- Reese Witherspoon -
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PASTORIL
Naquela noite seu Ferrer era o
dono da festa. Sim. O dono porque todos os dias da semana, inclusive domingo
pela manhã e quase sempre parte da tarde, ele abria o seu boteco para atender o
pessoal da vizinhança, mais ou menos de cabo a rabo até onde o destino mandava,
e que ele chamava de freguês a todos os que estavam a fazer compras,
geralmente, fiadas ou melhor, fiado no dinheiro que recebia no fim do mês. Isso
era o “fiado”, ou seja, a confiança de pagar depois. Mas naquela noite, seu
Ferrer era todo o entusiasmo. Ele convidou uma lapinha para animar a noite.
Lapinha era uma festa tradicional dos tempos da minha avó ou mais para trás. A
se definir a reapresentação dos pastores que faziam louvação frente ao presépio
na noite de Natal. É tradicional no
folclore do nordeste do Brasil. Adoração de Jesus ao nascer. O pastoril tem de
tudo um pouco. A tentativa de rapto ao
Menino Jesus com a pretensa morte e ressureição da Contramestra, a sedução da
pastorinha, as previsões da cigana, o ofertório, despedidas e queima da
Lapinha. De todas as danças de ciclo natalino é o Pastoril o que se torna
conhecido com a sua tradicional Lapinha.
O Pastoril nasceu dos dramas
litúrgicos da Natividade, representados nas Igrejas, nos quais se assistia a
todos os episódios que envolvia o nascimento de Jesus. O auto do Pastoril com
sucessão de cenas, falas, cantos e danças, surgiu em Portugal, e, dessa forma
foi introduzido no Brasil. A existência do nome de “cordão” é devido a
influência poderosa da música profana carnavalesca. A denominação de cordão
azul e encarnado é por causa das cores votivas de Nosso Senhor e Nossa Senhora.
O aparecimento do presépio vem, dos fins do século XVI, no Convento dos
Franciscanos de Olinda, Pernambuco. O Pastoril teve seu grande momento nos
primeiros vinte e cinco anos do século XX. Em todo o Nordeste do Brasil os
autos Pastoris são grupos de pastoras, dividido em duas filas paralelas; uma
chamada Cordão Azul e outra Cordão Encarnado conduzindo, cada elemento, um
padeiro colorido.
As Pastorinhas são as
responsáveis pelo desenvolvimento do tema, transformando sua atuação em
verdadeiros entreatos do pastoril. É como as pastoras usarem na cabeça diademas
floridos feitos de cartolina com areia prateada. Elas usam colares reluzentes e
alpargatas. No meio dos dois cordões, surge a Diana, guia do grupo. A Mestra e
a Contramestra dos Cordões vestem-se igualmente. Todas conduzem instrumentos
rítmicos, como pandeiros. Os Pastores e Pastoras que tomam parte nos diversos
diálogos apresentam-se com uma bengala, símbolo dos pastores medievais. No Pastoril profano a figura do Velho,
espécie de bufão, de palhaço de circo, comanda as jornadas e se esparrama em
piadas, numa atuação que ressalta o histrionismo, a improvisação. Seus diálogos
com as pastoras são cheios de duplo sentido e, com o público, puxa discussão,
brincadeiras, faz trejeitos e canta canções adaptadas às suas necessidades.
A representação da borboleta, da
cigana, do pastor e do Anjo Gabriel é comum entre os grupos e simbolizam as
figuras que as pastoras vão encontrando no caminho até Belém de Judá. As
Ciganas, símbolo do mistério e da fatalidade correspondem a antítese do bem e
do mal. A Borboleta é o personagem mais puro e mais belo. Representa a própria
natureza. Também desfilam o Anjo, a Estrela do Norte, o Cruzeiro do Sul, além
de outras figuras que aparecem.
