sexta-feira, 21 de novembro de 2014

À LUZ DA LUA - 17

- Camila Belle -

- 17 -
ADONIAS



Era manhã bem cedo. Adonias cultivava o seu terreno como fazia todos os dias. Plantava ele as suas hortaliças entre outros eventos simples até demais. Enquanto plantava, ele cantava melodias antigas dos velhos tempos. Canções quem ouvisse de nada entenderia. O homem já era um tanto idoso como as suas velhas canções. E assim, Adonias trabalhava sem dar conta do presente ou do passado levando a castigada vida apenas a cantarolar e cultivar a terra. O vento soprava ainda sem levantar quentura e pessoas a transitar pela estrada íngreme de barro não observavam aquele suave cantarolar do paciente e modesto ser. A sua mulher estava na casa alpendrada e, por sua vez, fazia o manjar do almoço a servir por volta do meio dia. Clara por igual cantarolava como se estivesse a acompanhar o marido em sua faina diária. Uma gaiola pendurada na entrada da casa: era um sabiá a gorjear uma saudosa melodia. No terreno do bem amplo quintal, um cata-vento a trabalhar sem reclamar puxando água da parte baixa do local. Cachorro a repousar na entrada do alpendre como se estivesse esperando a comida. Um galo a entoar a sua voz melodiosa para ter a certeza de ser ouvido. Um sujo chiqueiro com porcos a ronronar como a estar conversando entre eles. O sol a brilhar ainda fraco. Era o dia a iniciar a sua gestação preguiçosa.
Sem notar o que se passava ao derredor, Adonias mandou calar o cão por latir a qualquer preço. Ele, Adonias, não viu o homem naquele melancólico instante. Apenas o cão notava a sua inquieta presença. E assim ocorreu o sucedido. Ao voltar a terra, Adonias avistou perto de si, um outro compadre, conhecido de longas eras. E quase tremeu de susto. Nestor não era tão idoso como parecia ser. O seu aspecto era de um homem sadio, moço e forte. Na certa, foi um assombro para o idoso Adonias. A questão era de que seu velho compadre tinha sido morto a tempo e tanto, pelo ditar das pessoas de fora quando bastante comentavam. E aquele espanto colheu Adonias de surpresa:
Adonias:
--- Você não era o compadre Nestor? – indagou com pleno susto
O homem, ainda com a sua pouca idade, sorriu. Após alguns segundos, o jovem homem então falou com segurança.
Nestor:
--- Sou eu mesmo. Eu vim convidar para conhecer a minha nova casa? – falou com alegria
Adonias:
--- Casa? Que casa? E a outra? – perguntou surpreso o velho amigo.
Nestor:
--- Aquela casa não é minha, hoje. Os herdeiros tomaram posse. Eu tenho outra. – sorriu.
Adonias:
--- Outra? Mas como? Você vendeu a casa velha? – indagou sem entender de certo.
Nestor:
--- Eu não vendi. Mas já me deram outra muito mais elegante. – falou sorrindo
Adonias:
--- Eu não entendo como! E a velha (casa)? – falou inquieto.
Nestor:
--- Vamos conhecer a nova (casa). – sorriu o aparente homem
Adonias:
--- Mas como? Estou trabalhando agora! – lembrou sem temor.
Nestor
--- Encoste a ferramenta e me dê a mão. – disse o compadre.
Sem saber o que estava a ser feito, o idoso homem largou as suas tralhas e segurou na mão de seu compadre duvidado do que ouvira falar. Em um instante, Adonias sumiu. Como uma alucinação verdadeira, o homem idoso, em um instante estava em outro local. Mesmo pulando de um plano para outro, Adonias reconheceu o novo local da mesma forma como se estivesse em um só recanto da velha cidade. E Nestor aludiu:
Nestor:
--- Veja aonde eu resido, hoje. Uma moradia singular onde habitam várias pessoas, uns até mesmo conhecidos e outros, nem tanto para você. – relatou
Adonias ficou assustado com aquele ambiente. E chegou a ver antigos compadres a quem os cumprimentou acertadamente. A residência era toda mobiliada e ao setor mais para além estavam mulheres e crianças a trocarem conversas por ele não escutadas. Aquela era uma maravilha de residência. Tudo de moderno estava presente. De sofá a escrivaninha. Molduras de pessoas, candelabros, uma mesa com modernas cadeiras. Um luxo só. Após breves instantes Adonias indagou:
Adonias:
--- Onde estão os outros? – perguntou meio assustado.
Nestor:
--- Alguns estão a caminhar pela rua. Outros saíram para determinados locais. – sorriu
O idoso amigo refez mais uma questão.
Adonias:
--- Espere! Mas você morreu! – perguntou assustado.
O jovem compadre sorriu e respondeu:
Nestor:
--- Compadre, não se morre. Você está agora em uma nova dimensão. Em mais um Universo. São milhões de Universos a se percorrer. Eu estou nesse, agora, como estive em outros, no passado e ainda vou estar no futuro. Para você acreditar, nós não vivemos nem no passado nem no presente. Tudo é Universo. É um multiverso. – sorriu com satisfação
O velho homem coçou a sua cabeça para falar:
Adonias:
--- Não entendo nada do que o compadre fala. Isso é coisa de eu estar sonhando. – reafirmou
Nestor:
--- Quer se encontrar com outros velhos conhecidos? – indagou sorrindo.
Adonias:
--- Eu vejo as pessoas que estão aqui? – indagou surpreso
Nestor:
--- Eu tenho certeza. Mulheres, homens e meninos. Os meninos talvez você nem se lembre tanto. Mas as moças, essas você se lembra de verdade. – falou com severa afirmação.
E os dois amigos perambularam pela rua, naquela hora, à noite onde pouca gente estava a caminhar. Era uma rua por Adonias bem conhecida. Contudo, a não ser por suas lembranças, tinha algo de diferente. Todas as casas estavam todas fechadas. Todas ou quase todas. E peregrinado por caminhos incertos, o idoso homem topou com uma moça toda vestida de cor branca e, de imediato, ele a reconheceu:
Adonias:
--- Leonor, é você? – perguntou surpreso
Leonor:
--- Como vai, querido. Faz um bom tempo. – falou alegre e cheia de graça
Adonias:
--- Por Nossa Senhora! Mas você morreu? – indagou quase a chorar.
Leonor:
--- Quem disse isso? Eu estou bem. E você? – dialogou.
O velho homem voltou a coçar a cabeça por se lembrar de tantos anos passados quando ele conviveu com Leonor em tempos remotos. Por isso mesmo, Adonias chorou da imensa saudade de ter estado com a moça naquele incontável instante. Ele nem mais precisava descrever com os perdidos afetos e delicados carinhos nos entraves da emoção de belos e imagináveis tempos. Era a saudade do eterno anseio. Teatro, cinema, pracinhas, velhos carnavais, cerveja em um bar da esquina, viagem de trem, banhos de mar, a sombra de coqueiros, beijos ao luar entre eternas juventudes.
Leonor:
--- Saudade do bem-querer, amor! – lembrou em verdadeiro êxtase.
O velho senhor das estrelas nada mais conseguiu falar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário