- UMBANDA -
- 09 -
VIAGEM -
Fazer viagem ao passado era
negócio singular. Para quem já fez uma dessas, como Salésia, era então,
emocionante. Poder rever casos misteriosos, experimentar comidas saborosas, ter
em suas mãos quantias estranhas em moedas que ela jamais tinha visto. Caminhar
montadas em animais, como burros, tomar banho de chuva em um cercado e não ter
como evitar. Era demais para uma virgem. Caminhar à noitinha era como se fosse
morar em um sitio ao longo de uma vereda a deixava embevecida. Mesmo fazer tudo
isso, não seria possível por apenas uma pessoa como Salésia. Por isso, ela
indagou de Julia se isso era possível uma vez que Salésia voltou uma vez a um
tempo remoto.
Salésia
--- Você me contou um fato que
viveu por certo tempo em uma cidade. Em qual cidade? - -
Julia
--- No sonho? Parece que foi em
Salvador. Uma cidade bem antiga. Bahia, propriamente dito. Mas, ao que parece,
eu era uma escrava. Quem sabe mais é dona Bonina, uma curandeira de origem africana.
Queres ir lá? - - quis saber
Salésia
--- Em sua casa? Ela reside
aonde? - -
Julia
--- Reside no Carrasco. Ela tem
um terreiro onde reside. Casinha simples. Quem chega lá, parece que está no
interior. Eu tinha 12 anos e fui com minha mãe. Ela é quem conhece Bonina, a
anciã. Já este bem velha. - -
Salésia
--- E ela recebe qualquer um? - -
Julia
--- Recebe. E tem a filha de seus
60 anos. Netos. Muitas pessoas vão procurar conselhos com a velha Bonina. Eu
estive lá recentemente. Esse ano ainda. Eu sempre vou tomar uns passes com
Bonina. Ela fala mansa, já um pouco trêmula. Usa saia rendada como se usava na
sua terra.
Salésia
--- Ela nasceu aqui, no Brasil? -
-
Julia
--- Creio que sim. Mas a família
era de escravos. Chegaram de Angola em navios negreiros. Bonina se diz “sacerdotisa”.
Mas dá pouca crença a quem duvida de suas bênçãos.
Salésia
--- Eu posso ir com você? Só para
ter a benção! –
Julia
--- Podemos. Que tal amanhã? Vou
chamar a minha mãe. Elas são amigas, por sinal! - - sorriu
Passada as horas, conversas
triviais, vidas passadas e tudo o que se lembrava Salésia. Já quase seis horas
da tarde, e as duas resolveram sair para se encontrar mais tarde. No meio do
caminho, Salésia cruzou com um ancião não tanto conhecido. Apenas o conhecera
quando foi a bodega e ele já estava saindo. Dessa vez, o laço foi mais próximo.
Ele, já bastante idoso, se acercou da moça e disse apenas:
Ancião
--- Não fale nada de suas vidas
passadas. Nem que morreu degolada. - - falou murmurando
Salésia ficou atônita, pois o
velho nem conhecia a moça. E falar em Maria Antonieta, da França, não era
prudente para a moça. Talvez alguém contou ao velho esse incidente. E ela
indagou.
Salésia
--- Quem é o senhor, meu velho? -
- alucinada
Ancião
--- Apenas um velho. - -
respondeu e saiu trôpego
Maria Antônia nascera em Viena,
em 1755, foi arquiduquesa da Áustria e Rainha da França, filha de Francisco I
do Sacro Império Romano e findou casando com Luis XVI. Ela era detestada pela
Corte que a chamava de “cadela” e do próprio povo que a acusava de perdulária.
Em 1793, Maria Antonieta foi julgada e condenada por traição, tendo sido
guilhotinada. Após a severa morte de Antonieta começou a Revolução Francesa.
No dia seguinte, as três horas da
tarde, as três pessoas, Salésia, Julia e Lindalva, mãe de Julia, embarcaram em
um auto de aluguel, seguindo para o destino apontado pela mulher. Com todos os
catabirros existentes, elas, enfim, chegaram ao Carrasco após tenebrosa
aventura. A velha residência de dona Bonina estava mais velha, quase caindo. Os
filhos não davam a menor importância aquela tapera. Por vezes, um homem fazia
retoques nas paredes enquanto de outros que chamavam de pedreiros, vinham e
faziam uns rebocos para evitar uma queda a qualquer instante. Na tenda, no lado
do quintal, o caso era bem melhor uma vez que os participantes das festas de
Umbanda faziam de tudo para organizar o melhor possível. Ao entrar pelo lado de fora do casebre, as
três pessoas foram encontra no espaço ao lado a senhora Bonina, uma mulher já
idosa e de cor mulata. Por lá, muita gente e dona Lindalva foi a benção a Guia
do terreiro, Bonina.
Lindalva se ajoelhou e lhe pediu
a benção falando por certo.
Lindalva
--- Lembra-se de mim, mão Bonina?
- - e sorriu
Mãe Bonina, muito gorda, de cor
negra, sorri contente respondendo.
Bonina
--- Claro, minha filha. Eu não
esqueço nunca das minhas médiuns. –
Lindalva
--- Eu venho hoje trazendo uma
nova filha para a senhora abençoar! - - dizendo isso, chamou a moça Salésia
Salésia
--- Sua benção, minha mãe! - -
curvando a cabeça.
Bonina
--- Menina, por onde andavas? Há
quanto tempo! Pelo visto perdestes a cabeça. - -sorriu
A moça nem sabia o que responder.
E um Guardião se aproximou a bendita moça e falou em seu lugar
Guardião
---A moça quer somente a sua
benção minha mão Bonina. – e se envergou de mãos postas
Bonina
--- Eu sei. Eu sei. Quem pode
negar uma benção a uma Rainha? Ela te abençoou, minha irmã. Tome maior cuidado
de agora em diante. Veja os nomes que te cercam. Nunca se diz sim quando tem
dúvidas. Levante-se e vá em paz. - - sorriu arrastado
Guardião
--- Quem é essa irmã, minha mãe?
- - perguntou
Bonina
--- Ela? É uma Rainha. - -
relatou cheia de graça.
Salésia se soergueu e se afastou
com todo o respeito, sempre curvada e de mãos postas.
Após abençoar a todos, Bonina
quis falar apenas com Salésia bem ao longe. E disse-lhe algo medonho que a moça
desconhecia por completo e nunca dissera a alguém.
Salésia
--- Conte-me por favor a vossa
lição. - - falou baixinho
Bonina
--- Eu não sei quando vou morrer.
Isso, ninguém sabe. Porém eu posso falar por sua vontade. Eu tenho a informação
de meus irmãos de fé ter sido você a Rainha da França no século XVI e foi
sentenciada a morte anos depois. O teu nome era bem outro. Agora, quando
viestes, o teu pai resolveu trocar de nome. De Antônia passou a ser chamada de
Salésia, nome cristão que vem de Sales, uma Ordem instituída por um doutor da
Igreja.
Salésia
--- Com a senhora sabe te tudo
isso? - - perguntou alucinada
Bonina
--- Minha amada, tudo da vida a
gente sabe. Tudo. E tu já sabias desse nome. - -
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