domingo, 30 de novembro de 2014

À LUZ DA LUA - 26 -


- Fernanda de Freitas -
- 26 -

PERNA LONGA

Perna Longa era esse o seu apelido. E ele não se importava em ser chamado. Tinha quinze anos de idade, esguio, alto tal qual o varapau, olhos castanhos podendo ser de outra coloração, cabelos crespos e aloirados, boca sempre de quem quer sorrir e pernas tão compridas iguais exatamente a um varapau. O nome de batismo era Euclides. Pouco ele se importava de ser chamado pelo nome verdadeiro. Quando alguém precisava de alguma coisa a comprar na bodega, apenas o acudia:
Vizinho:
--- Perna!! Perna!! Perna Longa!!! – gritava um seu vizinho
E ele corria que nem um caçote para atender ao chamado do seu molestado vizinho. Não raro era um quilo de açúcar ou dois cruzeiros de pão. Ele corria como um trem e voltava como um cavalo. E entregava o pedido feito para depois ir ressonar em cima dos sacos de feijão com os braços sob a cabeça. Era essa a vida do varapau. Se dormia, isso ninguém sabia ao certo. Euclides não tinha pai. Mae e parente de perto ou da distância. Um dia ele apareceu por acaso e pediu guarida ao dono do armazém de secos. O homem cheio de suspeição mandou depois dormir em cima dos sacos. As pernas longas de Euclides, além de finas, eram alvas como sabão de coco. E nem se importava em tomar banho para trocar de mudas. Se alguém lhe desse roupas novas, ele aceitava de bom brado e depois enrolava tudo fazendo uma trocha para pôr sua cabeça. Jamais gritara por algo ou alguém. Quando o chamavam, ele seguia o rastro. De onde era, também ninguém sabia dizer ao certo:
Passante:
--- É um maluco da vida! – falava alguém a responde se sabia ao certo
Outro:
--- Ele tem pai? – indagava surpreso
Passante:
--- E nem mãe também. – respondia como ninguém o entendia.
Certo dia, Perna Longa sumiu. Todos pensavam que alguém pedia para fazer algum mandado. Mas veio a tarde e à noite, e nada de se ter notícia do grandalhão. No outro dia, ninguém sabia ao certo. E nem no outro e no outro. O povo pensou em ter ele ido embora para algum lugar. O local onde Perna Longa dormia estava mais limpo do que couro de gato.
Primeiro:
--- Sumiu mesmo! – estranhou o primeiro
Segundo:
--- Pra onde o danado terá ido? – perguntava.
Terceiro
--- Só Deus sabe. Mundo afora. – dizia o velho dando a sua cachimbada
Passaram-se os dias, semanas, meses e ano ninguém mais se lembrava do varapau. Certa vez, Euclides apareceu sorrindo. Com ele trazia uma moça dos seus quinze anos. E procurou o dono do armazém. Ao encontra-lo, Euclides mostrou um par de alianças.  O dono do armazém foi logo perguntando:
Dono:
--- Que diabo é isso? – indagou assustado
Perna:
--- Minha mulher! Ela veio da guerra! – explicou.
Dono
--- Guerra?! Mas que diabos de guerra é essa? – completamente aturdido
Perna
--- Dos vaqueiros! – sorriu agarrado a nova moça
Dono:
--- Vaqueiros? Você está é doido! – disse confuso o dono do armazém
Perna
--- Nós queremos dormir! – lembrou sorrindo
Dono
--- Você acha que eu estou doido? Dormir? – falou bravo
Perna:
--- Desde que eu caí fora de casa que eu não durmo só procurando a minha donzela. - explicou  
Dono:
--- Taí. Agora deu. Não dorme há um ano e vem procurar agora acolhida. – disse o bruto enraivecido pra daná
Perna:
--- Ela também não. Nós tiramos numa corrida até chegar aqui no meu solar. – falou ele sorrindo
Dono
--- Tá doido. São dois doidos. Ora bosta! – discutiu o dono do armazém
Perna:
--- Ela quer descansar nesse momento. – falou sorrindo
Dono:
--- Pois durma e não chateie. Agora deu! Doidos! Eles são doidos! Doidos! – discutia o homem a sair para o trabalho.
Com um pouco de tempo toda a vizinhança estava no barracão do armazém para ver de perto o rapaz desaparecido. Um conversava com outro a saber se o varapau estava bem, estava são, estava leso e quantas coisas a mais. E encheu de gente de perto para ver mais uma vez o Perna Longa, o rapaz sumido por longo espaço de tempo. Uns indicavam:
Um
--- Ele vive com essa pobre?
Dois
--- Quem é a pobre?
Três
--- É doida também?
E a confusão aumentava a cada momento com as pobres matutas alarmadas com tanta chegada tão de repente do serviçal amalucado. E o rapaz nem dava a menor importância a tamanha impaciência do povo pobre do lugar. Ele apenas queria estirar as pernas para poder dormir com o maior sossego ao lado a sua amante, tão longa quando ele, de pernas finas a fazer dó. Depois de tanta luta ele e a amante encontraram canto para sossegar de jeito. Alá com quem se importava com os dois. Enfim, tudo estava acabado naquele dia para no outro ele começar o trabalho de só fazer compras. Perna Longa cochilou e adormeceu ao lado da sua melhor amiga.
No dia seguinte, o dono do armazém bateu logo cedo da manhã no local onde estava a dormir o casal de pombinhos depois de uma longa corrida. Mas ao chegar no depósito de sacos de farinha, feijão e açúcar bruto, qual o que. Nem sinal dos malucos. Os dois amantes já haviam sumido de vez e para qualquer canto do horizonte sem fim. Indignado, após procurar por todos os locais do deposito o homem, amargurado, deu com o pé:
Dono
--- Diabos de levem! Como é que pode? Chega num dia e desaparece no outro! Diabos dos Diabos! – enraivecido clamou
Nesse ponto, a vizinhança estava toda em polvorosa.
Um
--- Pra onde eles foram?
Dois
--- Quem sabe?
Três
--- São doidos mesmo!
Nesse ponto, mais de uma hora, Perna Longa e sua amante apareceram de vez. Ele, sempre a sorrir como se tudo estivesse no plano.
Dono:
--- Você? – gritou alarmado o dono do armazém

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