- Charlize Theron -
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NECROTÉRIO
Essa história ocorreu há um certo
tempo. Natal ainda era uma cidade paupérrima. Necrotério? Havia três ou quatro.
No Instituto Médico Legal e outro no Hospital “Miguel Couto”, Hospital dos
Alienados (Doidos). Ah. Mas havia um mais distante onde hoje é o bairro de Bom
Pastor. Esse bairro agora existe. Porém nesse tempo mais que remoto era um
local de meter medo nos olhos. No Leprosário nunca ninguém aparecia por lá. E
nem se sabia ao certo onde ficavam os leprosos. Certa vez, no Hospital “Miguel
Couto”, o único da Cidade, se deu um caso por demais aterrador. Como era o
único Hospital existente na Capital o atendimento se dava a todos os pacientes,
carentes ou não, inclusive as parturientes, pois a cidade ainda não tinha a sua
luxuosa ou simples Maternidade.
Pois bem. Conta-se que chovia com
muito vigor na cidade e, no local, chamado Baldo, beira entre Alecrim-Cidade, ponto
onde as mulheres lavadeiras batiam roupa o dia todo, mesmo com chuva, o toro
era mais intenso a alagar toda a região. Nessa época não existia calçamento.
Quando chovia tudo virava lama. E nesse local, o Baldo, ocorreu um grave
acidente. Um garoto vinha a correr e pular de um ponto a outro sem nem mesmo
perceber se havia chão. E foi ai que se deu a tormenta. Um dos garotos pulou,
como se fazia sempre quando chovia – e chove ainda – para avançar na caudalosa
lama. Foi pulo e queda. Mas, o garoto logo se levantou e sentiu escorrer pelo
corpo algo bastante quente. Desconfiado, o garoto colocou a mão nas costas procurando
observar de onde estava correndo aquela quantidade de sangue. Um alarme!!! A
mão do garoto entrou bem dentro de uma abertura acertando até as tripas. Não
deu tempo a gritar por socorro! Ao sentir tamanha brecha no corpo, o garoto
desmaiou.
Lavadeiras:
--- Chega! Chega! Chega! O menino
caio na lama! – gritava a lavadeira que estava mais próxima
As demais acorreram para prestar
assistência ao garoto. Era uma turma e tanto. Elas –as lavadeiras – seguraram o
garoto pelas ancas e, mesmo, sentindo o mau cheiro do sangue quente, correram
em debandada, subindo a ladeira da Rua Deodoro onde a água turbulenta escorria
severa até as pernas das mulheres e findaram por chegar à casa de morada de um
senhor a quem pediram ajuda:
Lavadeiras:
--- Socorro! Socorro! Ajuda aqui!
O menino tá ferido! – gritavam assoberbadas as lavadeiras.
Após olhar de longe o buraco nas
costas do menino, o senhor de média altura, garrou a manivela do seu Cabriolé
para ajustar o ponto, e deu uma, duas, três voltas na manivela até o Cabriolé
tomar tento e, mesmo vomitando, aos trancos e barrancos o carro pegou quase que
de vez. As mulheres ajeitaram o garoto na boleia do Cabriolé e, duas seguiram
adiante, pois na boleia cabia apenas três pessoas. Com chuva e temporal o
trambolho a vomitar a gasolina, dando os seus pinotes, chegou até ao Hospital.
As mulheres lavadeiras agarraram o garoto, cheio de sangue a escorrer de cima
abaixo, gritando a todo custo.
Lavadeiras:
--- Chega prá lá! Chega prá lá!
Chega prá lá! – gritavam desnorteadas.
Enfim, chegaram ao pronto
socorro. Empurra para um lado, empurra prá outro e o motorista azucrinado a
rogar:
Motorista!
--- Tema calma, dona! Tamos
chegando! Ora de merda! – ajeitando a marcha da caminhonete
De imediato, três mulheres e o
garoto desceram do Cabriolé. O garoto, já desmaiado, seguia nos braços das três
lavadeiras.
Lavadeiras:
--- Cuidado! Cuidado! Cuidado!
--- Segura! Segura! Segura!
--- Me ajuda! Me ajuda! Me ajuda!
