- Tainá Muller -
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LAGARTO
Otacílio caminhava devagar pelo
sertão a matutar sobre coisas vãs notadamente o desemprego a assolar as cidades
interioranas pela falta de água nos açudes a matar cristão de sede. Na empresa
onde ele trabalhou por algum tempo, naquele momento desativou os seus serviços
e decretou embora todos os operários. Havia um completo descontentamento entre
os chefes de famílias a virar dia e noite a procura de trabalho em algum
lugarejo, pois as fazendas também demitiam os seus obreiros. Alguns vendiam
banana na feira. Outros, de nada faziam. Era um desalento total. Inúmeros era os
que seguiam para Estados do sul onde havia maior produtividade. Eram esses os chamados
“retirantes”. Homens, mulheres e meninos a marchar em um caminhão cercado por
uma lona e pernoitando na estrada a cumprir um longo percurso e nem saber se
voltava, um dia. Era a sina do nordestino a moer o seu destino. O povo pobre da
caatinga do sertão. E o verão brabo torrando tudo. Então, Otacílio caminhou sem destino a procura
de tatu ou outro animal o qual se pudesse comer. Na sua tapera, ele deixou a
mulher, uma filha pequena e um garoto de 9 anos. Para comer: farinha de
mandioca, sal, rapadura e nada mais. Se tivesse sorte, ele caçaria um tatu ou,
talvez, um veado, com bastante sorte.
Manha de seca onde não havia nem
ronco de onça. E Otacílio discutia com os seus botões. Certa vez, anos
passados, a seca dominada o sertão. A falta de trabalho era por demais
causticante. E o homem lembrou desse ano bravio. E da menina, sua filha. A
triste lembrança se deu por causa de um lagarto pequeno que o povo chamava de
calango (verde). E por conta dessa lembrança o homem sorriu quando recordou da
menina a pergunta como foi a história do tal lagarto. E foi desse modo, então:
Menina:
--- Papai, conta a história do
calango. – sorriu a menina.
Otacílio:
--- Calango? Ah. Bom. Foi desse
jeito. Era um ano de muita seca. Não água nos barreiros. E nem trabalho para os
homens. Eu era menino, assim, desse tamanho – fez o tamanho a levantar a mão na
sua cintura.
E a menina sorriu e ficou quieta
a deitar no colo do seu pai. E ele prosseguiu.
Otacílio:
--- Havia muita desgraça por toda
essa região. Muita gente foi para casa de gente rica moradora na cidade grande.
– falou sem remorso.
Menina:
--- E o senhor quis sair também?
– pergunto a infante.
Otacílio:
--- Eu era pequeno, como já
falei. Mas três das minhas irmãs arribaram para a Capital. Nunca soube de
notícias das meninas. Bem. Como contava. Nós não tínhamos nada para comer, a
não ser farinha seca, se bem me lembro.
Menina:
--- Só farinha? – indagou a
criança.
Otacílio;
--- Só farinha e nada mais. O meu
velho – (pai) – um dia saiu para caçar qualquer bicho do mato de modo a saciar
a fome que nos afligia. – disse o homem.
Menina:
--- O velho é o meu avô? –
perguntou a garotinha.
Otacílio:
--- Sim. Ele mesmo. Já nem se
lembra mais dessa história. – sorriu.
Menina:
--- Conta mais. Conta. – sorriu a
infante.
Otacílio:
--- Bem. Ele estava a caçar no
mato quando foi surpreendido por um lagarto. Mas um lagarto pequeno. Aquele que
se chama de calango verde. Já viu? – indagou à filha.
Menina:
--- Sim. Eu já. – sorriu
encantada.
Otacílio:
--- Pois bem. Foi só uma tacada.
Pei e bufo. Meu matou o calango. Quando ele voltou para casa, todos nós nos
alegramos. Naquele dia tinha comida da boa: calango assado. – sorriu o matuto
A menina também sorriu e depois
indagou:
Menina:
--- O senhor também caça calango?
– indagou preocupada.
Otacílio:
--- Eu não. Hoje temos comida
franca. – relatou o homem.
Menina:
--- Cuscuz, farinha e carne
assada. – sorriu a garota.
Otacílio:
--- E temos café, broa e tapioca.
– sorriu o homem
Nesse ponto a história acabou de
vez. Otacílio já era um homem e todos os dias deixava a tapera para caçar tatu,
se bem servisse. Talvez encontrasse o veado ou um gato do mato, com muito
jeito. De calango, nem pensar. Esses lagartos eram tão pequenos que davam dó.
Contudo, se fosse o caso, quem sabe?
Porém um homem forte e
desconhecido acercou-se de Otacílio e lhe perguntou com fala mansa.
Desconhecido:
--- Bom dia, patrão. Onde você
mora? – pergunta o desconhecido.
Otacílio aponta em outra direção
a declarar.
Otacílio:
--- Para as bandas de Mata
Grande. – declarou após fazer seu gesto com o braço
Desconhecido:
--- Estás sem trabalho? –
perguntou esbanjando cortesia
Otacílio:
--- Aqui tudo está fechado. E
trabalho não se acha. – declarou.
Desconhecido:
--- O senhor quer trabalho? –
perguntou.
Otacílio.
--- Em que? – retrucou.
Desconhecido.
--- Nos Goiás! – sorriu.
Otacílio coçou a barba e indagou.
É longe? – perguntou.
Desconhecido:
--- Dois dias a gente está na
terra. – sorriu o homem
Otacílio
--- E a gente recebe? – falou
acanhado
Desconhecido
--- Bem mais do que o senhor pode
pensar. Se quiser, vamos agora. – sorriu.
Otacílio:
--- Eu tenho mulher e filhos. –
declarou
Desconhecido:
--- Junta tudo e vamos. – sorriu.
Otacílio:
--- Dá pra chamar a mulher? –
indagou tremendo de contente
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