quarta-feira, 5 de novembro de 2014

À LUZ DA LUA - 03 -

- Camilla Belle -
- 03 -

O CAÇADOR

Jorge de Mana não era tão velho como se pode supor. Mesmo assim era um cinquentão e vivia da caça no interior do Estado. Um dia ou outro, Jorge de Mana, quando pelo tempo observava se era hora de sair, a olhar apenas e se largava com o seu matulão, candeeiro de carbureto, espingarda de soca, facão que ele chamava de “lambedeira” sempre preso na cintura, munição de monta e uma cadela. Essa cadela tinha um nome sugestivo: “Molambo”. Se alguém lhe perguntasse por Molambo”, ele apontava para:
Jorge:
--- Lá na frente. – respondia sem se preocupar,
A cadela era de pelo macio, olhos sagazes, boca como de que sorrir a todo instante, orelhas para baixo e patas não muito grandes. Jorge de Mana dizia ter encontrado a cadela no meio do lixo entre uma molambagem de veras e portanto ele lhe colocou o nome dos tantos molambos existentes em torno da cachorra. Quando saia para a caça, Molambo já adivinhava e seguia à frente latindo como a lhe chamar:
Molambo:
--- Vamos! Vamos! Chega! Chega! – era como o seu latido chegava a dizer
No tempo bom, Jorge de Mana seguia logo cedo da noite para ver se arrumava algum tatu ou mesmo camaleão da cauda longa para o almoço da família no dia seguinte. Se houvesse formiga de roça, isso não preocupava a Jorge como também picada de cobra ou do lacrau, bicho asqueroso para o dito do meio mundo. Picada de cobra de qualquer qualidade, era morte certa para quem picasse Jorge de Mana. E ele dizia sempre:
Jorge:
--- Tenho corpo fechado para essa raça. – e sorria.
E assim ele seguiu para a mata tendo a cadela à frente como se fosse um cicerone para qualquer coisa. Jorge de Mana vasculhava por todo o caminhar a olhar seguro se as tocas estavam ou não protegidas de algum tatu ou camaleão dentre os bichos do mato, os animais seguros quando de verdade se enfurnam. O lampião de carbureto fazia a vez de Joao de Mana melhor observar onde estaria o animal quase sempre acuado. Os animais se afugentam durante o dia temerosos dos seus inimigos predadores. Por isso, é mais fácil caça-los durante à noite quando gambás, hienas e cobras deixam as suas tocas e partem para a caça noturna. Os sons emitidos por esses animais dão-lhes maior segurança de estarem protegidos, principalmente dos inimigos, como morcegos, predadores da noite onde os sapos são as melhores caças. Os camaleões são animais de sangue frio que usam a temperatura do ar para regular a sua atividade. Disso, Jorge de Mana sabia muito bem. Por isso, a caçada noturna era o seu maior divertimento. A caçada de tatus tem uma particularidade interessante, pois não se usa arma de fogo. Na maioria das vezes, apenas foice e facão. Pelas matas do interior do Nordeste é o lugar propício para caçar o animal.
A lua era cheia e o seu clarão envolvia todo o sertão nordestino. Nesse tempo, os animais de caça temem sair por conta dos seus predadores. Mesmo assim, há os mais afoitos e, no final das contas, largam o temor para chegar a uma lagoa onde se bebe água e igualmente se devora algo por demais comedouro. E assim vivem os tatus, tacacas, toupeira, corujas, animais preparados para viver na noite. Na noite de sua caça, Jorge de Mana percorria longo percurso em busca dos animais como os tatus-pebas vividos nos campos, cerrados e bordas de floresta o qual as patas dianteiras faz finca-pé para cavar sua toca. As pessoas do mato costumam chamar esse tipo de tatu de papa-defunto, pois esse animal se alimenta de cadáveres. Em meio a esse costume, Jorge de Mana, caçador afamado por ter atocaiado animais desde sua tenra idade, ouviu um latido bastante distante de sua cadela Molambo.  Ele se virou para um lado e para outro e meteu a carreira, pois a cadela estaria acuando algum animal, talvez um Tijuaçu ou um outro animal de grande porte, quem sabe um touro. Com o seu candeeiro a alumiar apesar de haver lua cheia Jorge de Mana meteu o pé no caminho, as vezes batendo em matagais pelas veredas do sertão e em outras se perdendo de rumo. E a cadela a latir freneticamente como a chamar o seu amo:
Molambo:
