- VLADIMIR HERZOG -
- 22 -
A MORTE -
Dias se passaram e Isis
continuava estudando pele Internet tudo que podia conhecer. Certa vez lhe caiu
as mãos um suicídio. Ela passou vista na leitura e viu as fotos do suicida. Com
o passar das horas, Isis deduziu não ser aquilo uma história de suicídio, e
sim, um assassinato. O nome da vítima era um tanto estranho: Vladimir Herzog,
profissão: jornalista. Então, Isis releu a matéria e nada havia de conhecer
aquilo ser um suicídio. Em seu computador de casa, Maria Isis Fernandes queria
saber quem foi o autor do assassinato. Mesmo assim, nada havia de verdade.
Apenas a matéria relatava a morte sem apontar o autor do crime. As horas
passavam e já chegara à meia noite sem Isis saber quem matou o homem. Dizia
apenas que Vladimir Herzog morreu no dia 25 de outubro de 1975 nos porões do
Quartel General do II Exército de São Paulo e nada mais.
Quando a sociedade tomou
conhecimento do crime, as “esquerdas” reagiram de qualquer forma. Na residência
de Herzog, sua mulher, publicitária Clarice Herzog entrou em trauma não
aceitado a versão de suicídio do esposo. Como jornalista, Vladimir era diretor
de jornalismo da TV Cultura. Na noite de dia 24 de outubro, agentes do serviço
de inteligência foram a TV Cultura convocar o jornalista para prestar
depoimento sobre suas ligações com o PCB – Partido Comunista Brasileiro -. A
proposta foi aceita para o dia seguinte e seu depoimento foi uma sessão de
tortura. Pelo que disseram dois jornalistas, presos no DOI-CODE, houve
espancamento e Vladimir morreu nesse mesmo dia. Uma versão oficial declarou ter
Vladimir Herzog se enforcado na cela com um cinto do macacão de presidiário.
Contudo, tais cintas não dispunham de força para um enforcamento. Além do mais,
os pés estavam dobrados ao cair no chão e os joelhos refletidos. Um exame
cadavérico demonstrou marcas de estrangulamento no pescoço.
Isis
--- Mas isso é uma canalhice!
Como é que pode! Mataram o jornalista! – - falou alto e alarmada.
Nesse momento, Moema saía do seu
cômodo para cumprir alguma necessidade e ouviu a moça agitada e toda exaltada.
Com isso, Moema veio para ver o que estaria a passar. E perguntou:
Moema
--- Que foi mulher? - -
Isis
--- Isso aqui. Como é que pode? E
o Governo? - - falou brava.
Moema passou a vista no que Isis
estava a ler e logo respondeu.
Moema
--- Mas isso é o Governo. No
tempo de Ernesto Geisel a coisa era do mesmo jeito! – - falou então aborrecida.
Isis
--- Agora deu! Quer dizer que,
agora, o Governo é quem mata? - - zangada.
Moema
--- Espera! Volto logo! – - e
saiu correndo.
Isis ficou a olhar a sua parceira
e logo após resolveu a ler um pouco mais o texto da matéria. Empunhando o
queixo com a mão, ela se pôs a ler com mais empenho. E declara o texto.
O jornalista Vladimir Herzog
tinha muitos motivos para ficar preocupado ao receber uma ordem para
apresentar-se ao II Exército. Corria o ano de 1975 e o Brasil vivia sob uma
ditadura militar que travava uma guerra brutal contra as organizações de
esquerda. Em São Paulo, quem se opunha ao regime era levado ao Departamento de
Operações, o temido DOI-CODI. Oficialmente, os militares queriam
esclarecimentos sobre a suposta ligação de Herzog, 38 anos, diretor de
jornalismo da TV Cultura, com o Partido Comunista. Por isso, ele decidiu
atender à convocação. Saiu de casa no dia 25 de outubro e nunca mais voltou.