Essa era a festa patrocinada pelo
comerciante – seu Ferrer – nas noites brilhantes do natal onde a fantasia
imperava em todos os sentidos do espaço. Quando era já a hora pretendia por seu
Ferrer, a bodega era fechada para o começo da festança onde o público, em sua
maioria infantil, gloriava-se com as facetas do bufão e admirava-se por fim com
a Diana, as puras donzelas quando se apresentava para todos os convidados
presentes. Essa dança tradicional vinda para o nordeste era e é o ponto maior
da festa do Natal ainda hoje. Vindo das terras distantes do Portugal mante-se
ativo por todo o instante das vidas dos pequeninos assistentes desse sempre
drama. Era sempre ouvida e cantada as influentes marchas de uma Lapinha, como o
Boa Noite, Nosso Pastoril e mesmo a Cigana Bela. As crianças ali presentes
adoravam esse estilo. Cerca de uma duas ou mais durava a apresentação do
Pastoril a celebrar as harmonias das Pastoras onde estavam pequenas meninas a
abrilhantar a folia.
E seu Ferrer adorava aquela
folia. Mães dos meninos e meninas estavam arrumadas em grupo a aplaudir com
entusiasmo a festividade daquela noite de emoção e brilho. As mocinhas e
meninas de seus oito e dez anos de idade, eram quase todas nascidas no bairro
da festa. As mais adultas já eram de bairros mais centrais da capital. O
pastoril era organizado por seu Miguel dos Passos, homem já de certa idade.
Quando era feita a apresentação o idoso estava sempre presente, apesar de ter dois
filhos do enredo da fuzarca
Há o conceito muito vago sobre o
Jesus da Lapa. Essa história da Lapinha começa com um canto das pastoras (ou
pastores) quando seguiram para a cidade de Belém. Na época, quando Jesus
nasceu, o seu pai, José, foi para a cidade – onde era mais um povoado – de
Belém. A terra de Jose era Belém. Mas José compareceu ao censo em Nazaré, na
Galileia. Belém ficava na Judéia e era a cidade de descendência de David. Jesus
nasceu em Cafarnaum. No seu tempo, Nazaré era um lugar pobre, com 300
habitante. É como se tem aqui no Rio Grande do Norte: um vilarejo onde vive uma
comunidade. Belém, na época em que Jesus nasceu, era um pouco maior, com cerca
de 600 habitantes. Era costume, em sua época, quem morasse em um povoado teria
que ir a uma cidade próxima, mesmo de menor população, para fazer o seu Censo.
E então foi Jose de Belém para Nazaré. A origem do nome Lapinha é do latim e o
seu significado é de alguém vindo de outro lugar – a lapa – cheio de encantos e
proezas para levar alegria e amizade para outras comunidades.
E foi assim que se formou no modo
de se cantar o “Meu Jesus da Lapa”, ou seja, o jovem vindo de outras terras
alegre, fagueiro e cheio de encantos. “Jesus da Lapa” é apenas isso. Nessas
celebres prozas melodiosas se consegue supor ser a lapa um local de residência
onde o rapaz ou a moça vem se acercar em outra comunidade. No cancioneiro
popular brasileiro se tem o nome de Lapa, conhecida pelo Rei dom João VI como
local popular, bairro do então Distrito Federal. Lapa também segue para a
Bahia, onde existe o Bom Jesus da Lapa. É esse o nome de origem latina. O
Pastoril recorda a “lapa” onde Jesus nasceu. Isso quer dizer: o local, o
lugarejo. Nos presépios mais puros e mais apegados a tradição natalina recorda
a “lapa” onde Jesus nasceu ou seja, o lugar e é aonde se diz: “A nossa lapinha
já vai se queimar”.
