- MATA SERRADA -
- 26 -
OVO DA SERPENTE -
Então, no fim da conversa, Isis
procurou enxergar mais alguma coisa nas caixas trazidas por Moema. Umas latas
pequenas e mofadas como tudo aquilo que estava em volta. Moema apagou a luz a
iluminar a sala e começou a fazer a projeção das imagens gravadas há um longo
tempo por cineastas de improviso para documentar a ação da guerrilha. Nesse momento,
Isis procurou se sentar para poder ver melhor o feito pelos guerrilheiros,
mesmo sem som no projetor, apenas com o som matracado da máquina nas selvas e
morros por onde perambulavam os rebeldes a combater mosquito entranhados nos
pescoços. Era assim a aprender a lutar os jovens do grupo armado. Quase meia noite e não se ouvia qualquer
zoada vinda de baixo por onde costumavam transitar os apressados veículos na
passagem dos Ministérios.
Isis
--- Essa era a selva de Cuba? - -
indagou atenta.
Moema
---Sim. Mas tem outras partes no
oeste do Chile. Espere e verás. - -
falando em murmúrio.
Isis
--- Chile fica perto do Uruguai?
- - indagou com quem não sabia direito
Moema
--- Fica perto da Argentina. Para
o oeste. - - fez com a mão o Oeste.
Isis
--- Não entendo de nada! – -
resmungou por não conhecer as zonas de Leste e Oeste.
Moema
--- Espere! Aqui tem uma parte
melhor. - - e mudou o filme que terminara ali mesmo
E Isis esperou o aguardo. Moema trocou
de filme ligeiramente e apagou a luz que havia ligado enquanto fazia a mudança.
No final a moça disse:
Moema
--- Essa! Escute. Tem som. Vou
baixar. - -
E assim começou a projeção. Dizia
que anterior ao golpe civil-militar que instalou a ditadura no Brasil em 1º de
abril, aquele foi um tema documentado. A influência da Guerra Fria, com o mundo
dividido entre o socialismo da União Soviética e o capitalismo norte-americano
despertou, entre os brasileiros, “o gigante adormecido” para a necessidade de reformas
sociais no Governo de João Goulart. A população não tinha suficiente lucidez
para perceber que, desde a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, o ovo
da serpente vinha sendo chocado pelas classes dominantes. A efervescência
política do Governo de Goulart era retratada como o surgimento de uma nova
conjuntura socioeconômica. Tudo era novo. A bossa nova, o cinema novo, a
literatura nova, a nova capital, Brasília.
O método de ensino de Paulo
Freire, através da alfabetização dos pobres de Angicos (RN), foi o impulso para
a gestação da chamada Pedagogia do Oprimido. A defesa da reforma agrária pelas
ligas camponesas e a criação da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste), dirigida por Celso Furtado e aliado ao Governo de Pernambuco à
época, Miguel Arraes, foram formas de livrar a região do coronelismo arraigado
pela República Velha. As reformas promovidas por João Goulart eram vistas pelos
Estados Unidos como uma demonstração do avanço do comunismo na América Latina.
A desconfiança e o imperialismo norte-americano foram motivos para que os EUA
financiassem o golpe militar no Brasil e despusessem Goulart em 1964. A
empreitada teve apoio do empresariado brasileiro.
Moema
--- Está vendo? Está vendo?
Preste atenção! - - falou com gestos.
Isis
--- Mas, eu não entendo! Como é
que o empresário queria fazer a revolução? O Golpe? - -
Moema
--- Você precisa entender que o
empresariado é quem manda no País. Nós somos bucha de canhão. De onde você
come? Eles, os empresários, são eles que governam. Quem vai para o Governo, é
um mero fantoche. Ele não manda em nada! Veja bem quanto se gasta no Brasil!
Uma tonelada de recursos. Agora, os Sindicatos patronais são quem governam. Eu
vejo em outros Estados, os Sindicatos patronais, dos patrões, ponde operário da
rua. - - comentou com ênfase.
Isis
--- Mas somos nós que os
elegemos! – - rebateu
Moema
--- Nós uma merda. Eles se
elegem! Veja Mato Grosso, Rio, São Paulo, Paraná e mesmo o norte do país. Quem
manda nisso? – - perguntou eufórica.
Isis
--- Eu não entendo! - -
Moema
--- Quanto percebe um vereador de
Natal? - - perguntou com ira.
Isis
--- Não sei! - - disse a moça
Moema
--- Dezoito mil reais fora as
despesas de custo! São 29 vereadores! E para que tantos? - - com fúria
Isis
--- Muita gente, de fato. - -
Moema
--- Quanto temo aqui no
Congresso? Quanto se paga? - - indagou com raiva
Isis
--- Mas, se trabalha aqui. - -
Moema sorriu e logo afirmou
Moema
--- Veja bem. O Governo norte
americano estava convencido, no seu tempo, de 1963 a 1969 de que o Brasil era
tão vulnerável à influência soviética quanto o Vietnã. Os Estados Unidos jamais
admitiram que o Brasil se tornasse sequer um país independente das órbitas
ianque e soviética. O regime antidemocrático fez com que a população pobre,
desejosa por reformas sociais e econômicas se tornasse independente de
“migalhas” norte-americanas, como as cestas básicas distribuídas pelo programa
de expansão do capitalismo na América Latina. – - falou brava.
Nesse momento, a porta do cômodo
se abriu e o diplomata Ênio Monroe pôs a cabeça para fora e chamou a atenção da
irmã.
Monroe
--- Vai dormir. Três horas da
manhã. Nós estamos de viagem marcada. Ora! – - e fechou a porta
Isis
--- Três horas? – - indagou a
jovem à sua amiga.
Moema
--- Vamos dormir esse resto de
madrugada. - -
Isis
--- E os filmes? – - indagou a
ver as latas.
Moema
--- Eu guardo. Vamos levar para a
Itália. Por lá veremos melhor. - -
Isis
--- Itália. E eu não sei nem
falar português. - - disse a moça decepcionada
No dia seguinte, pela manhã, 10
horas, as duas amigas já estavam nas boutiques de Brasília atrás de compras de
vestuários para se agasalhas contra o frio a assolar países da Europa naqueles
dias de horror. Jornais traziam notícias de países da Europa, o Oriente Médio e
da África ocorridos nos derradeiros momentos. Um bêbado pedia esmola pelas
esquinas de Brasília ou dormiam ao solo em um ponto qualquer da capital da
República sob os efeitos de drogas. Como a cocaína, crack ou mescalina. Os
pobres dormiam sob o solo quente.
Isis
--- Quantos bêbados? – - relatava
espantada a enxergar de viés.
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