
SEGREDOS DE RACILVA
INICIO
CINEMA
Tarde de sol, carros a passar de um lado e do outro, uma Cigarreira a vender revistas e guloseimas, crianças a comprar confeitos, chicletes. Rapazes a verificar revistas recentes, em dequadrinhos. Racilva Muniz, em sentindo contrário, percorria com cautela os cartazes do cinema que estavam programados para ser projetado naquela morna solitária e meio fim de dia. Cartazes apenas. Fotos de amores em preto e branco. Um homem se aproximou mais de perto e logo foi dizendo que “se a marca é Cica, bom produto indica”. O homem quarentão saiu logo, com seu passo firme, atravessando a rua. Uma moça vestindo roupa de cores estampadas, se aproximou e quis saber.
Kátia
--- Parece ser bom. – - relatou.
Racilva voltou a vista e logo disse, fazendo um sorriso de agradecimento.
Racilva
--- Sim. É italiano. - - respondeu
Kátia
--- Ah! Se fosse francês! Mas, você vai assistir? - - indagou.
Racilva
--- Sim. O diretor é muito bom. Vittorio de Sica. Eu já outros filmes dele. - - ressaltou.
Kátia saiu para a porta gigante de entrada do Cinema, tendo pesquisado outros cartazes anunciando para “breve”. Gente entrando pela portinha de ferro e deixando um ingresso. Em uma portinha uma moça vendia os ingressos de entrada. Racilva entregou o seu bilhete e se dirigiu a um rapaz que vendia chicletes. Após ser atendida, Racilva tomou rumo para o interior de palácio de espetáculo: o Cinema. O salão estava meio claro e a cortina ainda fechada. Uma música nostálgica dava as boas-vindas aos transeuntes. Ventiladores gigantes faziam a vez de espantar o ar em todas as direções. Comum pouco de tempo, chegou a moça, Kátia. Pediu licença e logo sentou em um acolchoado todo forrado. Em seguida, indagou.
Kátia
--- Confeito? - - ofereceu-lhe
Racilva
--- Eu os tenho. Hortelã. Queres um? - -
Kátia
--- Dê-me um. Para provar o gosto ardente. - - sorriu.
Racilva
--- Tem pouca gente. Meio de semana. - - disse isso apreciando para um lado e outro.
Kátia
--- Você vem sempre ao cinema? - - indagou
Racilva
--- Às vezes. Mas, nem sempre. - - contestou.
Kátia
--- Casada? - - olhando o dedo da mão esquerda.
Racilva
--- Viúva. - - e encolheu a mão
Kátia
--- Tão jovem. - - observou
Racilva
--- É a vida. Casei sedo. Meu marido era aviador. E morreu em desastre de carro. Nós tínhamos casados naquele dia. E voltávamos para a casa. Então, um carro cruzou com o nosso e bateu em cheio. Ele morreu na hora. Eu fiquei sem sentido por vários dias. O outro, escapou. E debandou. - - declarou quase chorando.
Kátia
--- Covarde! Um cara desses é um covarde! Nem foi preso? - - averiguou.
Racilva
--- O processo ainda está rolando. Ele, meu marido, me deixou um filho. Eu o chamo de Junior. Caio Junior. O pai era também Caio. Coloquei o nome do pai. - - articulou
Uma lágrima caiu solitária pela face da bela Racilva, 24 anos de idade, e ela passou o lenço a enxugar a face.
Após as horas ternas, chegou ao fim o drama na tela. O pessoal que assistia o drama se levantou e saiu todos a comentar o que se projetou. Racilva e sua companheira de sessão, Kátia, também saíram. A moça, conversava ter perdido bom tempo da peça, uma vez que por várias vezes teve cochilando. E reclamava por demais.
Kátia
--- Dormi o tempo todo. - - abusada.
Racilva
--- Notei. - - sorriu
E as quase amigas saíram pela rua Assú, recanto já sem sol, uma vez o ocaso descambara no horizonte. Dois jovens saíram de uma estação de rádio a conversar e sorrir. Carros partiam do acostamento. As duas moças atravessaram a rua com um passar ligeiro. Do outro lado da rua um homem idoso caminhava a balançar os braços sem nada falar. Uma doméstica caminhava com um saco de pão. Era a vida, então.
Kátia
--- Mora aqui perto? - - indagou
Racilva
--- Sim. Logo após a esquina. Bem próximo. E você? - - averiguou
Kátia
--- Perto da Praça dos brinquedos. Lá...- - aduziu
Racilva
--- Teu nome? - - investigou
Kátia
--- Eu? Kátia Sobreira. Estudo piano. Por isso o meu cochilar no cinema. Tenho aula, hoje à noite. - - sorriu
Racilva
--- Já me livrei desse problema. Agora, não faço nada. Só recebo a pensão do marido. - - relatou
Kátia
--- E o filho? - - indagou
Racilva
--- Sim. O filho. Junior. Um encanto. Ele é a minha vida. - - declarou
Kátia
--- Eu não tenho namorado. E nem estou procurando. Quero apenas estudar. No final dessa semana tenho um concerto. Eu e mais quatro arranhadores de pianos. - - sorriu.
Racilva
--- Arranhadores? - - com surpresa
Kátia
--- Sim. Arranhadores. - - sorriu.
Racilva dissimulou o sorriso querendo respeitar a intenção da pianista. E indagou, então.
Racilva
--- É aberto ao publico esse recital? - - quis saber.
Kátia
--- Para todos. É no auditório da Escola de Música, na Praça. Em frente a praça, bem dizendo. Se você quiser, pode ir. Está aqui o convite. Vá lá. Meu nome é Kátia. Kátia Sobreira. - - declarou
E as duas moças partiram, então, se despedindo para cada qual a seu lugar. Um vento morno soprou forte erguendo as vezes de Racilva por um instante.
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