quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

À LUZ DA LUA - 49 -


- Chloe Grace Moretz -

- 49 -

CARVOEIRO
José Carvoeiro tinha um sítio à margem da estrada de Parnamirim, nos idos de 1964. Ele fazia carvão para negociar na cidade (Natal) durante o dia. Quase todos os dias ouvia-se o homem a pregar a sua mercadoria feita de galhos velhos de madeira – a lenha -. Homem alto e musculoso, andava em trapos, roupas surradas feitas de um pano qualquer. Ele usava um blusão e uma calça feita de algum tecido de pouca qualidade. Assim era José Carvoeiro, pois ele vendia o seu carvão e nada mais. Certa vez, a estar na colheita de galhos secos de lenha, Carvoeiro notou a presença de um jeep a passar em alta velocidade, chega o homem se espantou. O jeep entrou de mato a dentro conduzido por seu motorista e mais cinco ou seis ocupantes. Ele notou dois homens plenamente amordaçados virados por suas costas, pés atados, mãos amarradas para trás entre outras indelicadezas. Carvoeiro coçou a cabeça e apenas indagou consigo.
Carvoeiro:
--- Oxe! Pra onde danado vai aquele jeep? Por ali só tem mato! – falou consigo o morador.
Então, Carvoeiro voltou a sua labuta: colhendo pau seco e imprestável para fazer o forno de lenha a demorar uma semana até torrar. O seu, Traíra, comichava o seu pescoço para matar os carrapatos quando ouviu o soar de uns tiros. O cachorro aguçou as orelhas e fez um “buf” como que dissesse: “quem atirou lá dentro?”.  E Carvoeiro também escutou os estampidos. Ele se soergueu e olhou em direção ao deserto monte. O cachorro, então, latiu algumas vezes. Carvoeiro mandou calar.
Carvoeiro:
--- Te aquieta, cão! – foi o que ele mandou fazer.
E o homem ficou a escutar alguns disparos, o que não houve mais logo após daquele tempo. Ele coçou novamente a cabeça para em seguida dizer:
Carvoeiro:
--- Quem diabo desovaram na serra? – indagou pouco preocupado.
Após alguns minutos o jeep voltou em sua ampla velocidade, passando por sobre mato e lenha não custando a ingressar na pista e, daí, sumiu de vez. E o morador que cuidava dos seus fornos de carvão tornou a falar quando o cachorro latiu de muito.
Carvoeiro:
--- Calado! Tá vendo? Esses homens desovaram alguém! – relatou com sua face enrugada.
Na calada da noite, Carvoeiro foi procurar os defuntos. E os encontrou plenamente atados. Seus corpos, quase despidos, estavam emborcados com a cara para baixo. Traíra, o cão, cheirava tudo em volta dos cadáveres como a procura de alguma identificação. O homem, Carvoeiro, chutou um cadáver para ver a sua cara. Nada falou. Buscou nas roupas algum documento e nada encontrou de verdade. Apenas as marcas dos tiros. O segundo cadáver também não fornecia nenhum assunto que pudesse definir.
Carvoeiro:
--- Deve ser os homens das guerrilhas, por certo! – comentou desiludido.
Logo após, José Carvoeiro retornou ao seu miserável casebre onde se entrava por uma porta cerrada ao meio. A porta era tão pobre chega a estar presa por uma tira de couro, logo em cima quando em baixo estava uma dobradiça. Toda vez que o homem trancava ou destrancava, a porta fazia um arremedo de como alguém a chorar ou um carneiro a berrar. Na outra parte do casebre havia uma janela. Por cuidado, o homem não abria hora alguma. Essa era a “mansão” de José Carvoeiro. Por sinal, Carvoeiro morava só e Deus. A mulher o tinha abandonado fazia tempo. Ele não dava importância para tal. Na tapera, ele só cuidava da alimentação e atentava os porcos, cabras e galinhas. No restante, era fazer carvão para vender na cidade. Com os fornos acessos, Carvoeiro foi madornar com o cão, Traíra, sempre a seu lado a madornar também ao longo, onde o homem punha os pés em sua rede de pano.
