- Camilla Belle -
- 03 -
O CAÇADOR
Jorge de Mana não era tão velho
como se pode supor. Mesmo assim era um cinquentão e vivia da caça no interior
do Estado. Um dia ou outro, Jorge de Mana, quando pelo tempo observava se era
hora de sair, a olhar apenas e se largava com o seu matulão, candeeiro de
carbureto, espingarda de soca, facão que ele chamava de “lambedeira” sempre
preso na cintura, munição de monta e uma cadela. Essa cadela tinha um nome
sugestivo: “Molambo”. Se alguém lhe perguntasse por Molambo”, ele apontava para:
Jorge:
--- Lá na frente. – respondia sem
se preocupar,
A cadela era de pelo macio, olhos
sagazes, boca como de que sorrir a todo instante, orelhas para baixo e patas
não muito grandes. Jorge de Mana dizia ter encontrado a cadela no meio do lixo
entre uma molambagem de veras e portanto ele lhe colocou o nome dos tantos
molambos existentes em torno da cachorra. Quando saia para a caça, Molambo já
adivinhava e seguia à frente latindo como a lhe chamar:
Molambo:
--- Vamos! Vamos! Chega! Chega! –
era como o seu latido chegava a dizer
No tempo bom, Jorge de Mana
seguia logo cedo da noite para ver se arrumava algum tatu ou mesmo camaleão da
cauda longa para o almoço da família no dia seguinte. Se houvesse formiga de
roça, isso não preocupava a Jorge como também picada de cobra ou do lacrau,
bicho asqueroso para o dito do meio mundo. Picada de cobra de qualquer
qualidade, era morte certa para quem picasse Jorge de Mana. E ele dizia sempre:
Jorge:
--- Tenho corpo fechado para essa
raça. – e sorria.
E assim ele seguiu para a mata
tendo a cadela à frente como se fosse um cicerone para qualquer coisa. Jorge de
Mana vasculhava por todo o caminhar a olhar seguro se as tocas estavam ou não
protegidas de algum tatu ou camaleão dentre os bichos do mato, os animais
seguros quando de verdade se enfurnam. O lampião de carbureto fazia a vez de
Joao de Mana melhor observar onde estaria o animal quase sempre acuado. Os
animais se afugentam durante o dia temerosos dos seus inimigos predadores. Por
isso, é mais fácil caça-los durante à noite quando gambás, hienas e cobras
deixam as suas tocas e partem para a caça noturna. Os sons emitidos por esses
animais dão-lhes maior segurança de estarem protegidos, principalmente dos
inimigos, como morcegos, predadores da noite onde os sapos são as melhores
caças. Os camaleões são animais de sangue frio que usam a temperatura do ar
para regular a sua atividade. Disso, Jorge de Mana sabia muito bem. Por isso, a
caçada noturna era o seu maior divertimento. A caçada de tatus tem uma
particularidade interessante, pois não se usa arma de fogo. Na maioria das
vezes, apenas foice e facão. Pelas matas do interior do Nordeste é o lugar
propício para caçar o animal.
A lua era cheia e o seu clarão
envolvia todo o sertão nordestino. Nesse tempo, os animais de caça temem sair
por conta dos seus predadores. Mesmo assim, há os mais afoitos e, no final das
contas, largam o temor para chegar a uma lagoa onde se bebe água e igualmente
se devora algo por demais comedouro. E assim vivem os tatus, tacacas, toupeira,
corujas, animais preparados para viver na noite. Na noite de sua caça, Jorge de
Mana percorria longo percurso em busca dos animais como os tatus-pebas vividos
nos campos, cerrados e bordas de floresta o qual as patas dianteiras faz
finca-pé para cavar sua toca. As pessoas do mato costumam chamar esse tipo de
tatu de papa-defunto, pois esse animal se alimenta de cadáveres. Em meio a esse
costume, Jorge de Mana, caçador afamado por ter atocaiado animais desde sua
tenra idade, ouviu um latido bastante distante de sua cadela Molambo. Ele se virou para um lado e para outro e meteu
a carreira, pois a cadela estaria acuando algum animal, talvez um Tijuaçu ou um
outro animal de grande porte, quem sabe um touro. Com o seu candeeiro a alumiar
apesar de haver lua cheia Jorge de Mana meteu o pé no caminho, as vezes batendo
em matagais pelas veredas do sertão e em outras se perdendo de rumo. E a cadela
a latir freneticamente como a chamar o seu amo:
Molambo:
--- Venha! Venha! Aqui! Aqui! –
talvez dissesse a cadela com bastante cuidado.
