sexta-feira, 14 de novembro de 2014

À LUZ DA LUA - 12 -

- Camila Pitanga

- 12 -

O OUTRO

José (Zé) Jovino, após ter tanta luta no serviço de assentar pedra, então foi para a sua casa com o seu matulão nas costas adiantando no pensar se o que fez deu certo. Ele trabalhava como pedreiro de construção e estava fazendo o conserto de um muro de uma residência em uma casa de um “coronel”, ou seja: de um ricaço. O homem era bruto para os diabos. Mandava em tudo e queria que se fizesse tudo muito certo, do contrário ele – o “coronel” – não pagava nem um tostão pelo serviço feito. O chamado coronel tinha o nome de Policarpo não sei das quantas e os demais o tratavam por “doutor”. E de que ele – Zé – não sabia dizer. Até Zé Jovino o tratava por “doutor” como os demais “amigos” de banca. De banca porque quando o homem não estava vistoriando o serviço, por certo estava bebendo – cachaça -. Enfim, essa era a vida do homem pobre em confronto com o rico. Para completar, o doutor Policarpo colocou um “servente” para ajudar na obra. Esse servente era sempre calado a vida toda e quanto falava só dizia: “é bem ali” fazendo com lábios a distância apontada. Era um moço baixo, até certo ponto gordo, tinha mulher e um filho. Para completar, morava de aluguel – coisa de serventia pois esse aluguel o moço não pagava nem um tostão ao seu dono, o próprio doutor Policarpo. E era assim o pensar de Zé Jovino.
Jovino:
--- Ora vai pra merda! Tô vendo a hora de não pregar mais nem um tijolo! – pensava com seus botões
E sorria no final das contas.
Após tomar umas e outras na bodega da esquina da rua onde Jovino morava, ele garrou do seu matulão e se foi para a sua casa, um casebre de duas águas, por sinal muito baixa, com uma porta cerrada ao meio e uma janela que, para fechar, a pessoa levantava um pouco com as suas mãos. Era um casebre de arrumação dado pelo seu próprio pai, sendo essa a primeira casa a servir para o casamento ao velho Jovino, quando moço. Após tanto lenga-lenga, o pai doou o casebre ao filho para ele morar com a sua mulher de muita pouca idade. Aparentemente, a mulher de Zé Jovino tinha os seus 18 anos. A moça foi tirada de um cabaré da zona e foi morar com o rapaz nessa casa, por sinal, de taipa e mais chovia dentro do que fora na época invernosa quando todo o povo da rua aproveitava para apanhar águas em latas e panelas. Mas essa é outra questão.
Chega Zé Jovino em seu casebre. Quando ele olhar mesmo antes de entrar, nota um rapaz a fazer sexo com a sua dama. Esse, completamente nu como também estava a dama de ocasião. Zé Jovino não se conteve de ira. Puxou de sua peixeira e largou no ventre do atrevido. Uma, duas, três ou mais vezes. Quando a dama quis correr, ele também atrapalhou pondo o pé adiante e a dama caiu ao solo. Com toda a sua ira, enfiou a faca no peito e bucho da amante de aluguel. Os gritos extremos da mulher despertaram a curiosidade do povo das casas em frente, do lado e mais adiante.
Vizinhos:
--- Olha! Tá havendo confusão na casa do Zé! – disse alguém alertando os demais
Homem:
--- Deixa prá lá! Eles se ajeitam! – declarou o homem da casa.
Em correria desenfreada passou feito um foguetão Zé Jovino em busca do desconhecido a deixar desarrumado em sua cama o casal de amantes. O rapaz caído ao chão com a sua cabeça destroçada, os pés na cama e pelo modo de dizer: completamente nu. A mulher ficou da mesma forma também sem vestes. O pessoal da rua enfrentou o destino e penetro no casebre a procura de cobre um pouco a santa mulher. Estavam os dois já sem vida. Um rapaz se postou a correr em busca da Polícia e outros ficaram a comentar o fato uma vez ter nada a ser feito.  A zoeira se formou naquele arremedo de bairro mais parecendo uma favela, uma vez não ter no loca água encanada ou mesmo luz elétrica. Os políticos prometiam olhar com maior presteza em futuro a sorte degradante dos moradores do Monte, uma vez não ter o arruado nem haver nome para pôr em um chamado bairro, uma vez não existir nome sequer. Aquela morte do casal não valia a pena se discutir então. A Delegacia de Polícia mais próxima ficava por demais distante e, em uma hora daquelas não se prometia nenhum socorro, de certo. Nem mesmo o “rabecão” podia subir às alturas de onde ficava o Monte. No muito, o povo levava os cadáveres em burros ou em carroças.  Em sua correria, o homem Zé Jovino, foi se esconder na capoeira onde nem sequer cobra entrava.
