desta Grande Verdade
Universal e estes poucos guiaram o resto da humanidade e deram a ela os
símbolos externos desta Verdade como orientação. Pois o Grande Arcano, o segredo dos segredos,
era ferozmente protegido e oferecido apenas aos que tinham provado sua pureza
moral e confiabilidade. Mas como a humanidade se degenerou em barbarismo e
crueldade, o conhecimento divino foi ocultado para sobreviver em bolsos
isolados ao redor do mundo. Por muitos séculos o Grande Arcano tem acenado à
humanidade por detrás de histórias e mitos que o velavam. O conhecimento que
ele entrega é universal e se aplica a todas as verdadeiras religiões e
tradições místicas. Quer seja a serpente de Adão e Eva da tradição
judaico-cristã, a serpente alada de Quetzalcoatl da tradição asteca, as serpentes
escalando o caduceu do deus grego Hermes ou as serpentes das tradições hindu ou
budista, todos estes símbolos contêm o mesmo ensinamento. Enfim, depois de
séculos de escuridão e ignorância, chegou a hora desta doutrina secreta ser
revelada.
SEXO
Todas
as religiões são joias preciosas no cordão de ouro da divindade. A palavra “Religião” deriva-se da raiz latina “religare”, que significa “União”. A palavra “yoga” é derivada da
raiz sânscrita “yug”, que também significa “união”. Em sua base, as diferentes
tradições do oriente e ocidente descrevem a mesma meta: “União com a
Divindade”. As tradições religiosas provêm o mapa que deve ser seguido para se
alcançar a unificação com o Divino. Toda religião busca expressar o mesmo
núcleo de conhecimento. Mas são necessárias as ferramentas certas para ler o
mapa. Com as ferramentas certas e o uso adequado delas um aspirante de qualquer
religião ou tradição pode entrar no conhecimento da experiência direta com o
Divino. Pode ser visto, então, que existe na verdade uma única ciência, um
único caminho, mas aparecendo com diferentes nomes e faces. “Porque estreita é
a porta e apertado o caminho que conduz à vida, e são poucos os que a
encontram”. Em suma: “a porta é a abertura da entrada para aonde o órgão sexual
masculino penetra para despejar o sêmen lá dentro e conceber o seu filho ou
filha”. Em grego, o caminho estreito é chamado “Gnosis” que significa
“conhecimento”. Em hebraico, o mesmo caminho estreito é chamado “Daath” que
também significa “conhecimento”. Este caminho é representado pela famosa Árvore
do Conhecimento - “a mulher” - no livro de Gênesis. E a pista para se entrar na
experiência direta de Deus “na bíblia hebraica se registra “Deuses” pode ser
encontrada através do entendimento do símbolo da Árvore do Conhecimento – o
conhecimento do homem com a mulher. – o ato sexual - O Gênesis, o ensinamento judaico-cristão
da criação foi escrito como um meio para se transmitir o conhecimento do Grande
Arcano para aqueles que tivessem “olhos para ver e ouvidos para ouvir”. Sua
origem foi influenciada por ambas as tradições oriental e ocidental a fim de
prover a humanidade uma chave contida na fundação de todas as grandes religiões
do mundo.
- oOo -
Eram
11 horas da manhã. Por conseguinte, a hora do almoço dos funcionários. No
escritório, Norma Balistiero nada falava. O chefe geral ou patrão dos
funcionários, Augusto Novais, tinha chegado bem tarde e, possivelmente ainda
tinha muito o que fazer. O sepultamento do seu padrinho, Claudio Alcântara de
Melo atrasou bastante, com os profundos sentimentos de pesar expressados por
cada qual e isso retardou densamente o féretro. Além disso houve discursos de
velhos amigos, a fala do Governador do Estado, oração ao pé do tumulo pelo
vigário e mais e mais. A moça esperava o sinal de saída para poder ir de vez e
voltar a uma hora da tarde. Na certa alguém falaria com Norma, certamente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário