sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

À LUZ DA LUA - 43 -


- Charlize Theron -

- 43 -

NECROTÉRIO

Essa história ocorreu há um certo tempo. Natal ainda era uma cidade paupérrima. Necrotério? Havia três ou quatro. No Instituto Médico Legal e outro no Hospital “Miguel Couto”, Hospital dos Alienados (Doidos). Ah. Mas havia um mais distante onde hoje é o bairro de Bom Pastor. Esse bairro agora existe. Porém nesse tempo mais que remoto era um local de meter medo nos olhos. No Leprosário nunca ninguém aparecia por lá. E nem se sabia ao certo onde ficavam os leprosos. Certa vez, no Hospital “Miguel Couto”, o único da Cidade, se deu um caso por demais aterrador. Como era o único Hospital existente na Capital o atendimento se dava a todos os pacientes, carentes ou não, inclusive as parturientes, pois a cidade ainda não tinha a sua luxuosa ou simples Maternidade.
Pois bem. Conta-se que chovia com muito vigor na cidade e, no local, chamado Baldo, beira entre Alecrim-Cidade, ponto onde as mulheres lavadeiras batiam roupa o dia todo, mesmo com chuva, o toro era mais intenso a alagar toda a região. Nessa época não existia calçamento. Quando chovia tudo virava lama. E nesse local, o Baldo, ocorreu um grave acidente. Um garoto vinha a correr e pular de um ponto a outro sem nem mesmo perceber se havia chão. E foi ai que se deu a tormenta. Um dos garotos pulou, como se fazia sempre quando chovia – e chove ainda – para avançar na caudalosa lama. Foi pulo e queda. Mas, o garoto logo se levantou e sentiu escorrer pelo corpo algo bastante quente. Desconfiado, o garoto colocou a mão nas costas procurando observar de onde estava correndo aquela quantidade de sangue. Um alarme!!! A mão do garoto entrou bem dentro de uma abertura acertando até as tripas. Não deu tempo a gritar por socorro! Ao sentir tamanha brecha no corpo, o garoto desmaiou.
Lavadeiras:
--- Chega! Chega! Chega! O menino caio na lama! – gritava a lavadeira que estava mais próxima
As demais acorreram para prestar assistência ao garoto. Era uma turma e tanto. Elas –as lavadeiras – seguraram o garoto pelas ancas e, mesmo, sentindo o mau cheiro do sangue quente, correram em debandada, subindo a ladeira da Rua Deodoro onde a água turbulenta escorria severa até as pernas das mulheres e findaram por chegar à casa de morada de um senhor a quem pediram ajuda:
Lavadeiras:
--- Socorro! Socorro! Ajuda aqui! O menino tá ferido! – gritavam assoberbadas as lavadeiras.
Após olhar de longe o buraco nas costas do menino, o senhor de média altura, garrou a manivela do seu Cabriolé para ajustar o ponto, e deu uma, duas, três voltas na manivela até o Cabriolé tomar tento e, mesmo vomitando, aos trancos e barrancos o carro pegou quase que de vez. As mulheres ajeitaram o garoto na boleia do Cabriolé e, duas seguiram adiante, pois na boleia cabia apenas três pessoas. Com chuva e temporal o trambolho a vomitar a gasolina, dando os seus pinotes, chegou até ao Hospital. As mulheres lavadeiras agarraram o garoto, cheio de sangue a escorrer de cima abaixo, gritando a todo custo.
Lavadeiras:
--- Chega prá lá! Chega prá lá! Chega prá lá! – gritavam desnorteadas.
Enfim, chegaram ao pronto socorro. Empurra para um lado, empurra prá outro e o motorista azucrinado a rogar:
Motorista!
--- Tema calma, dona! Tamos chegando! Ora de merda! – ajeitando a marcha da caminhonete
De imediato, três mulheres e o garoto desceram do Cabriolé. O garoto, já desmaiado, seguia nos braços das três lavadeiras.
Lavadeiras:
--- Cuidado! Cuidado! Cuidado!
--- Segura! Segura! Segura!
--- Me ajuda! Me ajuda! Me ajuda!
