segunda-feira, 3 de novembro de 2014

CONTOS - 01 - À LUZ DA LUA


- Catarina Wallenstein -

- 01 -

Parte Um

José Pereira ou apenas Zeca do Caju era menino dos seus nove anos de idade. Quando era mais moço em sua idade, ele costumava perambular pela mata a buscar pássaros de qualquer espécie para vender na cidade ou a outros garotos tal qual ele. Garoto calado, Zeca entrava de mato a dentro a verificar as armadilhas preparadas no dia passado, tentativa de na arapuca ter caído algum passarinho. Matar, isso ele não fazia. Apenas coletava os pássaros quando vivos. E sempre os pássaros resistiam o tempo do alçapão. O menino, de quando em quando volteava o seu acerto a procura de algo como frutas, de preferência mangas (rosas) e cajus maduros no seu tempo, pois cajus tinham tempo certo de se colher. Morcegos eram os principais inimigos das frutas, uma vez ter de colher e sempre deixava cair ao solo. Quando um caju maduro despencava, não restavam duvidas: plaf. Era a queda e o espedaçar ao chão. Daí então, eram as formigas ou as moscas para se contentar com fidúcia.
Enfim, Zeca (do Caju) passeava por todo o quintal da serra onde havia as mais diversas espécies de aves das quais o garoto aproveitava para pegar algumas enquanto outras de menor venda ele soltava ao leu após desarmar o seu alçapão. E os pássaros soltos voavam para longe repletos de exultação. O garoto sorria e olhava aqueles pássaros libertos. Por alguns instantes, Zeca se sentava a verificar as demais armadilhas apenas a averiguar os passarinhos presos. Azulão, Craúna, perdiz, galo-campina, asa-branca, téu-téu e tantos mais. Após alguns instantes o garoto colocava as melhores aves a trancar em suas gaiolas. Depois de tanta teima, já não havia mais o conversar. Zeca voltava até a sua feira onde outros garotos teimavam em adquiri os pássaros nativos ainda presos em suas gaiolas.
Zeca:
--- Esse aqui eu vendo por dez. – dizia Zeca a observar o passarinho.
Comprador:
--- Tá louco? Esse, eu tenho de ruma. – protestava o comprador.
Zeca:
--- Pois venda o seu! Esse aqui, por menos de dez nem um tostão. – reclamava.
E o garoto prosseguia em sua viagem sempre a buscar comprador. O seu pai era chamado João Lorota por todos os conhecidos. Seu verdadeiro nome, afinal, era João de Deus Pereira. Por ouvir dizer, João de Deus foi por uma promessa de sua mãe quando estava ainda para ter o filho. Naquele tempo, a mãe escolhia o nome a colocar na pia batismal. Era um parto difícil e portanto a sua mãe o colocou João – por tempo de São João – e - de Deus – por ter a esperança de vir a ter o filho sem maior constrangimento. O parto foi mesmo na sua tapera por uma parteira, única mulher a pegar menino sem levar maiores problemas. João Lorota era conhecido assim por contar histórias estranhas quando ele corria o campo em busca de tatus, veados ou mesmo porco-do-mato dentre outras caças.
E Zeca do Caju seguia a mesma faina ao lado do seu pai ou andando só a procura das aves silvestres, com certeza, presas durante as primeiras horas do dia em suas arapucas. Quando estava para chover, Zeca já atinava e buscava maior proteção da chuvarada. Em tempo de invernada, quando o Céu se cobria de todo, o garoto procurava se acamar quase sempre a olhar o mau tempo pela brecha da janela. O velho pai também se apostava em sua casa. O que teria a fazer ficaria para o dia seguinte.
Lorota:
--- Não paga a pena! – era o que ele falava.
Quando era de estio o homem se metia de mata a dentro a procura de caça e trazer a lenha da vastidão do sertão dos Caicós armado com a espingarda de soca, um lampião e seu alforje onde levava de tudo um pouco. Às vezes, levava também o seu filho Zeca para ensinar como se pegava um tatu ou outra caça do mato. Quando a caça era de bom tamanho, Lorota amarava em duas varas onde podia transportar até a sua tapera.
Lorota:
--- Eu aprendi a fazer quando era do teu tamanho. – falava para o seu filho.
E o menino sorria a ajudar o pai a sustentar a caça presa nas varas. Não raro, Lorota segurava por uma ponta da vara pela frente a deixar o seu filho agarrar na ponta de detrás. Passavam das quatro da tarde e o sol já começava a não esquentar muito, como fazia sempre. Os pássaros do fim da tarde começavam a voltear em pleno Céu do interior dos Caicós e os mutuns da lagoa piavam a se despedir do amargo dia do verão. Nesse ponto, a conduzir nas varas o gigante porco do mato Lorota, a conduzir o seu burro carregado de madeira de fazer fogo, se deteve um pouco por ter visto um enorme touro marruado.
Zeca:
--- Pai! Um touro! – falou baixo e tomado pelo terror com os seus olhos vidrados no touro.  