--- Venha! Venha! Aqui! Aqui! – talvez dissesse a cadela com bastante cuidado.
E o homem quase se perdia de tanto correr, passando por cimas de trocos caídos e pulado por um lado ou por outro para conhecer melhor a direção a tomar. Vez por outra soltava um assobio alertando a cadela a estar a caminho e não tardaria chegar.
Jorge:
--- Calma, Molambo! Calma! Segura o bicho! Estou chegando! – dizia alarmado.
E a cadela a latir constante a cada vez mais próxima, pois o seu ladrado se fazia com maior segurança de onde ele estava acuando uma caça talvez gigante para o seu tamanho. E Jorge de Mana alertava a falar.   
Jorge:
--- Estou chegando! Estou chegando! Torne a latir com maior cuidado! – alertou preocupado.
A vegetação arbórea formada de arbusto e cactos espinhentos eram o desmantelo para Jorge de Mana ultrapassar com segurança. Os pés de Ingá eram os de maior sacrifício a cortar vales estreitos e seus outeiros. Já quase morto de cansado, o homem matuto se deparou com trágica arrumação. Era um monstro de maior tamanho. Dava medo até de se aproximar do trágico camaleão de dois metros ou quase mais de tamanho.  Enervado por si só, Jorge de Mana mandou a cadela sair da frente pois só tinha um jeito de resolver a questão: mandar bala para cima:
Jorge:
--- Sai daí Molambo! Via! Sai! – dizia o matuto a preparar sua espingarda de soca.
E a cadela a latir enquanto o chicote do camaleão se fazia presente. Cada rabanada, a cadela se livrava a pular e a latir de um lado para outro. Era um caso sério aquele de matar o animal, pois não havia jeito e nem tampouco de salvar o diabo do monstro. A cauda da danada dava a cada instante uma chicotada com um silvo a acordar quem estava morto. Não acertava a cadela, mas era a sua defesa. Zip-zap-zip-zap fazia o dragão cortando o ar com estranha rapidez. E nem por isso Molambo se importava. Era uma chicotada. Era um pulo da cadela. Em todo esse tempo o miserável camaleão não acertava de pronto o seu alvo. O seu algoz. E nem por isso o matuto se importava. E continuava a chamar a sua cadela a preparar o destemido fogo. Quando bem não foi: bam! Foi um tiro certeira. Jorge de Mana encheu a cara do ardido camaleão.
Jorge:
--- Pega aí seu demônio! – disse o homem com a sua espingarda atirando bem em cima do ativo monstro.
O espocar da arma fez voar para todo lado as garças e emas que estavam a dormir nos seus poleiros de pé de pau. Foi um tremendo alvoroço com a danação de aves assustadas com o terror do tiro do caçador. Guaxinins e toupeiras fizeram do mesmo. Era o fim do mundo para aqueles assustados animais. Em baixo, na terra, o camaleão. Foi um tiro certeiro de Jorge de Mana. Com a cabeça toda deformada do bicho esquisito, o matuto caçador aprontou outra vez a espingarda para dar o tiro de misericórdia. Em tal instante surgiu da mata, um homem, um tropeiro a vadear em suas cruéis andanças pelo sertão nordestino. E se espanto com o que pode observar. 
Tropeiro:
--- Danação! Isso é um monstro! – declarou alarmado
Jorge de Mana fez mais um disparo e acabou com o demônio de camaleão. O animal desandou e caiu firme e morto. Em seguida cumprimentou o tropeiro a ditar:
Jorge:
--- Foi tiro e queda! Esse não tem mais tempo de comer. – disse o matuto.
O tropeiro seguiu o olhar e notou a cadela caída ao chão com ferimento de bala. Ela estava agonizando de dor. E o tropeiro, alarmado, fez questão em declarar.
Tropeiro:
--- E o que se faz com a cadela? – perguntou com olhar atento.
Jorge:
--- Pobre Molambo. Fez de tudo o que podia. Não quero nem olhar. – disse o matuto a seguir viagem
Nesse instante ouviu-se o espocar de um disparo. Foi um tiro certeiro a varar o peito da cadela. O tropeiro lacrimou com o que fez.
Tropeiro:
--- Matar um cão moribundo e danação. – relatou o tropeiro a guarda a sua arma.
A manhã já estava por chegar quando Jorge de Mana chegou a sua humilde casa. E a sua mulher ainda assim perguntou:
Mulher:
--- Onde está Molambo? – indagou meio alvoroçada.
Jorge:
--- A coitada ficou. – respondeu o matuto com os olhos cheio de lágrimas.
Era sina de um caçador de tatu do sertão.



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