- Camila Pitanga
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O OUTRO
José (Zé) Jovino, após ter tanta
luta no serviço de assentar pedra, então foi para a sua casa com o seu matulão
nas costas adiantando no pensar se o que fez deu certo. Ele trabalhava como
pedreiro de construção e estava fazendo o conserto de um muro de uma residência
em uma casa de um “coronel”, ou seja: de um ricaço. O homem era bruto para os
diabos. Mandava em tudo e queria que se fizesse tudo muito certo, do contrário
ele – o “coronel” – não pagava nem um tostão pelo serviço feito. O chamado
coronel tinha o nome de Policarpo não sei das quantas e os demais o tratavam
por “doutor”. E de que ele – Zé – não sabia dizer. Até Zé Jovino o tratava por
“doutor” como os demais “amigos” de banca. De banca porque quando o homem não
estava vistoriando o serviço, por certo estava bebendo – cachaça -. Enfim, essa
era a vida do homem pobre em confronto com o rico. Para completar, o doutor
Policarpo colocou um “servente” para ajudar na obra. Esse servente era sempre
calado a vida toda e quanto falava só dizia: “é bem ali” fazendo com lábios a distância
apontada. Era um moço baixo, até certo ponto gordo, tinha mulher e um filho.
Para completar, morava de aluguel – coisa de serventia pois esse aluguel o moço
não pagava nem um tostão ao seu dono, o próprio doutor Policarpo. E era assim o
pensar de Zé Jovino.
Jovino:
--- Ora vai pra merda! Tô vendo a
hora de não pregar mais nem um tijolo! – pensava com seus botões
E sorria no final das contas.
Após tomar umas e outras na
bodega da esquina da rua onde Jovino morava, ele garrou do seu matulão e se foi
para a sua casa, um casebre de duas águas, por sinal muito baixa, com uma porta
cerrada ao meio e uma janela que, para fechar, a pessoa levantava um pouco com
as suas mãos. Era um casebre de arrumação dado pelo seu próprio pai, sendo essa
a primeira casa a servir para o casamento ao velho Jovino, quando moço. Após
tanto lenga-lenga, o pai doou o casebre ao filho para ele morar com a sua
mulher de muita pouca idade. Aparentemente, a mulher de Zé Jovino tinha os seus
18 anos. A moça foi tirada de um cabaré da zona e foi morar com o rapaz nessa
casa, por sinal, de taipa e mais chovia dentro do que fora na época invernosa
quando todo o povo da rua aproveitava para apanhar águas em latas e panelas.
Mas essa é outra questão.
Chega Zé Jovino em seu casebre.
Quando ele olhar mesmo antes de entrar, nota um rapaz a fazer sexo com a sua
dama. Esse, completamente nu como também estava a dama de ocasião. Zé Jovino
não se conteve de ira. Puxou de sua peixeira e largou no ventre do atrevido.
Uma, duas, três ou mais vezes. Quando a dama quis correr, ele também atrapalhou
pondo o pé adiante e a dama caiu ao solo. Com toda a sua ira, enfiou a faca no
peito e bucho da amante de aluguel. Os gritos extremos da mulher despertaram a
curiosidade do povo das casas em frente, do lado e mais adiante.
Vizinhos:
--- Olha! Tá havendo confusão na
casa do Zé! – disse alguém alertando os demais
Homem:
--- Deixa prá lá! Eles se
ajeitam! – declarou o homem da casa.
Em correria desenfreada passou
feito um foguetão Zé Jovino em busca do desconhecido a deixar desarrumado em
sua cama o casal de amantes. O rapaz caído ao chão com a sua cabeça destroçada,
os pés na cama e pelo modo de dizer: completamente nu. A mulher ficou da mesma
forma também sem vestes. O pessoal da rua enfrentou o destino e penetro no
casebre a procura de cobre um pouco a santa mulher. Estavam os dois já sem
vida. Um rapaz se postou a correr em busca da Polícia e outros ficaram a
comentar o fato uma vez ter nada a ser feito.
A zoeira se formou naquele arremedo de bairro mais parecendo uma favela,
uma vez não ter no loca água encanada ou mesmo luz elétrica. Os políticos
prometiam olhar com maior presteza em futuro a sorte degradante dos moradores
do Monte, uma vez não ter o arruado nem haver nome para pôr em um chamado
bairro, uma vez não existir nome sequer. Aquela morte do casal não valia a pena
se discutir então. A Delegacia de Polícia mais próxima ficava por demais
distante e, em uma hora daquelas não se prometia nenhum socorro, de certo. Nem
mesmo o “rabecão” podia subir às alturas de onde ficava o Monte. No muito, o
povo levava os cadáveres em burros ou em carroças. Em sua correria, o homem Zé Jovino, foi se
esconder na capoeira onde nem sequer cobra entrava.
