O CÉU
05
E
o debate prosseguiu por longas horas entre Sócrates e Canindé tendo ouvinte a
irmã do segundo, a infante moça Racilva. Na verdade, a infante apenas fazia
ouvir a preleção do rapaz com os seus olhos bem acesos cambiando para um lado e
para outro, onde a conversa interminável entre os dois prosseguia em
consequência. Entre os demais temas surgiu o delicado tema do céu, esse local
para onde todos têm que ir um dia após viver na Terra. Mesmo assim, o céu não
tem nada de claro. Esse é um ambiente escuro, sem luz, totalmente negro. Apenas
as estrelas – tal como o Sol – se pode enxergar do outro lado da Terra. O Céu é
um ambiente noturno não sendo possível se enxergar algo visível a olho nu. À
noite, aqui na Terra, ao se enxergar o Céu, apenas se vislumbra algo negro e
sem luz alguma a não ser a luz emanada das estrelas, muitas das quais bem
distantes e algumas já não existindo, chegado com muito atraso a sua luz. O
Universo é infinito e as estrelas e galáxias são distribuídas por esse
Universo.
Sócrates:
---
Na verdade, o Céu é uma “divindade” filho de Urano, marido de Terra que se
chama Gaia. Esse conjunto se forma como os pais dos Titãs. Em geral aceita-se o
“mito” de Céu como esposo de Gaia (a Terra) – falou de modo delicado.
Canindé:
---
Eu não entendo muito bem o que você me diz. Eu queria saber para onde nós vamos
depois da morte? – indagou severo.
Sócrates
olhou bem para Canindé antes de começar a responder. Racilva ficou atenta ao
falar do visitante com uma visão penetrante querendo saber se de fato o rapaz
teria meios de falar com precisa sabedoria. E foi assim o que ocorreu.
Sócrates:
---
Bem. Vejamos. Há estudos de Universidades onde mostram os bebês já nascendo
sábios. Essas crianças de tenras idades já sabem antes de completarem um ano de
vida. Elas sabem de tudo, inclusive dos objetos circunstantes. A Doutrina
Espírita entende, desde a codificação que os espíritos já encarnam com o
conhecimento adquirido nas vidas passadas. Assim como a encarnação tem um
período médio, há também um período médio entre encarnações. O que ocorre logo
após o desencarne é uma das grandes curiosidades dos seres humanos. Tanto que a
maior parte tem medo de morrer porque não sabe o que virá. A pessoa tem receio
do desconhecido. No entanto, o desencarne não é tão assustador. Ao contrário:
Seria uma continuidade do aprendizado conseguido enquanto encarnado. É um
aprendizado de evolução. – falou muito sério.
E
continuou Sócrates o diálogo para nortear de uma forma bem melhor para onde
seguem os espíritos logo após a morte do corpo, mesmo sendo de um ancião.
Sócrates:
---
Você, ao morrer, não vá pensando onde está fulana ou sicrana. Querer encontrar
outras pessoas ou seres já mortos ou desencarnados: nem pensar. Quando se morre
não se fica ao leu, por aí, vagando. Todos os espíritos ao morrer o corpo serão
recebidos por outros espíritos, não raro seus parentes ou da mesma afinidade.
Quando não, o espirito segue o igual caminho que ele deseja. Sempre haverá
espíritos que tem um maior ou menor entendimento. O espírito sempre é um só,
apenas do outro lado da vida. – explicou.
Canindé:
---
É danado mesmo! Eu não vou encontrar nem um amigo de infância? – perguntou
irado.
Sócrates
sorriu e ao mesmo tempo desmanchou o riso. Racilva, estando ao lado de ambos,
sorriu franco, pois lembrou de amigos mortos em acidente de carro. E deixou de
sorrir esperando a resposta, afinal a questão também lhe interessava.
Sócrates:
---
Veja bem. Na lei – digamos: “divina” – não há privilégios. O meu ou o de algum
ente, ao passar para o outro lado da vida vai se submeter apenas as suas ordens.
Não raro, um espirito vem ao mundo para indagar sobre um ente – talvez querido
– e esse espírito não vai ao ente que ele procura. Ele está vindo a outro ser
vivente. O porquê disso não sei dizer. Mas é uma questão de acertos. Eu vi uma
moça dizer ter sido perguntada por um espírito como estava o seu filho. Esse
filho continuava aqui. A sua mãe já havia falecido. Então: por que a mulher não
foi ao próprio filho? Enigma! Esse caso tem muitas variações! A vida no mundo
espiritual é bastante movimentada. A questão é que não se fica parado na
espiritualidade. – disse ainda.
