quarta-feira, 30 de setembro de 2015

LUTA ARMADA - 39 -

- PRESOS -
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A QUESTÃO -

No sábado à noite, em hora prolongada, o diplomata Ênio Monroe, depois de assistir a um programa na TV foi de pronto indagar a senhorita Isis Fernandes. Ele queria saber se importava em descobrir algo mais que então não sabia. A moça estava a conversar com a amiga Moema e quase não se deu por conta. Apenas ouviu quando o diplomata se espojou na portona deixado a TV ligada e ele com as mãos a sustentar a cabeça, fazendo um leve aceno para a sua predileta amiga. Foi assim que sucedeu. Isis compreendeu e disse ser bom prosseguir na história do Doutor Cordeiro. E o diplomata entendeu. Com isso, foi à frente.
Monroe
--- Correto. O Doutor Cordeiro, não é isso? - - indagou a pensar melhor.
Isis
--- Sim. Isso mesmo. - - confirmou
Monroe
--- Isso é interessante. Esse médico atuou no DOI-CODI, no Rio de Janeiro. Ele usava o pseudônimo de Doutor Cordeiro, como a senhorita já sabe. Ele era um tenente médico. E demonstrou seu arrependimento pelo papel que cumpria. Nos presos, ele aplicou Pentothal. E quando se arrependeu o doutor Amílcar Lobo perdeu o seu registro de médico. E foi a primeira pessoa a falar daquela “Casa da Morte”, em Petrópolis, para onde levavam presos e quase todos morreram em suplício. - -
Moema
--- Essa “Casa da Morte”, se não me falha a memória, levou grandes traumas emocionais para as famílias dos presos políticos. Teve vários casos semelhantes. Um deles foi com uma guerrilheira, Inês Etienne, levada também para essa Casa. Um cabo do Exército, de nome Victor Papandreu, tirou a arma de dentro do bolso do paletó e matar a moça com um tiro na testa. Para uma pessoa normal, isso é algo terrível. Eu fiz a matéria quando ainda era estudante. - -
Monroe
--- Há inúmeros casos envolvendo a Casa da Morte, do Rio. O caso do detento Rubens Paiva até hoje é notícia. Esse homem morreu dizendo o nome do médico Amílcar Lobo. Foi um caso incrível. Esse prisioneiro foi arrancado de sua casa do dia 20 de janeiro, um dia feriado de São Sebastião, pelo Capitão Anselmo. O Exército, de imediato, chamou o Doutor Amílcar, pois estava com um preso “quente”, como se dizia quando se tinha em detenção um detento perigoso, para eles. Totalmente nu, Rubens Paiva apenas dizia o seu nome para depois morrer. Rubens Paiva morreu de uma hemorragia interna. - -
Isis
--- Horrível! E esse médico? - - indagou alarmada.
Monroe
--- A dona Maria Helena falou, certa vez, que o seu marido foi muito pressionado pelos Militares e certa vez, homens da polícia em trajes civis o agarraram na rua. Ele sentiu que a injeção provocaria um colapso do coração. Conseguiu escapar e chegar até a um Hospital, em Ipanema, no Rio. De qualquer forma, o médico Amílcar Lobo ficou com problemas nervosos, abatido e veio a falecer em um sítio no interior do Estado. Era um trapo. A Esquerda procurou tentar fazer o médico sobreviver, para contar mais história, porém não foi possível. O caso é muito simples: o futuro da tortura está ligado ao futuro dos torturadores. - -
Moema
--- Ao se ouvir, hoje, a opinião de um guerrilheiro ou ex-guerrilheiro, ele irá dizer que não tortura quem o torturou. Mas, há os que tem suas opiniões. Certa vez, eu ouvi de um deles que perdoava aquele que o torturou. É difícil se dizer “que eu te perdoo”. Muito difícil. Em se olhar cara a cara com um matador de presos é difícil se perdoar. - -
Monroe
--- Difícil, é. Impossível, não. O ex-preso político, ele pode até guardar mágoa eterna contra o seu torturador. Mesmo assim, o ex-preso não vê a face do torturador. Ele apanha de todo modo, mas não sabe que bateu. Ou ele fica com rancor de todo que ele encontra, do contrário ele prefere esquecer. Veja só: existe o temor de se está matando uma pessoa inocente. Ocorreu uma cena entre um sequestrado e um torturador, de nome Luís Timóteo. Os dois se cruzaram em um gabinete sanitário. O torturador ficou com temor de estar ali com um inimigo de velhas eras. E o torturado sorriu para ele a perguntar: “Você se lembra de mim? ”. Esse Militar, especializado em dar choque nos pênis dos presos se assustou e saiu do mictório. - -
Isis
--- Covarde! - - cuspiu de lado.
Moema
--- É isso, criança! Nunca diga que não faz aquilo que você pode fazer. O tempo muda! –
Monroe
--- Não raro, tanto tempo depois. Os ex-guerrilheiro se encontra, com os seus verdugos do passado. O medo acolhe aquele verdugo a ponte de falar que ele nunca colocou a mão para bater em um guerrilheiro. Mas, o tempo é passado e o guerrilheiro diz ser verdade, pois naquele momento do passado ele estava pendurado em um pau de arara e o verdugo não lhe fizera mau. Porém, o que ele fazia era dar as ordens para batessem com força no guerrilheiro. -- -
Isis
--- E o guerrilheiro perdoava? Eu não sei mais quem é nojento! - -
Moema se torceu em gargalhadas. O seu irmão também sorriu.
Monroe
--- O tempo passa e, não raro, nós nos esquecemos do que se faz com nós mesmos.
Isis
--- Nem vem que não tem! - -
Moema
--- Eu temo que isso, em alguns casos, possa ser verdade. O medo é mortal! - -
Isis
--- Mas, para os torturados, aqueles assassinos eram monstros. Porém, tem um livro escrito feito pela senhora Hanna Arendt, filósofa, no qual demonstra que o senhor Adolf Eichmann, tenente-coronel da SS, na Alemanha nazista e exterminador de milhões de pessoas era um homem completamente normal. Apesar de ter cometido as atrocidades. Ele, em si, não deixava se ser horrivelmente normal. Ele era um burocrata que cumpria ordens sem questioná-las. - -
Moema
--- Os monstros, passado o período do terror, eram bons vizinhos, em suas casas, amava seus filhos, bons pais de famílias, preparar um churrasco entre amigos distante do instante de maltratar os guerrilheiros, homens e mulheres perigosos. Porém, nem todos eram os bons. Havia psicopatas, sádicos e se pressionava, presos, aquilo, para esses monstros, era uma coisa normal. Isso ocorre hoje em dia. Veja os jornais. ---
Isis
--- Eu não suporto essa bandidagem! – - com rancor.
Monroe
--- Nem todos podem ser enquadrados na condição de monstros e leva uma vida social de monstro. Pessoas que aparentemente são normais, possam ser torturadores quando assumem o seu serviço. O ser humano é capaz dos gestos mais nobres e dos mais ignóbeis. A sociedade em que vivemos é uma sociedade que não aboliu por inteiro a tortura. Não se tomou a consciência de que a tortura é uma coisa abominável. Isso é dramático.- -
Isis
--- Há exemplo de psicopatas. No interior, um soldado pegou o preso e o fez comer fezes como se aquilo fosse uma coisa boa. E depois, atirou na coluna do preso. E sorriu. - -


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