E o homem quase se perdia de
tanto correr, passando por cimas de trocos caídos e pulado por um lado ou por
outro para conhecer melhor a direção a tomar. Vez por outra soltava um assobio
alertando a cadela a estar a caminho e não tardaria chegar.
Jorge:
--- Calma, Molambo! Calma! Segura
o bicho! Estou chegando! – dizia alarmado.
E a cadela a latir constante a
cada vez mais próxima, pois o seu ladrado se fazia com maior segurança de onde
ele estava acuando uma caça talvez gigante para o seu tamanho. E Jorge de Mana
alertava a falar.
Jorge:
--- Estou chegando! Estou
chegando! Torne a latir com maior cuidado! – alertou preocupado.
A vegetação arbórea formada de
arbusto e cactos espinhentos eram o desmantelo para Jorge de Mana ultrapassar
com segurança. Os pés de Ingá eram os de maior sacrifício a cortar vales
estreitos e seus outeiros. Já quase morto de cansado, o homem matuto se deparou
com trágica arrumação. Era um monstro de maior tamanho. Dava medo até de se
aproximar do trágico camaleão de dois metros ou quase mais de tamanho. Enervado por si só, Jorge de Mana mandou a
cadela sair da frente pois só tinha um jeito de resolver a questão: mandar bala
para cima:
Jorge:
--- Sai daí Molambo! Via! Sai! –
dizia o matuto a preparar sua espingarda de soca.
E a cadela a latir enquanto o
chicote do camaleão se fazia presente. Cada rabanada, a cadela se livrava a
pular e a latir de um lado para outro. Era um caso sério aquele de matar o
animal, pois não havia jeito e nem tampouco de salvar o diabo do monstro. A
cauda da danada dava a cada instante uma chicotada com um silvo a acordar quem estava
morto. Não acertava a cadela, mas era a sua defesa. Zip-zap-zip-zap fazia o dragão cortando o ar com estranha rapidez.
E nem por isso Molambo se importava. Era uma chicotada. Era um pulo da cadela.
Em todo esse tempo o miserável camaleão não acertava de pronto o seu alvo. O
seu algoz. E nem por isso o matuto se importava. E continuava a chamar a sua
cadela a preparar o destemido fogo. Quando bem não foi: bam! Foi um tiro certeira. Jorge de Mana encheu a cara do ardido
camaleão.
Jorge:
--- Pega aí seu demônio! – disse
o homem com a sua espingarda atirando bem em cima do ativo monstro.
O espocar da arma fez voar para
todo lado as garças e emas que estavam a dormir nos seus poleiros de pé de pau.
Foi um tremendo alvoroço com a danação de aves assustadas com o terror do tiro
do caçador. Guaxinins e toupeiras fizeram do mesmo. Era o fim do mundo para
aqueles assustados animais. Em baixo, na terra, o camaleão. Foi um tiro
certeiro de Jorge de Mana. Com a cabeça toda deformada do bicho esquisito, o
matuto caçador aprontou outra vez a espingarda para dar o tiro de misericórdia.
Em tal instante surgiu da mata, um homem, um tropeiro a vadear em suas cruéis
andanças pelo sertão nordestino. E se espanto com o que pode observar.
Tropeiro:
--- Danação! Isso é um monstro! –
declarou alarmado
Jorge de Mana fez mais um disparo
e acabou com o demônio de camaleão. O animal desandou e caiu firme e morto. Em
seguida cumprimentou o tropeiro a ditar:
Jorge:
--- Foi tiro e queda! Esse não
tem mais tempo de comer. – disse o matuto.
O tropeiro seguiu o olhar e notou
a cadela caída ao chão com ferimento de bala. Ela estava agonizando de dor. E o
tropeiro, alarmado, fez questão em declarar.
Tropeiro:
--- E o que se faz com a cadela?
– perguntou com olhar atento.
Jorge:
--- Pobre Molambo. Fez de tudo o
que podia. Não quero nem olhar. – disse o matuto a seguir viagem
Nesse instante ouviu-se o espocar
de um disparo. Foi um tiro certeiro a varar o peito da cadela. O tropeiro
lacrimou com o que fez.
Tropeiro:
--- Matar um cão moribundo e
danação. – relatou o tropeiro a guarda a sua arma.
A manhã já estava por chegar
quando Jorge de Mana chegou a sua humilde casa. E a sua mulher ainda assim
perguntou:
Mulher:
--- Onde está Molambo? – indagou
meio alvoroçada.
Jorge:
--- A coitada ficou. – respondeu
o matuto com os olhos cheio de lágrimas.
Era sina de um caçador de tatu do
sertão.
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