Racilva
participou do diálogo e quis saber mesmo se o espírito ao se desencarnar como
fica a sua situação financeira. E Sócrates respondeu:
Sócrates:
---
Moça. Espírito algum tem situação financeira. Você me pergunta por dinheiro. O
homem vive para si. Tem casas, lojas, edifícios, aviões, navios, trens e muito
mais. Porém, ele descobre quando se passar para a vida espiritual nada disse
ele levou. Entretanto, tem uma questão: a família espiritual tem riquezas como
não se tem aqui. Essas riquezas são fluidas o qual se passa para todos. Mas, egoísmo,
orgulho, vaidade. Isso desaparece. Agora, os que ainda estão ligados à matéria,
quando passam, então se nota constrangido a procura de receber os seus ganhos,
pois ele não percebeu ter se deslocado da vida terrena para a vida espiritual.
– confirmou.
Canindé
ficou calado por alguns momentos e com a cabeça abaixada a olhar as folhas
mortas caídas ao chão vindas de uma árvore existente em um pomar de sua casa.
Um caso fortuito de residências ao largo da avenida onde famílias não tão
pobres habitualmente residiam entre os pingos de água de uma torneira deixada
aberta por esquecimento ou coisa assim. Pássaros canoros a voltear em torno do
extenso quintal repleto de cheiro de mato. Um grito estridente de uma mulher a
chamar o seu filho em uma casa não tão distante ou um rapaz a oferecer os
jornais da manhã chamando a atenção para um crime cruel. O bonde a passar fazia
algo de qualquer coisa habitual quando o motorneiro pisava no atroz apito
alertando o humilde caminhante pessoal quando vinha ou não da rua do mercado ao
longe. Alguém voltar de seu lugar distante com o trompete ainda a tocar uma
melodia imortal e enigmática de acordes dissonantes. Essa era a vida do
amanhecer.
Canindé:
---
Céu. Céu. Afinal o que é o Céu? Bem sei que o Mundo é cadeia imortal onde todos
nós viventes nunca chegaremos ao seu fim. É muito longe. É infinito. Mas, por
que dizer que eu irei para o Céu? – perguntou.
Sócrates
imensamente sorriu. E logo após, parou. E falou:
Sócrates:
---
A definição sintética de Céu é o estado de consciência. Haverá no Universo
lugares circunscritos para as penas e gozos inerente ao grau de perfeição. Cada
uma tira de si mesmo o princípio de sua felicidade. E como eles estão pôr toda
a parte, nenhum lugar existe destinado a uma ou outra “pessoa”. Ou seja:
“Espirito”. O inferno e o paraíso não existem. Pôr toda parte há Espíritos. –
completou o rapaz de uma forma suave ao se expressar.
Canindé:
---
Entendo. Entendo. Quer dizer que agora eu estou tendo uma noção do espiritismo.
– destacou
A
conversa prossegui por uma infinidade de tempo com as explicações enumeradas
pelo jovem Sócrates enquanto não chegara a hora do almoço.
Passaram-se
dias quando Canindé saiu de sua augusta residência buscando o roteiro do Cante
do Mangue onde havia a chegada dos barcos de pesca. O local era remoto. Por
isso mesmo, Canindé se pôs a bordo de um Bonde saindo da Cidade e ficando na
Ribeira. Dali então era uma tirada e tanto seguindo o rapaz por meio de lamaçal
vez haver em todo o trecho vasto manguezal por onde muitas vezes até mesmo os
moradores seguiam por outros caminhos para não ser atropelado pela lama a
brotar cheia do extenso Cais do Porto onde atracavam os navios de cabotagem.
Era manhã e Canindé seguia com bastante cuidado do lamaçal existente no caminho
onde havia uma ponte de madeira com três ou quatro paus de coqueiros. O rio
agitado por suas fortes marés enchia de limo o terreno ao lado. Nesse ponto,
outro cavaleiro seguindo a pé igual a Canindé quis fazer conversa no local onde
estava a ponte de madeira. Canindé se atropelou no atravessar por causa da
conversa do senhor. Este sorriu a seu modo. E ainda perguntou:
Estranho:
---
Vai ao Canto? – indagou a sorrir o estranho.
Canindé:
---
E o meu desejo. - refletiu o rapaz.
Estranho:
---
Cuidado com as ostras. – advertiu o homem.
Canindé
não bem sentiu nada do que o homem falava e nada respondeu. Ele simplesmente
prosseguiu caminho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário