sábado, 11 de julho de 2015

LAÇOS DE TERNURA - 32 -

- JANGADEIRO -
- 32 -
DIÁLOGO -

Nessa manhã sem chuva, como ocorreu dias passados, estavam, ainda, a conversar na sala de janta as duas mulheres, dona Noêmia e a cozinheira Noca, admitida há poucos dias no trabalho da residência de Dalva Lopes Baldo, num dia chuvoso. As outras mulheres, Walquíria, a madrinha de Ciro, e a mãe do rebelde, Dalva, estavam na sala ampla onde conversavam ao telefone com Amanda sobre os destinos dos corpos das vítimas do acidente do avião, há uma semana. Sem ver motivo de saber, com o seu garoto ao lado, dona Noêmia conversava assuntos vazios com a cozinheira por ter nada a fazer, então. Para Noêmia, era tudo muito esquisito naquela residência por ter um amplo terreno, plantas, roseiras entre tudo mais. Apesar de ser uma professora, a mulher era bem devagar com o progresso no resto do mundo. Quase não conhecia ninguém e o seu diploma foi obtido numa festa política por parte de um candidato a vereador. Esse homem sumiu de vez após perder nas eleições competidas. A casa humilde de Noêmia ficava em um resto de praia onde não havia água e luz. Quando muito, nas casas tinha apenas um candeeiro e uma lamparina. Na bodega do lugar, tinha um candeeiro a carbureto. Era ele, o bodegueiro, o homem rico do lugar. Os pescadores da acidentada praia trocavam bebidas por peixe, isso quando sobrava um pouco. De resto, os pecadores buscavam feijão, farinha, açúcar (bruto) e fumo para mascar. E, de quando em vez, café e batata doce. E era isso que as duas mulheres conversam sem sorrir. Noêmia, ainda mais acanhada. Dona Noca era mais despachada. Ela nasceu e sempre viveu na cidade (grande) e trabalhou em casas de gente rica. Era tudo o seu saber:
Noca:
--- Nasci me criei aqui mesmo, na rua do Motor! – Respondeu a mulher
Noêmia:
--- Motor? O que é isso? – Indagou estranhando.
Noca
--- Motor? Era um motor de puxar água para a gente ir buscar. Antes, não tinha motor. E o pessoal buscava água na praia ou nas cacimbas feitas no meio do caminho. Era assim, mesmo. –
Dona Noca fazia os arranjos do almoço e conversava com a outra mulher um tempo só. O garoto, José Patrícia apenas observava a conversa e de quando em quando verificava os passarinhos nos pés de manga ou cajueiro como se tivesse louco para pegar um deles. A sua mãe o advertia. E José findava sem fazer coisa melhor. E se acoitava junto a mesa de uma cozinha muito bem arrumada.
Noêmia:
--- A carestia tá grande. A gente, na praia, só como angu com peixe. Isso quando dá. No almoço, quando serve, feijão e farinha. Tem um homem metido a rico que vai por lá nos finais de semana buscar a renda que sobra da pescaria feita pelos jangadeiros do lugar. Mas os jangadeiros passam o monte de dinheiro que apuram a um empregado de homem rico. Aliás, nem apuram. Eles só recebem o resto do peixe. E dos pequenos. Os grandes, ficam para o dono das jangadas.
Noca:
--- Tem peixe grande? – Indagou.
Noêmia:
--- Cada um que não tem mais tamanho. O capataz leva tudinho numa carroça de burro. É uma loucura. Mas tem tempo que não dá peixe grande. O pescador passa de três a quatro dias em mar aberto. – Disse mais.
Noca
--- Aqui, também dão uns bagres. Os homens da praia puxam a rede para apanha um cardume. Tem até peixe grande. O dono dos barcos come tudo. A meninada se aproveita dos miúdos. –
Noêmia:
--- Esse aqui – e apontou seu filho – por mais de uma vez viu tubarão na beira d’água. –
José
--- E baleia, também. Vi logo duas. Elas entraram de praia a dentro e não quiseram mais voltar.
Noca
--- Baleia, em não vi. Apenas me disseram que um monte morreu na beira da praia. Foi até filmada pelos homens. –
Noêmia
--- Lá pelas brenhas, as baleias aparecem e somem sem que nem mais. Dizem ser elas as sereias.
Noca
--- Aqui nas pedras tem dessas sereias. Mas eu nunca vi. Só escuto contar sobre as mulheres peixe. – Arriscou
José
--- Quando é noite de lua, elas aparecem. Eu já vi uma. Bonitas. Parece um dragão. –
Noêmia
--- Tu visses nada. Deixa de conversa besta. Eu não vi que sou velha! Ora mais! – Zangou
José:
--- Vi sim. É porque a senhora nunca foi na praia de Ninguém. – Falou abusado.
Noêmia
--- Viu nada! Ora essa! Praia de Ninguém. Somente de Ninguém mesmo! Vai para lá. Você está fedendo a bosta! – Reclamou a mulher
O garoto sorriu foi para o alpendre ao lado. E de lá, sorriu mais. Dona Noca respondeu:
Noca:
--- Teu mal é bosta! Vai fazer cagar! – Respondeu a mulher
Nesse pondo, Walquíria vinha chegado e sorriu admirada.
Sorvetinho
--- Bosta? Quem cagou aí? – Indagou espantada
Noêmia
--- Nada não. É esse meio desaforado. – Reclamou
Sorvetinho
--- Eu vou dar um banho nesse! – Apontou seu protegido – Ele se abrenhou todo. Eu estou suja por causa do fezes do boneco. Hum! Catinga! – E sorriu
Noêmia:
--- Eu não sei o que faça! O médico quando vem? – Indagou
Sorvetinho:
--- No fim de semana ou no início da outra! – Declarou
Noêmia
--- Tanto tempo? E por que? – Perguntou
Noca
--- Quem sabe? Esses médicos são assim mesmo. Eu conheço um que sai de casa lá para o meio dia e não tem hora para voltar. –
Walquíria, no banheiro, respondeu.
Sorvetinho:
--- Enchendo a cara. Eu conheço um que é de manhã e à noite. Enche a cara. Só vive bêbado! –
E de mansinho, chegou a cozinha a senhora Dalva Lopes. Ouvindo a conversa, quis saber.
Dalva
--- Quem está bêbado? – Perguntou a olhar uma e outra das mulheres
Noca
--- Só conversando! – Respondeu
Dalva:
--- O enterro do Governador vai ser hoje à tarde. O homem está inchado. São 130 pessoas que foram resgatadas. Todas moídas. É uma fedentina total. Os tubarões agarraram um. Só tem o resto da cabeça! – Declarou decepcionada
Sorvetinho
--- Quem foi? – Perguntou abismada.

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