- SOLEDAD -
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Na noite do outro dia, Isis Fernandes estava
pesquisando em seu computador algo mais sobre a história do Cabo Anselmo.
Faltava-lhe saber quando começou toda a Revolução e o que fez nascer o Golpe de
Estado de 64. Parte dessa história já havia sido desvendado apesar das
contradições com relação a presença do militarismo. Foi, então, que entrou em
cena, um pouco apressada, a amiga de Isis, a senhorita Moema Rabelo reclamando
horrores pelo tempo chuvoso a aceitar Roma. O seu protesto teve pôr fim a onda
de refugiados vindos do Oriente Médio amedrontados com a chuva de bombas caídas
sobre a Síria causando a morte de milhares de inocentes e adultos.
Moema
--- Que horror! Já começa a chover! Ainda por cima tem
os fugitivos da guerra da Síria! - - falou ríspida.
Isis
--- É mais na Alemanha. - - reportou sem perder a
reportagem.
Moema se desculpou. Mesmo assim, a Embaixada do Brasil
já estava pronta para conseguir os passaportes para os refugiados do Oriente
Médio. Meninos, moços, adultos e idosos. Pessoas que procuravam auxilio a todo
custo da Embaixada na esperança de pegar um navio para se deslocar para esse
novo continente como outros já conseguiram durante a II Guerra Mundial.
Moema
--- E hoje? Encontrou a história do soldado? - -
Isis
--- Está aqui. Veja. - -
Com relação a Cabo Anselmo, ele dizia ter sido chamado
assim por conta das divisas de Primeira Classe que ele ostentava no braço que
ele trazia da Marinha. Com relação a sua origem, ele declarava ter nascido em
Itaporanga, Sergipe onde viveu como um menino de classe média entre os muitos
amigos. Frequentou a Igreja onde o padre Artur Moura Pereira fazia escotismo
com as crianças entre outras aventuras. Além do mais, ele teve a formação
religiosa. O maior divertimento sentido era uma vitrola para poder ouvir as
canções de quatro discos do tempo antigo em 78 rpm. Aos domingos, a obrigação de
assistir a Santa Missa, inclusive os adultos. Ele, quando criança, fazia o
papel de “coroinha” ajudando o padre no oficio da Missa.
Indagado sobre a leitura, o Cabo Anselmo respondeu:
Anselmo
--- Eu gostava muito de ler. Quando eu entrei na
Escola eu já sabia ler e escrever. O meu aprendizado surgiu quando eu tinha
cinco anos de idade. A minha irmã, Rita, me ensinou a ler e escrever.
Entrevista
--- Seus pais viveram juntos a vida toda? - - indagou
a repórter
Anselmo
--- Eu fui criado pelo meu pai e a esposa legítima que
era a minha madrinha. A minha mãe foi “um pula a cerca”. Só que ele pegou o
filho e batizou para criar. A minha mãe era dona Joana. Ela já é morta. Era uma
mulher valente e trabalhadora. A parte de meu pai, era de classe média. Ele era
telegrafista dos Correios. De minha mãe legítima, era um pessoal pobre. Durante
os meus primeiros dez anos eu frequentei a casa de meus avós maternos onde eu
pescava, pegava ostras. - -
Entrevista
--- E em família se falava em ideologia? - -
Anselmo
--- Não. Não. Naquele tempo era PSD, partido do
Governo, e UDN, da oposição. E o meu pai era da UDN. Numa ocasião em que o
fazendeiro grande da região, a mãe dele compareceu lá em casa para pedir voto
do meu pai. E o meu declarou que votava com a UDN. Quero muito bem a Arnaldo
Garcez, fui companheiro de Leandro Maciel, candidato a Governador. No outro dia
a nossa casa apareceu pichada: “Cara Preta”. - - e sorriu
Cara Preta, com certeza, era o slogan para quem era
“do outro lado”.
Como foi sua mudança para Aracajú? - -
Anselmo
--- De Itaporanga, nós fomos morar em Aracajú. Antes,
eu fui sozinho. E me hospedei em uma pensão matriculado em um colégio Ginasial.
Em seguida, fui para a casa de uma tia, irmã de meu pai. Então, passei interno
no Salesiano. - -
Colégio Salesiano de Aracaju conhecido por Nossa
Senhora Auxiliadora.
Entrevista
--- Todos colégios católicos? - -
Anselmo
--- Todos colégios católicos. O catolicismo era o
“forte”. As famílias iam à Igreja. As crianças iam ao catecismo na Igreja. A
preparação para a Primeira Comunhão era um Cerimonial. Eu lembro que quando fiz
a Primeira Comunhão, me postei em uma cadeira tipo genuflexório tendo atrás uma
trepadeira “Romeu e Julieta”. Uma vela gigante com uma fita. E eu lá, com a
cara de bobo! - - sorrio.
Entrevista
--- (sorrido) - - Na Bahia foi quando o senhor se
engajou no Serviço Militar da Marinha?
Anselmo –
--- Exatamente. Eu estava com 16 anos quando o meu pai
morreu. Com 17 anos eu tinha que fazer o Serviço Militar. Eu tinha uma tia por
parte de pai morando do Rio de Janeiro e então eu resolvi viajar. Conhecer o
Mundo! E foi o que eu fiz. Me engajei na Marinha, fiz os exames na Capitania
dos Portos em Aracaju e um dia me chamaram e viajei de trem para Salvador, para
a Escola de Aprendiz de Marinheiro. - -
Entrevista
--- E essa escolha pela Marinha você fez motivado de
vontade de singrar os mares? - -
Anselmo
--- Ah. Exatamente. De viajar, conhecer o mundo. O mar
sempre foi muito fascinante. E a Marinha prometia: “Entre para a Marinha e
conheça o Mundo”. E eu entrei. Conheci uma parte do Mundo.
Entrevista
--- E em Salvador você ficou quanto tempo? - -
Anselmo
--- Em Salvador, um ano! Em 1958 foi o Juramento da
Bandeira. E a turma daquela Escola viajou num Transporte de Tropas “Ary
Parreiras” para o Rio de Janeiro. - -
Entrevista
--- Mas nesse meio tempo o senhor já estava lendo
alguma coisa de “comunismo”? - -
Anselmo
--- Não. Não. Não. Não. Eu lia muito. Eu estava na
Escola de Serviços de Marinheiros e era sócio da Biblioteca e eu li José Lins
do Rego, Humberto de Campos, tudo de Érico Veríssimo. - - gargalhou
Entrevista
--- O que você sentiu quando chegou ao Rio de Janeiro?
- -
Anselmo
--- Eu fiquei deslumbrado com a Baía de Guanabara.
Aquele cartão postal de poder ver Copacabana, o Pão de Açúcar, o Cristo lá em
cima. Aquilo era deslumbrante. E eu só
conhecia aquilo dos filmes.
Entrevista
--- E as namoradas? - -
Anselmo
--- Quando eu cheguei tive a intenção de retomar o
namoro com uma moça. Eu fui. E quando ela abriu a porta não era a pessoa que eu
tinha conhecido, na infância. Era uma pessoa totalmente diferente. - -
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