Eram o que falavam as mulheres,
apressadas por entrar no pronto-socorro. Cheio de gente! Uns ao desmaio, outros
com os braços cortados por causa de um espelho, gente com perna quebrada e mais
alguns em total embriagues. Era o tumulto infeliz naquela hora da manhã no
ambiente hospitalar. Carros chegavam. Outros saíam. As ambulâncias com as suas
sirenas ligadas para pedir passagem. Uma loucura! Um desatino geral! E o garoto de pouca idade nas
mãos das lavadeiras totalmente sem sentidos era posto em uma maca para poder
ser cuidado por um enfermeiro ou seja lá o que fosse. Um barulho dos infernos.
Enfermos a lastimar de dor e as filhas e mulheres a aguentar os trancos
procurando animar os doentes.
Mulheres:
--- Tenha calma! Tenha calma!
Passa já! – eram o que falavam.
Gritos de horror era o que se
ouvia de dentro do hospital. Mulheres a vomitar! Escarros por todo o canto!
Berreiros de crianças. Enfermeiros indo e vindo. E o açoitar constante dos
relâmpagos com o ribombar dos negros e cruéis trovões! O temor incrível do povo
todo a temer ter sido algo de anormal acontecido no Céu. Um caminhão estourou o
seu pneu ao se aproximar da Casa de Saúde!
Mulher:
--- Que foi isso pelo amor de
Deus! – indagava com severidade a procura do soar do caminhão
E a criançada a gritar
percorrendo a descida da ladeira da rua do Monte – hoje Avenida Getúlio Vargas
-. Tudo isso não passava de um caos!
O homem da Cabriolé gritava:
Motorista:
--- Vamos! Eu tenho um enterro
agora! – gritava aturdido
Por fim, as lavadeiras cientes de
tudo estar feito embarcaram na camionete e voltara à sua faina diária a
discutir do povo todo a procurar o Hospital da Cidade em uma manhã de inverno.
A caminhonete sacolejava para um lado e para o outros entre a descida da
ladeira com o motorista aborrecido com todo aquele alarido das inquietas
mulheres a comentar os casos horrorosos já havido em um pronto-socorro.
O garoto morreu. O caso dele era
muito grave. Quem meteu a mão, pegou até as tripas dos intestinos. E, ademais,
ele perdera todo o sangue. O cadáver foi jogado no necrotério para aonde tinha
o seu destino todos os corpos de mortos. A chuvarada continuou por toda a tarde
e noite daquele dia. Um rapaz a cuidar dos mortos no necrotério teve um
invulgar susto ao adentrar na morgue naquela noite chuvosa. O garoto já morto e
bem morto se levantou da pedra onde estava e procurou sair em busca da porta
escura e abafada. O rapaz se chocou e, mesmo assim, indagou.
Rapaz;
--- Ei! Pra onde você vai? –
perguntou assustado.
O morto não deu resposta, E
seguiu sereno até cruzar com a porta e desapareceu sem a menor preocupação. O defunto
simplesmente sumiu. O rapaz entrou em estado de torpor e, sem saber o que
fazer, se meteu na saída para onde ele tinha entrado a gritar como um louco:
Rapaz:
--- Socorro! Socorro! Socorro! O
defunto sumiu! – gretava aos brados.
Quem ouviu o rapaz do cemitério
nem mesmo se importou. Apenas conjecturou ter sido algo sem a maior
importância. Mas o rapaz do necrotério cheio de assombro, entrou de hospital
adentro a gritar:
Rapaz
--- O morto! O morto! O morto! –
e, por fim, caiu sem sentido.
Passaram-se alguns minutos quando
o servidor despertou sob a ação de anestésico. E então que ele falou ter visto
o cadáver de um homem sair câmera frigorífica da morgue e caminhar sem pressa
para a porta de entrada e, como um fantasma, seguiu e desapareceu por completo
por onde devia ter entrado quando morreu. Os médicos que atenderam o defunto
logo disseram não haver possibilidade do garoto ter recobrado a consciência,
uma vez que ele estava morto e bem morto. Além do mais o garoto foi plenamente
examinado por todo o seu corpo e o ferimento sofrido foi o bastante para causar
a morte do infante.
Médico:
--- Se ele está morto, onde se
encontra o cadáver? – indagou perplexo.
Rapaz:
--- Não sei! Somente vi o garoto
sumir pela porta. – destacou
Médico:
--- E a porta estava fechada? –
indagou com cuidado
Rapaz:
--- Tudo indica! – respondeu
cheio de pavor.
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