No dia seguinte, quando era já volta das dez horas os corpos dos amantes já estavam liberados para serem devidamente sepultados. A Prefeitura da Cidade fez doação dos caixões para colocar os seus defuntos. Na calçada do Instituto Médico as famílias discutiam para a prisão do pedreiro uma vez haver discórdia entre os parentes das vítimas.
Família Um:
--- A culpa é dela que chamou o meu filho para a casa. – discutia a mãe do rapaz morto
Família Dois.
--- E porque ele aceitou trair? – indagou alterado o pai de Jovino
Família Um:
--- Só não te meto as mãos nas fuças porque o senhor é um velho, - discutia um irmão da amante
Família Dois:
--- Pois se acha valente, vem meter as mãos sujas, seu cara de merda. – alertou o pai de Jovino.
Terceiro:
--- Vamos deixar de arenga. O que passou já é tarde. Vamos cuidar agora do enterro dos dois. – declarou um terceiro homem para acabar a desavença.
Eram passados mais de um mês quando Zé Jovino apareceu com um advogado à presença do Delegado de Polícia. Após dar o seu testemunho foi posto em liberdade para, um dia, aguardar o seu julgamento pelo duplo assassinato. Após dois anos e o pedido de clemencia o Juiz deu o caso por encerrado, com a liberdade total para José Jovino. Nesse período de conclamação de julgamento, houve um o qual teve a maior repercussão onde o assassino era um sargento da Polícia. A vítima foi um médico. A Polícia decretou a “morte” do sargento, e esse não foi nem mesmo a Júri por já estar morto, muito embora a verdade fosse outra. Questões de pormenores legais.
Ao passar do tempo, um novo crime. A vítima: José Jovino. Quando ele deixava o serviço um mascarado lhe acerto em cheio com uma cutilada de faca. Foi morte certa. O crime foi à boca da noite quando pessoas vinham do trabalho e nem deram conta do havido. Carros a transitar, buzinaço inclemente, luzes ofuscantes, rapazes a correr para entrega de jornais, cinemas sem sessão noturna, pois ainda era cedo, cafés noturnos a fervilhar de gente, Mercado fechado, gente a cobrir suas mercadorias, os negociantes a transitar, um rapaz baixado a porta da loja, uma farmácia a atender a freguesia, gigolô a oferecer sua dama. Um corpo caído no chão. Havia entre a vítima e a calçada uma cigarreira abandonada. Ali o homem ficou preso apenas do destino. Um bêbado a passar, tropeçou e caiu sobre o corpo de Jovino. O bêbado se desculpou e tentou se levantar, porém nada conseguiu. E então o ébrio lhe perguntou: 
Bêbado:
--- Você está bêbado ou está morto? – indagou com a voz trôpega.
Como não obteve resposta admitiu o homem também estar bêbado. E cuidado, o bêbado se soergue e, cambaleante, bocejou um pouco e saiu dizente estar ali um novo bêbado.
Bêbado:
--- Olha um novo bêbado na calçada. – recitou a cambalear.
E o tempo passou com muita gente a desviar da calçada para não topar com esse novo bêbado. Após muita desistência um rapaz olhou bem para o sem vida de declarou:
Rapaz:
--- Esse aqui tá morto! – fez ver o moço
E foi assim o sucedido. Quando a Polícia chegou fez o isolamento da área. Já era tarde da noite. E ninguém reclamava por sua falta. Após a necropsia da vítima se chegou a conclusão da morte por um golpe de faca peixeira. O seu corpo foi jogado na geladeira do Instituto a espera de alguém para o reconhecer. Dois dias depois, um parente do morto foi até o Instituto quando soube da notícia.
Parente:
--- Não é possível! Morto mesmo? De que? – foi a total indignação
O cadáver foi levado em ataúde para ser sepultado no cemitério da cidade. Após esse dia, passaram-se muitos outros, talvez anos, para se vingar da morte de José Jovino. E ficou nessa lenga-lenga de mata um, mata outro até os tempos marcarem que as famílias se acabaram por todos de verdade. Enquanto houvesse um, era morte na certa. E o nome do amontoado ainda ficou sendo o Monte Sem Nome, uma vez ninguém quer se a próxima vítima. A Prefeitura da cidade decretou, um dia, a denominação do bairro ponde um nome diferente daqueles que apelidaram Caverna do Esquecido.
Pessoa:
--- Mas que coisa! Caverna do Esquecido! – supôs o homem
Outro:
--- Seria mais decente ser chamado bairro e não Caverna. – relatou o sábio


Nenhum comentário:

Postar um comentário