O pastoril é colocado entre os
principais espetáculos populares do Nordeste brasileiro. De tais espetáculos
participa o povo ativamente com suas estimulantes interferências. A comunicação
entre o palco de a plateia se faz pelo seu conteúdo temático em sinal de agrado
e incentivo. É no teatro grego que se encontram as raízes dos espetáculos
populares do Nordeste do Brasil. Alguns deles fazendo da pancadaria sua mais
forte diversão vinda desde a comédia pastelão ao cinema mudo. Deve-se a São
Francisco de Assis, na Itália, na terceira década do século XII, em Greciom, a
primeira apresentação teatral da cena da Natividade. Uma espécie de prelúdio ao
Pastoril, presépios e lapinhas. Nas jornadas ainda atuais, tem uma: “Da cepa
nasceu a rama. Da rama nasceu a flor. E da flor nasceu Maria, mãe do Nosso
Senhor”. No Nordeste, os presépios surgiram nos fins do século XVI. Por volta
de 1840, começaram a aparecer sociedades com o fim de “dirigir a solenidade o
natalício do Messias”. Tais sociedades contribuíram para dar forma literária ao
Pastoril, tornando possível sua exibição como espetáculo.
O Pastoril é o presépio profano.
O presépio é uma autenticidade original, focalizando o nascimento de Jesus
sendo sempre iniciativa da comunidade religiosa. O pastoril – antigo ou moderno
- é representação da parte da iniciativa
leiga. Nos presépios mais puros, as jornadas finais fazem parte da queima da
lapinha, recordando a LAPA onde
nasceu Jesus. Isso consiste realmente na queima das palhinhas, local onde o
Deus menino nasceu, de verdade. E, como acontece com outros espetáculos
populares do Nordeste, inclusive em Natal, RN, o elemento cômico não podia
deixar de incorporar-se ao pastoril (profano). O burlesco e o cômico permitem
que o povo fique mais à vontade para participar de cenas e passagens do
espetáculo. Do desempenho ativo da comicidade encarrega-se o velho, também
chamado de Bedegueba. Sua função específica é fazer graça, com característica
adequada e roupa espalhafatosa. É o palhaço de um cerco. Ele se veste de um
fraque surrado, imenso paletó, colete, enorme colarinho, gravata tão grande que
faz lembrar a estola do padre, cartola de cano alto e chapéu de palhinha.
No Nordeste, o pastoril pode ser
considerado como forma precursora do teatro popular. Essa manifestação
artística, numa época em que não havia clubes sociais, muito menos rádio e
televisão era acontecimento que o povo aguardava com ansiedade e até num clima
emocional e de suspense. As pernas bem feitas da Mestra. Os seios atraentes da
contra-mestra. A voz harmoniosa da Diana. O rosto encantador da primeira do
encarnado. A capacidade de improvisar do velho palhaço, com suas fanfarronices
e suas invenciosidades. A orquestra do pastoril geralmente incluía o bombo,
trombone, pistão, clarinete, bombardino e pratos. Maracás e pandeiros
acompanhavam os cantos da mestra e contra-mestra.
Esse era o pastoril do velho
Ferrer, animado desde cedo com um palanque armado em frente a sua bodega ondas
as pessoas podiam levar as suas cadeiras para assistir mais confortáveis a danças
infantis das elegantes pastoras a riso de todas logo no início da bela noite de
verão. Os desaforados dos moços consentiam antever a sua preferência pelas
diletas infantes, tendo a Diana como a preferida. Serpentinas eram jogadas para
todas as dançarinas para dar mais um pouco de animação ao folguedo. O velho
Ferrer anotava os nomes dos atrevidos, uma vez que depois um alguém tinha que
pagar o pato.
Ferrer;
--- Deixa ele! Deixa leve! Depois
vem o muque! – alertava o velho mostrando parte do seu braço
As versões das jornadas de
abertura tinham maior participação popular;
--- “Boa noite meus senhores
todos. Boa noite, senhoras também. Somo pastoras, pastorinhas belas que alegremente
vamos a Belém! Belém! – (bis)
Estava iniciado o folguedo para a
noite toda. Na bodega de Ferrer, entre um caso e outro, Rato Branco, o seu
filho, despachava às escondidas, licores com um sabor mais forte pelas janelas
laterais da casa grande. E a animação
corria solta.
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