segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

À LUZ DA LUA - 27 -

- Reese Witherspoon -

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PASTORIL

Naquela noite seu Ferrer era o dono da festa. Sim. O dono porque todos os dias da semana, inclusive domingo pela manhã e quase sempre parte da tarde, ele abria o seu boteco para atender o pessoal da vizinhança, mais ou menos de cabo a rabo até onde o destino mandava, e que ele chamava de freguês a todos os que estavam a fazer compras, geralmente, fiadas ou melhor, fiado no dinheiro que recebia no fim do mês. Isso era o “fiado”, ou seja, a confiança de pagar depois. Mas naquela noite, seu Ferrer era todo o entusiasmo. Ele convidou uma lapinha para animar a noite. Lapinha era uma festa tradicional dos tempos da minha avó ou mais para trás. A se definir a reapresentação dos pastores que faziam louvação frente ao presépio na noite de Natal.  É tradicional no folclore do nordeste do Brasil. Adoração de Jesus ao nascer. O pastoril tem de tudo um pouco.  A tentativa de rapto ao Menino Jesus com a pretensa morte e ressureição da Contramestra, a sedução da pastorinha, as previsões da cigana, o ofertório, despedidas e queima da Lapinha. De todas as danças de ciclo natalino é o Pastoril o que se torna conhecido com a sua tradicional Lapinha.
O Pastoril nasceu dos dramas litúrgicos da Natividade, representados nas Igrejas, nos quais se assistia a todos os episódios que envolvia o nascimento de Jesus. O auto do Pastoril com sucessão de cenas, falas, cantos e danças, surgiu em Portugal, e, dessa forma foi introduzido no Brasil. A existência do nome de “cordão” é devido a influência poderosa da música profana carnavalesca. A denominação de cordão azul e encarnado é por causa das cores votivas de Nosso Senhor e Nossa Senhora. O aparecimento do presépio vem, dos fins do século XVI, no Convento dos Franciscanos de Olinda, Pernambuco. O Pastoril teve seu grande momento nos primeiros vinte e cinco anos do século XX. Em todo o Nordeste do Brasil os autos Pastoris são grupos de pastoras, dividido em duas filas paralelas; uma chamada Cordão Azul e outra Cordão Encarnado conduzindo, cada elemento, um padeiro colorido.
As Pastorinhas são as responsáveis pelo desenvolvimento do tema, transformando sua atuação em verdadeiros entreatos do pastoril. É como as pastoras usarem na cabeça diademas floridos feitos de cartolina com areia prateada. Elas usam colares reluzentes e alpargatas. No meio dos dois cordões, surge a Diana, guia do grupo. A Mestra e a Contramestra dos Cordões vestem-se igualmente. Todas conduzem instrumentos rítmicos, como pandeiros. Os Pastores e Pastoras que tomam parte nos diversos diálogos apresentam-se com uma bengala, símbolo dos pastores medievais.  No Pastoril profano a figura do Velho, espécie de bufão, de palhaço de circo, comanda as jornadas e se esparrama em piadas, numa atuação que ressalta o histrionismo, a improvisação. Seus diálogos com as pastoras são cheios de duplo sentido e, com o público, puxa discussão, brincadeiras, faz trejeitos e canta canções adaptadas às suas necessidades.
A representação da borboleta, da cigana, do pastor e do Anjo Gabriel é comum entre os grupos e simbolizam as figuras que as pastoras vão encontrando no caminho até Belém de Judá. As Ciganas, símbolo do mistério e da fatalidade correspondem a antítese do bem e do mal. A Borboleta é o personagem mais puro e mais belo. Representa a própria natureza. Também desfilam o Anjo, a Estrela do Norte, o Cruzeiro do Sul, além de outras figuras que aparecem.
Essa era a festa patrocinada pelo comerciante – seu Ferrer – nas noites brilhantes do natal onde a fantasia imperava em todos os sentidos do espaço. Quando era já a hora pretendia por seu Ferrer, a bodega era fechada para o começo da festança onde o público, em sua maioria infantil, gloriava-se com as facetas do bufão e admirava-se por fim com a Diana, as puras donzelas quando se apresentava para todos os convidados presentes. Essa dança tradicional vinda para o nordeste era e é o ponto maior da festa do Natal ainda hoje. Vindo das terras distantes do Portugal mante-se ativo por todo o instante das vidas dos pequeninos assistentes desse sempre drama. Era sempre ouvida e cantada as influentes marchas de uma Lapinha, como o Boa Noite, Nosso Pastoril e mesmo a Cigana Bela. As crianças ali presentes adoravam esse estilo. Cerca de uma duas ou mais durava a apresentação do Pastoril a celebrar as harmonias das Pastoras onde estavam pequenas meninas a abrilhantar a folia.
E seu Ferrer adorava aquela folia. Mães dos meninos e meninas estavam arrumadas em grupo a aplaudir com entusiasmo a festividade daquela noite de emoção e brilho. As mocinhas e meninas de seus oito e dez anos de idade, eram quase todas nascidas no bairro da festa. As mais adultas já eram de bairros mais centrais da capital. O pastoril era organizado por seu Miguel dos Passos, homem já de certa idade. Quando era feita a apresentação o idoso estava sempre presente, apesar de ter dois filhos do enredo da fuzarca  
