- JANGADEIRO -
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DIÁLOGO -
Nessa manhã sem
chuva, como ocorreu dias passados, estavam, ainda, a conversar na sala de janta
as duas mulheres, dona Noêmia e a cozinheira Noca, admitida há poucos dias no
trabalho da residência de Dalva Lopes Baldo, num dia chuvoso. As outras
mulheres, Walquíria, a madrinha de Ciro, e a mãe do rebelde, Dalva, estavam na
sala ampla onde conversavam ao telefone com Amanda sobre os destinos dos corpos
das vítimas do acidente do avião, há uma semana. Sem ver motivo de saber, com o
seu garoto ao lado, dona Noêmia conversava assuntos vazios com a cozinheira por
ter nada a fazer, então. Para Noêmia, era tudo muito esquisito naquela
residência por ter um amplo terreno, plantas, roseiras entre tudo mais. Apesar
de ser uma professora, a mulher era bem devagar com o progresso no resto do
mundo. Quase não conhecia ninguém e o seu diploma foi obtido numa festa
política por parte de um candidato a vereador. Esse homem sumiu de vez após
perder nas eleições competidas. A casa humilde de Noêmia ficava em um resto de
praia onde não havia água e luz. Quando muito, nas casas tinha apenas um
candeeiro e uma lamparina. Na bodega do lugar, tinha um candeeiro a carbureto.
Era ele, o bodegueiro, o homem rico do lugar. Os pescadores da acidentada praia
trocavam bebidas por peixe, isso quando sobrava um pouco. De resto, os
pecadores buscavam feijão, farinha, açúcar (bruto) e fumo para mascar. E, de
quando em vez, café e batata doce. E era isso que as duas mulheres conversam
sem sorrir. Noêmia, ainda mais acanhada. Dona Noca era mais despachada. Ela
nasceu e sempre viveu na cidade (grande) e trabalhou em casas de gente rica.
Era tudo o seu saber:
Noca:
--- Nasci me
criei aqui mesmo, na rua do Motor! – Respondeu a mulher
Noêmia:
--- Motor? O
que é isso? – Indagou estranhando.
Noca
--- Motor? Era
um motor de puxar água para a gente ir buscar. Antes, não tinha motor. E o
pessoal buscava água na praia ou nas cacimbas feitas no meio do caminho. Era
assim, mesmo. –
Dona Noca fazia
os arranjos do almoço e conversava com a outra mulher um tempo só. O garoto,
José Patrícia apenas observava a conversa e de quando em quando verificava os
passarinhos nos pés de manga ou cajueiro como se tivesse louco para pegar um
deles. A sua mãe o advertia. E José findava sem fazer coisa melhor. E se acoitava
junto a mesa de uma cozinha muito bem arrumada.
Noêmia:
--- A carestia
tá grande. A gente, na praia, só como angu com peixe. Isso quando dá. No
almoço, quando serve, feijão e farinha. Tem um homem metido a rico que vai por
lá nos finais de semana buscar a renda que sobra da pescaria feita pelos
jangadeiros do lugar. Mas os jangadeiros passam o monte de dinheiro que apuram
a um empregado de homem rico. Aliás, nem apuram. Eles só recebem o resto do
peixe. E dos pequenos. Os grandes, ficam para o dono das jangadas.
Noca:
--- Tem peixe
grande? – Indagou.
Noêmia:
--- Cada um que
não tem mais tamanho. O capataz leva tudinho numa carroça de burro. É uma
loucura. Mas tem tempo que não dá peixe grande. O pescador passa de três a
quatro dias em mar aberto. – Disse mais.
Noca
--- Aqui,
também dão uns bagres. Os homens da praia puxam a rede para apanha um cardume.
Tem até peixe grande. O dono dos barcos come tudo. A meninada se aproveita dos
miúdos. –
Noêmia:
--- Esse aqui –
e apontou seu filho – por mais de uma vez viu tubarão na beira d’água. –
José
--- E baleia,
também. Vi logo duas. Elas entraram de praia a dentro e não quiseram mais
voltar.
Noca
--- Baleia, em
não vi. Apenas me disseram que um monte morreu na beira da praia. Foi até
filmada pelos homens. –
Noêmia
--- Lá pelas
brenhas, as baleias aparecem e somem sem que nem mais. Dizem ser elas as
sereias.
Noca
--- Aqui nas
pedras tem dessas sereias. Mas eu nunca vi. Só escuto contar sobre as mulheres
peixe. – Arriscou
José
--- Quando é
noite de lua, elas aparecem. Eu já vi uma. Bonitas. Parece um dragão. –
Noêmia
--- Tu visses
nada. Deixa de conversa besta. Eu não vi que sou velha! Ora mais! – Zangou
José:
--- Vi sim. É
porque a senhora nunca foi na praia de Ninguém. – Falou abusado.
Noêmia
--- Viu nada!
Ora essa! Praia de Ninguém. Somente de Ninguém mesmo! Vai para lá. Você está
fedendo a bosta! – Reclamou a mulher
O garoto sorriu
foi para o alpendre ao lado. E de lá, sorriu mais. Dona Noca respondeu:
Noca:
--- Teu mal é
bosta! Vai fazer cagar! – Respondeu a mulher
Nesse pondo,
Walquíria vinha chegado e sorriu admirada.
Sorvetinho
--- Bosta? Quem
cagou aí? – Indagou espantada
Noêmia
--- Nada não. É
esse meio desaforado. – Reclamou
Sorvetinho
--- Eu vou dar
um banho nesse! – Apontou seu protegido – Ele se abrenhou todo. Eu estou suja
por causa do fezes do boneco. Hum! Catinga! – E sorriu
Noêmia:
--- Eu não sei
o que faça! O médico quando vem? – Indagou
Sorvetinho:
--- No fim de
semana ou no início da outra! – Declarou
Noêmia
--- Tanto
tempo? E por que? – Perguntou
Noca
--- Quem sabe?
Esses médicos são assim mesmo. Eu conheço um que sai de casa lá para o meio dia
e não tem hora para voltar. –
Walquíria, no
banheiro, respondeu.
Sorvetinho:
--- Enchendo a
cara. Eu conheço um que é de manhã e à noite. Enche a cara. Só vive bêbado! –
E de mansinho,
chegou a cozinha a senhora Dalva Lopes. Ouvindo a conversa, quis saber.
Dalva
--- Quem está
bêbado? – Perguntou a olhar uma e outra das mulheres
Noca
--- Só
conversando! – Respondeu
Dalva:
--- O enterro
do Governador vai ser hoje à tarde. O homem está inchado. São 130 pessoas que
foram resgatadas. Todas moídas. É uma fedentina total. Os tubarões agarraram
um. Só tem o resto da cabeça! – Declarou decepcionada
Sorvetinho
--- Quem foi? –
Perguntou abismada.
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