terça-feira, 23 de dezembro de 2014

À LUZ DA LUA - 48 -


- Maria Casadevall

- 48 -

À SANGUE FRIO

Canindé, camponês, voltou do trabalho para a sua casa, um casebre de taipa, com uma janela e uma porta cerrada ao meio, a quase o anoitecer. O vento morno dava conta de não chover naquela noite. E já não chovia há três anos em toda a serra. Portanto, chover no sítio de Canindé seria uma ventura, quem sabe, salutar ou amarga. A chegar à sua porta Canindé ficou a observar de um lado para o outro, por pura precaução. Ele temia os “gorilas”, ou seja, o pelotão do Exército a chegar a qualquer instante. Na última reunião do Círculo Operário, um dia antes, pela noite, houve recomendação de pleno cuidado, pois os “gorilas” andavam por perto.
Camponês:
--- Cuidado! Há perigo na “esquina”! – alertou com severidade.
Canindé:
--- (Eu) estou sabendo! Na última semana degolaram um camponês. O corpo foi encontrado na estrada, longe de qualquer cidade. – fez ver.
Camponês:
--- E os “gorilas” andam sutis disfarçados em camponês. – relatou
E assim, o camponês teve todo o cuidado ao destrancar o ferrolho da meia porta. E de fora, com precaução alertou.
Canindé:
--- Maria!! Sou eu!! Cheguei! – e abriu a tranca da porta.
Ele estranhou por não haver nenhum dito de dentro do casebre. Mesmo assim, Canindé supôs estar a mulher apanhando as roupas no varal, tendo levado a menina, Letícia, sua filha, com ela para ajudar em segurar a rede de dormir e outros pertences. E, por isso, Canindé entrou no casebre.
De imediato, surgiu de dentro do quarto do casebre de dormir três jagunços com um capuz na face, fortemente armados a metralhar o camponês sem dá trégua ou defesa. O pobre camponês, de arma, tudo o que levava era um facão rabo de galo, e nada mais. Ao ser atingido pelo tiroteio caiu com os costados no chão, ficando atravancado com as pernas a fechar a passagem pelo corredor do casebre. Não houve grito, pois não deu tempo de gritar. Foi baque e morte. Os jagunços, com a face encoberta pelas máscaras, fugiram em correria para apanhar o seu jipe escondido em um matagal logo à frente. O pessoal da vizinhança – uma casa aqui e outra lá longe – ouviu o tiroteio e ficou apreensivo.
Vizinha;
--- Tiros? – perguntou assustada a mulher.
Outra;
--- Parece! Só sei que ninguém caça tatu com tato tiro assim! - relatou amedrontada
Vizinha;
--- Tenho medo! Quem terá sido? – indagou apavorada.
Outra;
--- P’rás bandas do cercado de Canindé! – aludiu atormentada.
Vizinha;
--- Morte? – indagou com a mão à boca.
Outra:
--- Só vendo! – disse às tontas.
Com pouco tempo a porta da casa estava entupida de gente. Cada um que perguntasse. Era o homem? Onde estava Maria? E a menina? – A zoeira era tremenda. Alguém quis entrar na tapera mas foi desaconselhado de pronto.
Homem:
--- Ninguém entra! – falou severo
Dois:
--- E por que não? – indagou assustado.
Homem:
--- Tem um corpo estendido no chão! – apontou para o corredor da tapera.
Dois:
--- Quem é aquele? – perguntou mais espantado.
Homem:
--- Canindé! Só pode! – respondeu vexado.
Nesse momento surgiu um sargento da Policia, sem fardamento, mas por todos conhecido. E então indagou.
Sargento:
--- Mataram quem? – perguntou o policial querendo entrar
Homem:
--- Só pode ter sido Canindé. Olhe o corpo estendido? – argumentou meio confuso.
O sargento então foi ver o morto para saber, na verdade, de quem era. E viu. E disse.
Sargento:
--- Na verdade é o morto Canindé! – e passou sobre o corpo a procura de mais pista.
O Sargento encontrou atada pelas mãos e pelas pernas a mulher Maria e a sua filha, Letícia. Elas estavam severamente atadas e com um chumaço de pano na boca empatando de dar alarme. Então, o Sargento mandou as mulheres arrodearem pelo beco para cuidar das reféns.
Sargento:
--- (Eu) vou buscar a polícia para fazer as anotações. Vocês cuidem das duas – mulheres – que eu volto num pinote. – falou com voz de comando
E foi assim que se deu. A mulher, Maria, quando posta em liberdade, correu para ver o seu morto, Canindé, seguida de perto pela filha Letícia, menina dos seus dez anos de vida e, por lá, chorou às penas de ter perdido seu homem. As mulheres da vizinhança de acercaram de Maria e, após algum tempo, retiraram a mulher e a filha do local, pois nada havia a ser feito. O homem morreu crivado de balas. Foi tiro p’ra daná. Dentro de instantes, os coveiros – e eram três – chegaram para levar o corpo em um caixão de levar mortos acompanhados por três policiais e mais um Sargento – o dito - para ser examinado no necrotério do povoado por um farmacêutico, pois no lugarejo não havia médico apropriado para tal caso. E nem para outros casos quaisquer. A vila era simplesmente uma vila. E nada mais.
O murmúrio correu o mundo. E na cidade já era uma gritaria.
Povo:
--- Mataram Canindé! – dizia um, alarmado
Outro;
--- Quem? O homem do Círculo? Foi mesmo? – indagou assustado
Gente:
--- E pudera ser? Ele esteve com a gente essa semana e foi prevenido! – alertou.
Quais:
--- Mas não pode ficar desse jeito! Arrume a turma e vamos prá lá. – relatou com entusiasmo
E foram eles para a casebre de Canindé gritando lemas contra os criminosos fardados. Os truculentos “gorilas” E por fim agitaram bandeiras do marxismo e bandeira nacional. Era uma turba enorme de se poder avistar por todo amplo caminho. Agitaram-se com lemas guevaristas a ditar:
Povo:
--- Urra! Urra! “Jamais deterão a primavera” - - slogan de che Guevara.
Povo;
--- “Derrota após derrota até a vitória final!” – gritava-se com maestria
Povo:
--- “A luta para sempre” – eu o grito da esperança.
Por toda a noite, madruga e manhã do dia seguintes os simpatizantes Circulo Operário estavam eufóricos para a luta armada mesmo sem ter armamentos. Quando uma espingarda de soca ou apenas um estilingue. Mesmo assim entusiasmados com o desmando sofrido pelo Circulo, a turma protestava aos desmandos praticados naquela hedionda hora. O povo queria a vingança operaria contra os homens a farda verde.


Nenhum comentário:

Postar um comentário