Há o conceito muito vago sobre o Jesus da Lapa. Essa história da Lapinha começa com um canto das pastoras (ou pastores) quando seguiram para a cidade de Belém. Na época, quando Jesus nasceu, o seu pai, José, foi para a cidade – onde era mais um povoado – de Belém. A terra de Jose era Belém. Mas José compareceu ao censo em Nazaré, na Galileia. Belém ficava na Judéia e era a cidade de descendência de David. Jesus nasceu em Cafarnaum. No seu tempo, Nazaré era um lugar pobre, com 300 habitante. É como se tem aqui no Rio Grande do Norte: um vilarejo onde vive uma comunidade. Belém, na época em que Jesus nasceu, era um pouco maior, com cerca de 600 habitantes. Era costume, em sua época, quem morasse em um povoado teria que ir a uma cidade próxima, mesmo de menor população, para fazer o seu Censo. E então foi Jose de Belém para Nazaré. A origem do nome Lapinha é do latim e o seu significado é de alguém vindo de outro lugar – a lapa – cheio de encantos e proezas para levar alegria e amizade para outras comunidades.
E foi assim que se formou no modo de se cantar o “Meu Jesus da Lapa”, ou seja, o jovem vindo de outras terras alegre, fagueiro e cheio de encantos. “Jesus da Lapa” é apenas isso. Nessas celebres prozas melodiosas se consegue supor ser a lapa um local de residência onde o rapaz ou a moça vem se acercar em outra comunidade. No cancioneiro popular brasileiro se tem o nome de Lapa, conhecida pelo Rei dom João VI como local popular, bairro do então Distrito Federal. Lapa também segue para a Bahia, onde existe o Bom Jesus da Lapa. É esse o nome de origem latina. O Pastoril recorda a “lapa” onde Jesus nasceu. Isso quer dizer: o local, o lugarejo. Nos presépios mais puros e mais apegados a tradição natalina recorda a “lapa” onde Jesus nasceu ou seja, o lugar e é aonde se diz: “A nossa lapinha já vai se queimar”.
O pastoril é colocado entre os principais espetáculos populares do Nordeste brasileiro. De tais espetáculos participa o povo ativamente com suas estimulantes interferências. A comunicação entre o palco de a plateia se faz pelo seu conteúdo temático em sinal de agrado e incentivo. É no teatro grego que se encontram as raízes dos espetáculos populares do Nordeste do Brasil. Alguns deles fazendo da pancadaria sua mais forte diversão vinda desde a comédia pastelão ao cinema mudo. Deve-se a São Francisco de Assis, na Itália, na terceira década do século XII, em Greciom, a primeira apresentação teatral da cena da Natividade. Uma espécie de prelúdio ao Pastoril, presépios e lapinhas. Nas jornadas ainda atuais, tem uma: “Da cepa nasceu a rama. Da rama nasceu a flor. E da flor nasceu Maria, mãe do Nosso Senhor”. No Nordeste, os presépios surgiram nos fins do século XVI. Por volta de 1840, começaram a aparecer sociedades com o fim de “dirigir a solenidade o natalício do Messias”. Tais sociedades contribuíram para dar forma literária ao Pastoril, tornando possível sua exibição como espetáculo.
O Pastoril é o presépio profano. O presépio é uma autenticidade original, focalizando o nascimento de Jesus sendo sempre iniciativa da comunidade religiosa. O pastoril – antigo ou moderno -  é representação da parte da iniciativa leiga. Nos presépios mais puros, as jornadas finais fazem parte da queima da lapinha, recordando a LAPA onde nasceu Jesus. Isso consiste realmente na queima das palhinhas, local onde o Deus menino nasceu, de verdade. E, como acontece com outros espetáculos populares do Nordeste, inclusive em Natal, RN, o elemento cômico não podia deixar de incorporar-se ao pastoril (profano). O burlesco e o cômico permitem que o povo fique mais à vontade para participar de cenas e passagens do espetáculo. Do desempenho ativo da comicidade encarrega-se o velho, também chamado de Bedegueba. Sua função específica é fazer graça, com característica adequada e roupa espalhafatosa. É o palhaço de um cerco. Ele se veste de um fraque surrado, imenso paletó, colete, enorme colarinho, gravata tão grande que faz lembrar a estola do padre, cartola de cano alto e chapéu de palhinha.
No Nordeste, o pastoril pode ser considerado como forma precursora do teatro popular. Essa manifestação artística, numa época em que não havia clubes sociais, muito menos rádio e televisão era acontecimento que o povo aguardava com ansiedade e até num clima emocional e de suspense. As pernas bem feitas da Mestra. Os seios atraentes da contra-mestra. A voz harmoniosa da Diana. O rosto encantador da primeira do encarnado. A capacidade de improvisar do velho palhaço, com suas fanfarronices e suas invenciosidades. A orquestra do pastoril geralmente incluía o bombo, trombone, pistão, clarinete, bombardino e pratos. Maracás e pandeiros acompanhavam os cantos da mestra e contra-mestra.
Esse era o pastoril do velho Ferrer, animado desde cedo com um palanque armado em frente a sua bodega ondas as pessoas podiam levar as suas cadeiras para assistir mais confortáveis a danças infantis das elegantes pastoras a riso de todas logo no início da bela noite de verão. Os desaforados dos moços consentiam antever a sua preferência pelas diletas infantes, tendo a Diana como a preferida. Serpentinas eram jogadas para todas as dançarinas para dar mais um pouco de animação ao folguedo. O velho Ferrer anotava os nomes dos atrevidos, uma vez que depois um alguém tinha que pagar o pato.
Ferrer;
--- Deixa ele! Deixa leve! Depois vem o muque! – alertava o velho mostrando parte do seu braço
As versões das jornadas de abertura tinham maior participação popular;
--- “Boa noite meus senhores todos. Boa noite, senhoras também. Somo pastoras, pastorinhas belas que alegremente vamos a Belém! Belém! – (bis)
Estava iniciado o folguedo para a noite toda. Na bodega de Ferrer, entre um caso e outro, Rato Branco, o seu filho, despachava às escondidas, licores com um sabor mais forte pelas janelas laterais da casa grande.  E a animação corria solta.



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