quarta-feira, 12 de novembro de 2014

À LUZ DA LUA - 10 -


- Tainá Muller -

- 10 -

LAGARTO

Otacílio caminhava devagar pelo sertão a matutar sobre coisas vãs notadamente o desemprego a assolar as cidades interioranas pela falta de água nos açudes a matar cristão de sede. Na empresa onde ele trabalhou por algum tempo, naquele momento desativou os seus serviços e decretou embora todos os operários. Havia um completo descontentamento entre os chefes de famílias a virar dia e noite a procura de trabalho em algum lugarejo, pois as fazendas também demitiam os seus obreiros. Alguns vendiam banana na feira. Outros, de nada faziam. Era um desalento total. Inúmeros era os que seguiam para Estados do sul onde havia maior produtividade. Eram esses os chamados “retirantes”. Homens, mulheres e meninos a marchar em um caminhão cercado por uma lona e pernoitando na estrada a cumprir um longo percurso e nem saber se voltava, um dia. Era a sina do nordestino a moer o seu destino. O povo pobre da caatinga do sertão. E o verão brabo torrando tudo.  Então, Otacílio caminhou sem destino a procura de tatu ou outro animal o qual se pudesse comer. Na sua tapera, ele deixou a mulher, uma filha pequena e um garoto de 9 anos. Para comer: farinha de mandioca, sal, rapadura e nada mais. Se tivesse sorte, ele caçaria um tatu ou, talvez, um veado, com bastante sorte.
Manha de seca onde não havia nem ronco de onça. E Otacílio discutia com os seus botões. Certa vez, anos passados, a seca dominada o sertão. A falta de trabalho era por demais causticante. E o homem lembrou desse ano bravio. E da menina, sua filha. A triste lembrança se deu por causa de um lagarto pequeno que o povo chamava de calango (verde). E por conta dessa lembrança o homem sorriu quando recordou da menina a pergunta como foi a história do tal lagarto. E foi desse modo, então:
Menina:
--- Papai, conta a história do calango. – sorriu a menina.
Otacílio:
--- Calango? Ah. Bom. Foi desse jeito. Era um ano de muita seca. Não água nos barreiros. E nem trabalho para os homens. Eu era menino, assim, desse tamanho – fez o tamanho a levantar a mão na sua cintura.
E a menina sorriu e ficou quieta a deitar no colo do seu pai. E ele prosseguiu.
Otacílio:
--- Havia muita desgraça por toda essa região. Muita gente foi para casa de gente rica moradora na cidade grande. – falou sem remorso.
Menina:
--- E o senhor quis sair também? – pergunto a infante.
Otacílio:
--- Eu era pequeno, como já falei. Mas três das minhas irmãs arribaram para a Capital. Nunca soube de notícias das meninas. Bem. Como contava. Nós não tínhamos nada para comer, a não ser farinha seca, se bem me lembro.
Menina:
--- Só farinha? – indagou a criança.
Otacílio;
--- Só farinha e nada mais. O meu velho – (pai) – um dia saiu para caçar qualquer bicho do mato de modo a saciar a fome que nos afligia. – disse o homem.
Menina:
--- O velho é o meu avô? – perguntou a garotinha.
Otacílio:
--- Sim. Ele mesmo. Já nem se lembra mais dessa história. – sorriu.
Menina:
--- Conta mais. Conta. – sorriu a infante.
Otacílio:
--- Bem. Ele estava a caçar no mato quando foi surpreendido por um lagarto. Mas um lagarto pequeno. Aquele que se chama de calango verde. Já viu? – indagou à filha.
Menina:
--- Sim. Eu já. – sorriu encantada.
Otacílio:
--- Pois bem. Foi só uma tacada. Pei e bufo. Meu matou o calango. Quando ele voltou para casa, todos nós nos alegramos. Naquele dia tinha comida da boa: calango assado. – sorriu o matuto
A menina também sorriu e depois indagou:
Menina:
--- O senhor também caça calango? – indagou preocupada.
Otacílio:
--- Eu não. Hoje temos comida franca. – relatou o homem.
Menina:
--- Cuscuz, farinha e carne assada. – sorriu a garota.
Otacílio:
--- E temos café, broa e tapioca. – sorriu o homem
Nesse ponto a história acabou de vez. Otacílio já era um homem e todos os dias deixava a tapera para caçar tatu, se bem servisse. Talvez encontrasse o veado ou um gato do mato, com muito jeito. De calango, nem pensar. Esses lagartos eram tão pequenos que davam dó. Contudo, se fosse o caso, quem sabe?  
Porém um homem forte e desconhecido acercou-se de Otacílio e lhe perguntou com fala mansa.
Desconhecido:
--- Bom dia, patrão. Onde você mora? – pergunta o desconhecido.
Otacílio aponta em outra direção a declarar.
Otacílio:
--- Para as bandas de Mata Grande. – declarou após fazer seu gesto com o braço  
Desconhecido:
--- Estás sem trabalho? – perguntou esbanjando cortesia
Otacílio:
--- Aqui tudo está fechado. E trabalho não se acha. – declarou.
Desconhecido:
--- O senhor quer trabalho? – perguntou.
Otacílio.
--- Em que? – retrucou.
Desconhecido.
--- Nos Goiás! – sorriu.
Otacílio coçou a barba e indagou.
É longe? – perguntou.
Desconhecido:
--- Dois dias a gente está na terra. – sorriu o homem
Otacílio
--- E a gente recebe? – falou acanhado
Desconhecido
--- Bem mais do que o senhor pode pensar. Se quiser, vamos agora. – sorriu.
Otacílio:
--- Eu tenho mulher e filhos. – declarou
Desconhecido:
--- Junta tudo e vamos. – sorriu.
Otacílio:
--- Dá pra chamar a mulher? – indagou tremendo de contente

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