Eram o que falavam as mulheres, apressadas por entrar no pronto-socorro. Cheio de gente! Uns ao desmaio, outros com os braços cortados por causa de um espelho, gente com perna quebrada e mais alguns em total embriagues. Era o tumulto infeliz naquela hora da manhã no ambiente hospitalar. Carros chegavam. Outros saíam. As ambulâncias com as suas sirenas ligadas para pedir passagem. Uma loucura!  Um desatino geral! E o garoto de pouca idade nas mãos das lavadeiras totalmente sem sentidos era posto em uma maca para poder ser cuidado por um enfermeiro ou seja lá o que fosse. Um barulho dos infernos. Enfermos a lastimar de dor e as filhas e mulheres a aguentar os trancos procurando animar os doentes.
Mulheres:
--- Tenha calma! Tenha calma! Passa já! – eram o que falavam.
Gritos de horror era o que se ouvia de dentro do hospital. Mulheres a vomitar! Escarros por todo o canto! Berreiros de crianças. Enfermeiros indo e vindo. E o açoitar constante dos relâmpagos com o ribombar dos negros e cruéis trovões! O temor incrível do povo todo a temer ter sido algo de anormal acontecido no Céu. Um caminhão estourou o seu pneu ao se aproximar da Casa de Saúde!
Mulher:
--- Que foi isso pelo amor de Deus! – indagava com severidade a procura do soar do caminhão
E a criançada a gritar percorrendo a descida da ladeira da rua do Monte – hoje Avenida Getúlio Vargas -.  Tudo isso não passava de um caos!
O homem da Cabriolé gritava:
Motorista:
--- Vamos! Eu tenho um enterro agora! – gritava aturdido
Por fim, as lavadeiras cientes de tudo estar feito embarcaram na camionete e voltara à sua faina diária a discutir do povo todo a procurar o Hospital da Cidade em uma manhã de inverno. A caminhonete sacolejava para um lado e para o outros entre a descida da ladeira com o motorista aborrecido com todo aquele alarido das inquietas mulheres a comentar os casos horrorosos já havido em um pronto-socorro.
O garoto morreu. O caso dele era muito grave. Quem meteu a mão, pegou até as tripas dos intestinos. E, ademais, ele perdera todo o sangue. O cadáver foi jogado no necrotério para aonde tinha o seu destino todos os corpos de mortos. A chuvarada continuou por toda a tarde e noite daquele dia. Um rapaz a cuidar dos mortos no necrotério teve um invulgar susto ao adentrar na morgue naquela noite chuvosa. O garoto já morto e bem morto se levantou da pedra onde estava e procurou sair em busca da porta escura e abafada. O rapaz se chocou e, mesmo assim, indagou.
Rapaz;
--- Ei! Pra onde você vai? – perguntou assustado.
O morto não deu resposta, E seguiu sereno até cruzar com a porta e desapareceu sem a menor preocupação. O defunto simplesmente sumiu. O rapaz entrou em estado de torpor e, sem saber o que fazer, se meteu na saída para onde ele tinha entrado a gritar como um louco:
Rapaz:
--- Socorro! Socorro! Socorro! O defunto sumiu! – gretava aos brados.
Quem ouviu o rapaz do cemitério nem mesmo se importou. Apenas conjecturou ter sido algo sem a maior importância. Mas o rapaz do necrotério cheio de assombro, entrou de hospital adentro a gritar:
Rapaz
--- O morto! O morto! O morto! – e, por fim, caiu sem sentido.
Passaram-se alguns minutos quando o servidor despertou sob a ação de anestésico. E então que ele falou ter visto o cadáver de um homem sair câmera frigorífica da morgue e caminhar sem pressa para a porta de entrada e, como um fantasma, seguiu e desapareceu por completo por onde devia ter entrado quando morreu. Os médicos que atenderam o defunto logo disseram não haver possibilidade do garoto ter recobrado a consciência, uma vez que ele estava morto e bem morto. Além do mais o garoto foi plenamente examinado por todo o seu corpo e o ferimento sofrido foi o bastante para causar a morte do infante.
Médico:
--- Se ele está morto, onde se encontra o cadáver? – indagou perplexo.
Rapaz:
--- Não sei! Somente vi o garoto sumir pela porta. – destacou
Médico:
--- E a porta estava fechada? – indagou com cuidado
Rapaz:
--- Tudo indica! – respondeu cheio de pavor.


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