- Chloe Grace Moretz -
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CARVOEIRO
José Carvoeiro tinha um sítio à
margem da estrada de Parnamirim, nos idos de 1964. Ele fazia carvão para
negociar na cidade (Natal) durante o dia. Quase todos os dias ouvia-se o homem
a pregar a sua mercadoria feita de galhos velhos de madeira – a lenha -. Homem
alto e musculoso, andava em trapos, roupas surradas feitas de um pano qualquer.
Ele usava um blusão e uma calça feita de algum tecido de pouca qualidade. Assim
era José Carvoeiro, pois ele vendia o seu carvão e nada mais. Certa vez, a
estar na colheita de galhos secos de lenha, Carvoeiro notou a presença de um
jeep a passar em alta velocidade, chega o homem se espantou. O jeep entrou de
mato a dentro conduzido por seu motorista e mais cinco ou seis ocupantes. Ele
notou dois homens plenamente amordaçados virados por suas costas, pés atados,
mãos amarradas para trás entre outras indelicadezas. Carvoeiro coçou a cabeça e
apenas indagou consigo.
Carvoeiro:
--- Oxe! Pra onde danado vai
aquele jeep? Por ali só tem mato! – falou consigo o morador.
Então, Carvoeiro voltou a sua
labuta: colhendo pau seco e imprestável para fazer o forno de lenha a demorar
uma semana até torrar. O seu, Traíra, comichava o seu pescoço para matar os
carrapatos quando ouviu o soar de uns tiros. O cachorro aguçou as orelhas e fez
um “buf” como que dissesse: “quem atirou lá dentro?”. E Carvoeiro também escutou os estampidos. Ele
se soergueu e olhou em direção ao deserto monte. O cachorro, então, latiu
algumas vezes. Carvoeiro mandou calar.
Carvoeiro:
--- Te aquieta, cão! – foi o que
ele mandou fazer.
E o homem ficou a escutar alguns
disparos, o que não houve mais logo após daquele tempo. Ele coçou novamente a
cabeça para em seguida dizer:
Carvoeiro:
--- Quem diabo desovaram na
serra? – indagou pouco preocupado.
Após alguns minutos o jeep voltou
em sua ampla velocidade, passando por sobre mato e lenha não custando a
ingressar na pista e, daí, sumiu de vez. E o morador que cuidava dos seus
fornos de carvão tornou a falar quando o cachorro latiu de muito.
Carvoeiro:
--- Calado! Tá vendo? Esses
homens desovaram alguém! – relatou com sua face enrugada.
Na calada da noite, Carvoeiro foi
procurar os defuntos. E os encontrou plenamente atados. Seus corpos, quase
despidos, estavam emborcados com a cara para baixo. Traíra, o cão, cheirava
tudo em volta dos cadáveres como a procura de alguma identificação. O homem,
Carvoeiro, chutou um cadáver para ver a sua cara. Nada falou. Buscou nas roupas
algum documento e nada encontrou de verdade. Apenas as marcas dos tiros. O
segundo cadáver também não fornecia nenhum assunto que pudesse definir.
Carvoeiro:
--- Deve ser os homens das
guerrilhas, por certo! – comentou desiludido.
Logo após, José Carvoeiro
retornou ao seu miserável casebre onde se entrava por uma porta cerrada ao
meio. A porta era tão pobre chega a estar presa por uma tira de couro, logo em
cima quando em baixo estava uma dobradiça. Toda vez que o homem trancava ou
destrancava, a porta fazia um arremedo de como alguém a chorar ou um carneiro a
berrar. Na outra parte do casebre havia uma janela. Por cuidado, o homem não
abria hora alguma. Essa era a “mansão” de José Carvoeiro. Por sinal, Carvoeiro
morava só e Deus. A mulher o tinha abandonado fazia tempo. Ele não dava
importância para tal. Na tapera, ele só cuidava da alimentação e atentava os
porcos, cabras e galinhas. No restante, era fazer carvão para vender na cidade.
Com os fornos acessos, Carvoeiro foi madornar com o cão, Traíra, sempre a seu
lado a madornar também ao longo, onde o homem punha os pés em sua rede de pano.
Coisa de quatro horas ou mais um
pouco, Carvoeiro despertou por força de uma zoada de carro a passar com pressa
para os montes. Ele divisou com o olhar pela brecha da porta e notou um
caminhão e, logo após, um jeep. O mesmo
jeep que passara logo cedo da noite. Com ao cachorro Traíra, também despertou.