Coisa de quatro horas ou mais um pouco, Carvoeiro despertou por força de uma zoada de carro a passar com pressa para os montes. Ele divisou com o olhar pela brecha da porta e notou um caminhão e, logo após, um jeep.  O mesmo jeep que passara logo cedo da noite. Com ao cachorro Traíra, também despertou. E veio de novo o bufo. Carvoeiro mandou calar.
Carvoeiro:
--- Te aquieta bicho sarnento! – fez ver o homem.
E mesmo assim, com o cachorro dentro da tapera, o homem continuou a olhar os carros – sendo um Jipão, desses bem grandes. E os carros demoraram mais tempo para retornar.  A lua, era só uma banda. As estrelas começavam a sumir. Apenas a estrela da manhã teimava em arder, como se arde no fogo. Mais um pouco de tempo, Carvoeiro ouviu a zoada dos carros. O comboio passava em alta velocidade, se dava para acreditar, pois o local era só de areia fofa. De repente, o jeep parou. Desceu de dentro um aparente sargento. E veio até a casa de Carvoeiro para bater palmas. O homem se assustou e deixou a banda da porta escorada. E, por pouco mais de tempo, o sargento bateu palmas. Não tão de imediato, Carvoeiro abriu um pouco mais o que dava para ver. O sargento então falou
Sargento:
--- O senhor não viu nada, entendeu? – indagou com voz grossa.
Carvoeiro:
--- Não viu o que, sô? – perguntou alheio.
O sargento, então, saiu às pressas e olhou para Carvoeiro, com uma cara trancada, entrou no jeep e partiu com seu destino ignorado. Carvoeiro ainda olhou por mais algum tempo quando o jeep sumia e voltou a coçar a sua cabeça, divagando.
Carvoeiro:
--- Eles matam quando acabar não se pode dizer? – indagou.
Foram passados alguns minutos, o sol já estava claro, coisa de 5.30 horas da manhã, Carvoeiro não ficou apenas magoado na cruel advertência do sargento e migrou para o cercado perto do longínquo monte do seu cercado e decidiu procurar os dois corpos da noite passada. Apesar da procura ser intensa, Carvoeiro nada encontrou, a não ser uma pequena estrela caída do chão. Ele olhou a estrela, porém nada significou de momento. Os corpos tinham sido resgatados, provavelmente, no Jipão, para desterrar em algum canto mais ao longe de onde foi jogado. Talvez em outro provável município. O homem retornou om o pensamento vago por não ter a meticulosa certeza de foram os comunistas, por assim falar.
Carvoeiro
--- Quem diabo eram os comunistas? – fez ver o homem do carvão.
Ao meio dia, José Carvoeiro estava na feira do Carrasco procurando vender toda a sua carga de produtos feitos à mão, tirados do forno de lenha: o popular carvão. Foi então que ele ouviu dos homens a conversar muito baixo alegando o número dos desaparecidos há uma semana. José Carvoeiro não se intrometeu no chafurdo. Apenas quis ouvir mais de perto. Enquanto o pessoal oferecia os seus langanhos, ele ouvia os dois companheiros a trocar conversa.
Companheiro Um:
--- Já faz uma semana que não se tem notícia. – confidenciou
Companheiro Dois.
--- Quantos? – indagou baixinho.
Companheiro Um
--- Talvez oito. É o que se supõe. - falou o primeiro.
Companheiro Dois
--- Eles não estarão escondidos em algum local? – indagou.
Companheiro Um;
--- Não. Não. Tudo já foi vasculhado. – falou murmurando
Companheiro Dois:
--- Não se desaparece assim, como um fantasma. – comentou alarmado.
Companheiro Um.
--- Eu soube que tem um sargento atrás de tudo. Pode ser sequestro. – informou
Companheiro Dois:
--- Hum! Isso é perigo! – articulou com surpresa.
Companheiro Um.
--- Demais até. Onde tem catinga, tem carniça! Não duvide de nada! – aludiu.
José Carvoeiro teve a oportunidade de falar o que ele conseguira ver na noite e madrugada do dia. Mas, nesse instante, uma patrulha do Exército invadiu a feira e todos os negociantes se postaram a fugir para local seguro. Os dois companheiros também fugiram com a máxima precaução passando por cima de bancas e sacos enveredando pela linha do trem e, assim, desapareceram por completo.  Carvoeiro ficou cismado com tudo o que ouvira falar.

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