No dia seguinte, quando era já
volta das dez horas os corpos dos amantes já estavam liberados para serem
devidamente sepultados. A Prefeitura da Cidade fez doação dos caixões para
colocar os seus defuntos. Na calçada do Instituto Médico as famílias discutiam
para a prisão do pedreiro uma vez haver discórdia entre os parentes das
vítimas.
Família Um:
--- A culpa é dela que chamou o
meu filho para a casa. – discutia a mãe do rapaz morto
Família Dois.
--- E porque ele aceitou trair? –
indagou alterado o pai de Jovino
Família Um:
--- Só não te meto as mãos nas
fuças porque o senhor é um velho, - discutia um irmão da amante
Família Dois:
--- Pois se acha valente, vem
meter as mãos sujas, seu cara de merda. – alertou o pai de Jovino.
Terceiro:
--- Vamos deixar de arenga. O que
passou já é tarde. Vamos cuidar agora do enterro dos dois. – declarou um
terceiro homem para acabar a desavença.
Eram passados mais de um mês
quando Zé Jovino apareceu com um advogado à presença do Delegado de Polícia.
Após dar o seu testemunho foi posto em liberdade para, um dia, aguardar o seu
julgamento pelo duplo assassinato. Após dois anos e o pedido de clemencia o
Juiz deu o caso por encerrado, com a liberdade total para José Jovino. Nesse
período de conclamação de julgamento, houve um o qual teve a maior repercussão
onde o assassino era um sargento da Polícia. A vítima foi um médico. A Polícia
decretou a “morte” do sargento, e esse não foi nem mesmo a Júri por já estar
morto, muito embora a verdade fosse outra. Questões de pormenores legais.
Ao passar do tempo, um novo
crime. A vítima: José Jovino. Quando ele deixava o serviço um mascarado lhe
acerto em cheio com uma cutilada de faca. Foi morte certa. O crime foi à boca
da noite quando pessoas vinham do trabalho e nem deram conta do havido. Carros
a transitar, buzinaço inclemente, luzes ofuscantes, rapazes a correr para
entrega de jornais, cinemas sem sessão noturna, pois ainda era cedo, cafés
noturnos a fervilhar de gente, Mercado fechado, gente a cobrir suas
mercadorias, os negociantes a transitar, um rapaz baixado a porta da loja, uma
farmácia a atender a freguesia, gigolô a oferecer sua dama. Um corpo caído no
chão. Havia entre a vítima e a calçada uma cigarreira abandonada. Ali o homem
ficou preso apenas do destino. Um bêbado a passar, tropeçou e caiu sobre o
corpo de Jovino. O bêbado se desculpou e tentou se levantar, porém nada
conseguiu. E então o ébrio lhe perguntou:
Bêbado:
--- Você está bêbado ou está
morto? – indagou com a voz trôpega.
Como não obteve resposta admitiu
o homem também estar bêbado. E cuidado, o bêbado se soergue e, cambaleante,
bocejou um pouco e saiu dizente estar ali um novo bêbado.
Bêbado:
--- Olha um novo bêbado na
calçada. – recitou a cambalear.
E o tempo passou com muita gente
a desviar da calçada para não topar com esse novo bêbado. Após muita
desistência um rapaz olhou bem para o sem vida de declarou:
Rapaz:
--- Esse aqui tá morto! – fez ver
o moço
E foi assim o sucedido. Quando a
Polícia chegou fez o isolamento da área. Já era tarde da noite. E ninguém
reclamava por sua falta. Após a necropsia da vítima se chegou a conclusão da
morte por um golpe de faca peixeira. O seu corpo foi jogado na geladeira do
Instituto a espera de alguém para o reconhecer. Dois dias depois, um parente do
morto foi até o Instituto quando soube da notícia.
Parente:
--- Não é possível! Morto mesmo?
De que? – foi a total indignação
O cadáver foi levado em ataúde
para ser sepultado no cemitério da cidade. Após esse dia, passaram-se muitos
outros, talvez anos, para se vingar da morte de José Jovino. E ficou nessa
lenga-lenga de mata um, mata outro até os tempos marcarem que as famílias se
acabaram por todos de verdade. Enquanto houvesse um, era morte na certa. E o
nome do amontoado ainda ficou sendo o Monte Sem Nome, uma vez ninguém quer se a
próxima vítima. A Prefeitura da cidade decretou, um dia, a denominação do
bairro ponde um nome diferente daqueles que apelidaram Caverna do Esquecido.
Pessoa:
--- Mas que coisa! Caverna do
Esquecido! – supôs o homem
Outro:
--- Seria mais decente ser
chamado bairro e não Caverna. – relatou o sábio
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