E veio de novo o bufo. Carvoeiro mandou calar.
Carvoeiro:
--- Te aquieta bicho sarnento! –
fez ver o homem.
E mesmo assim, com o cachorro
dentro da tapera, o homem continuou a olhar os carros – sendo um Jipão, desses
bem grandes. E os carros demoraram mais tempo para retornar. A lua, era só uma banda. As estrelas
começavam a sumir. Apenas a estrela da manhã teimava em arder, como se arde no
fogo. Mais um pouco de tempo, Carvoeiro ouviu a zoada dos carros. O comboio
passava em alta velocidade, se dava para acreditar, pois o local era só de
areia fofa. De repente, o jeep parou. Desceu de dentro um aparente sargento. E
veio até a casa de Carvoeiro para bater palmas. O homem se assustou e deixou a
banda da porta escorada. E, por pouco mais de tempo, o sargento bateu palmas. Não
tão de imediato, Carvoeiro abriu um pouco mais o que dava para ver. O sargento
então falou
Sargento:
--- O senhor não viu nada,
entendeu? – indagou com voz grossa.
Carvoeiro:
--- Não viu o que, sô? – perguntou
alheio.
O sargento, então, saiu às
pressas e olhou para Carvoeiro, com uma cara trancada, entrou no jeep e partiu
com seu destino ignorado. Carvoeiro ainda olhou por mais algum tempo quando o
jeep sumia e voltou a coçar a sua cabeça, divagando.
Carvoeiro:
--- Eles matam quando acabar não
se pode dizer? – indagou.
Foram passados alguns minutos, o
sol já estava claro, coisa de 5.30 horas da manhã, Carvoeiro não ficou apenas magoado
na cruel advertência do sargento e migrou para o cercado perto do longínquo
monte do seu cercado e decidiu procurar os dois corpos da noite passada. Apesar
da procura ser intensa, Carvoeiro nada encontrou, a não ser uma pequena estrela
caída do chão. Ele olhou a estrela, porém nada significou de momento. Os corpos
tinham sido resgatados, provavelmente, no Jipão, para desterrar em algum canto
mais ao longe de onde foi jogado. Talvez em outro provável município. O homem
retornou om o pensamento vago por não ter a meticulosa certeza de foram os
comunistas, por assim falar.
Carvoeiro
--- Quem diabo eram os
comunistas? – fez ver o homem do carvão.
Ao meio dia, José Carvoeiro
estava na feira do Carrasco procurando vender toda a sua carga de produtos
feitos à mão, tirados do forno de lenha: o popular carvão. Foi então que ele
ouviu dos homens a conversar muito baixo alegando o número dos desaparecidos há
uma semana. José Carvoeiro não se intrometeu no chafurdo. Apenas quis ouvir
mais de perto. Enquanto o pessoal oferecia os seus langanhos, ele ouvia os dois
companheiros a trocar conversa.
Companheiro Um:
--- Já faz uma semana que não se
tem notícia. – confidenciou
Companheiro Dois.
--- Quantos? – indagou baixinho.
Companheiro Um
--- Talvez oito. É o que se
supõe. - falou o primeiro.
Companheiro Dois
--- Eles não estarão escondidos
em algum local? – indagou.
Companheiro Um;
--- Não. Não. Tudo já foi
vasculhado. – falou murmurando
Companheiro Dois:
--- Não se desaparece assim, como
um fantasma. – comentou alarmado.
Companheiro Um.
--- Eu soube que tem um sargento
atrás de tudo. Pode ser sequestro. – informou
Companheiro Dois:
--- Hum! Isso é perigo! –
articulou com surpresa.
Companheiro Um.
--- Demais até. Onde tem catinga,
tem carniça! Não duvide de nada! – aludiu.
José Carvoeiro teve a
oportunidade de falar o que ele conseguira ver na noite e madrugada do dia.
Mas, nesse instante, uma patrulha do Exército invadiu a feira e todos os
negociantes se postaram a fugir para local seguro. Os dois companheiros também
fugiram com a máxima precaução passando por cima de bancas e sacos enveredando
pela linha do trem e, assim, desapareceram por completo. Carvoeiro ficou cismado com tudo o que ouvira
falar.
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