O menino gritou assustado para o seu pai. O jerico sentiu o cheiro do touro e fez finca-pé se metendo a correr com os garranchos se despencando de cima do seu lombo entre um coice e outro. O bruto animal marruado se mostrou todo, saindo da mata e ficando no meio da estrada com seu focinho a bufar de forma constante a olhar o chão e mover a terra com uma das patas para trás entre um rugido e outro. Era a danação do terror. O touro tinha para o mínimo de três metros e uma altura colossal e a cada instante coiceava e mugia com frenética decisão de ataque a qualquer instante. Seus chifres eram de tamanhos tentadores talvez maiores os de um touro normal. O rugido delirante do seu mugido era de impressionar qualquer mortal. As patas eram enormes para um touro comum. De imediato, Lorota buscou o seu garoto e mandou o menino se trepar em um pé de tatajuba, a subir o mais alto que pudesse de modo a ficar livre de qualquer intento do terrível marruado. Dito isso, Lorota ficou em frente do marruado, um pouco distante para o touro o identificasse. Ele puxou do seu facão bico de galo e se postou meio encurvado, com os braços abertos como que dizia.
Lorota:
--- Vem pra cá! Vem! – falava o homem ao touro.
O bicho brabo ainda não se aprumara de vez. Apenas tremendamente mugia a escoicear a terra bruta.  O homem matuto não se espantava com o terror vindo da mata. Aquele gigante animal era um dos maiores já vistos por Lorota. Do seu canto, em cima a tatajuba, o garoto espiava com assusto e nada então falava. De repente teve início a luta. Era o bom contra o mau. A escoicear o chão, o touro brabo partiu em direção do pequeno homem. Antes do choque frontal, Lorota se esquivou o quando pode. E ao passar às cegas contra o ser natural, o touro soltou um enorme mugido a tempo de Lorota se montar em cima. Ao sentir o peso do homem em seu dorso, o animal fez finca-pé e balançou seu dorso de toda a maneira de modo a não permitir ao homem qualquer ação intempestiva. Um mugido e uma facada no espinhaço do marruado. E o touro ficou mais brabo deveras. Ao sentir a cutilada no seu espinhaço, o animal mugiu grosso e fez estardalhaço com suas imensas patas dianteiras e traseiras. O bicho pulou tão alto como só um touro podia fazer. Na mata a dentro, capivaras e outros bichos do mato de espantaram e fugiram para longe da contenda. A raposa que andava por perto se enfurnou de repente e amedrontada se amoitou na densa mata. O homem continuava a chicotear com o seu facão o espinhaço do marruado até, de repente, ele cair ao chão.
O touro estava sedento de ira. Do ponto onde o bicho parou soltou um tremendo urro quem sabe de dor ou de raiva a fragmentar inclusive as folhas do insípido matagal. E do seu lado a levantar e mostrar o facão para o bruto a fazer piruetas a jogar de uma mão para outra a arma ardente e incomoda, Lorota meio encurvado fazia o mesmo jogo de intriga.
Lorota:
--- Venha! Venha! Toma! Toma! Touro idiota! – falava para o marruado
Zeca:
--- Cuidado pai! Ele vai! – respondia o filho com bastante temor.
Lorota:
--- Deixa ele vir! Vem boi burro! Vem! Toma esse facão! – falava agachado olhado firme.
E o facão zoava de um lado para o outro com Lorota muito sisudo agachado quase ao chão rosnava sacudindo areia para os lados o quanto podia. O touro raivoso partiu com força em direção de Lorota e esse deixou passar para poder se montar no dorso do marruado a se prender aos chifres de enlouquecido bruto brabo de raiva. E então começou o acoite de patas do raivoso marruado a roncar, mugir, zoar e fazer um inferno de desespero. Enlouquecido, o touro pôs outra vez o seu algoz ao chão e correu só se voltando para nova luta. E Lorota se voltou para agarrar o marruado. Foi assim por muito tempo. Queda e coice. O homem já estava agoniado com tanta queda. O touro bufava mais do que nunca por conta dos ferimentos no corpo das lamboradas que lhe dava o homem com o seu facão rabo de galo. E o dia já estava a findar quando, em desespero, o homem se agachou mais uma vez a espera do ataque decisivo do marruado. E o touro veio com mais afinco. Lorota, por baixo ficou e enfiou o facão bem na parte do destemido touro. Foi um grito só. O marruado subiu ao céu a urrar como nenhum outro e voltou de repente estrebuchado de morte. O homem só viu o baque estrondoso do touro ferido já quase morto. Lorota limpou o facão e disse:
Lorota:
--- Pronto! Acabou a festa! – e cuspiu de lado por teimosia do bicho
Em um instante estava bem perto do seu pai o garoto Zeca do Caju espiando o boi estremecendo para então morrer. E perguntou então:
Zeca:
--- Tá morto? – indagou de olhos abertos. E Lorota confirmou puxando o facão para arrancar o coração do marruado.

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