Torturado, foi vítima de espancamentos, choques elétricos e afogamento e morreu
asfixiado nas dependências do órgão de repressão. ”
Preocupados com a repercussão da
morte de Herzog, os torturadores do DOI-CODI forjaram uma cena grotesca de
suicídio: apresentaram uma foto do jornalista enforcado com o próprio cinto, no
interior da cela. Vários fatores desmentiam a versão oficial, a despeito do
laudo assinado pelo legista. O principal deles era o próprio instrumento
utilizado. Não era permitido ao preso permanecer de cinto, justamente para
evitar que ele fosse usado como arma.
Isis:
--- Olha aqui. No tempo da
Ditadura houve mais conflito do que essa morte de Herzog. Veja! –
Moema
--- Guerrilha do Araguaia? Até
hoje é um sigilo. Eram banqueiros, médicos, engenheiros. Eles se armaram por
conta própria. Alguns fugiram e outros, hoje, assumem poderes de Deputados e
Senadores. –
Isis
--- Só isso? – - indagou
alarmada.
Moema
--- Quer mais? – - colou as mãos
nos quadris com olhar atento.
De momento, a moça Isis tornou-se
silenciosa para logo adiante começar a falar.
Isis
--- Interessante! Agora, lembro
de um caso ocorrido no meu interior. A minha mãe contava sempre uma história
quando era ainda jovem. Um homem saiu de sua casa deixando mulher e filhos
alegando ir para essa cidade de Araguaia. - - ficou a imaginar
Moema
--- Araguaia fica na região do
Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará. É um rio. Ele nasce da Serra do Caiapó,
no Parque das Emas, em Goiás. A Guerrilha do Araguaia foi a tentativa de
dissidentes do Partido Comunista do Brasil, o PC do B, de organizar uma luta
armada, a partir do campo, para enfrentar a ditadura militar que governava o Brasil,
em 1968. – - disse a bela jovem.
Isis
--- E venceram? – - perguntou com
espanto.
Moema
--- Espere! Na época, a censura
barrava notícias e manifestações artísticas que o Governo julgasse impróprias.
Para piorar, pessoas que se opunham ao Regime eram perseguidas, torturadas e
até executadas. Quando o Regime começou a endurecer ainda mais, alguns
partidários da esquerda, inspirados pelo sucesso das revoluções chinesas, com
Mao-Tsé-tung, e cubana, com Che Guevara e Fidel Castro, começaram os planos para
derrubar os Militares do poder. O primeiro passo era conquistar a população
rural, alistando “soldados” para iniciar a revolução socialista no Brasil.
Entendeu? - - perguntou solene.
Isis
--- Sim! Conte mais! - -
Moema
--- Então, em 1968, alguns líderes
do PC do B se desligaram do partido para formar grupos de resistência armada em
regiões rurais. Os grupos de espalharam próximos às margens do rio Araguaia.
Eram paulistas, mineiros e gaúchos em sua maioria. Uma estratégia era usar a
profissão dos guerrilheiros para atender às necessidades locais. Alguns
guerrilheiros eram médicos, por exemplo. – - explicou.
Isis
--- Os guerrilheiros, vindos da
classe média alta, bancavam as próprias armas? – - indagou então assustada.
Moema
--- Bem. Sem treinamento militar
prévio nem financiamento do partido, o arsenal se limitava a facões, revólveres
e espingardas. – - voltou a explicar.
Isis
--- Houve mortes? - - perguntou
com medo.
Moema
--- Isso. Numa emboscada ao
comunista Carlos Marighella, os militares do Governo descobriram documentos com
pistas sobre a guerrilha, confirmadas com a prisão e a tortura do
ex-guerrilheiro. O Exército se infiltra nas comunidades do Araguaia e compra
informações dos camponeses, descobrindo paradeiro e identidade dos
guerrilheiros. - - informou.
Isis
--- Deus do Céu. Como pode? –
Moema
--- Isso é guerra, minha filha.
Tudo se comprar. De uma forma ou de outra! Ou, então, se mata.
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