- Fernanda de Freitas -
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PERNA LONGA
Perna Longa era esse o seu
apelido. E ele não se importava em ser chamado. Tinha quinze anos de idade,
esguio, alto tal qual o varapau, olhos castanhos podendo ser de outra
coloração, cabelos crespos e aloirados, boca sempre de quem quer sorrir e
pernas tão compridas iguais exatamente a um varapau. O nome de batismo era
Euclides. Pouco ele se importava de ser chamado pelo nome verdadeiro. Quando
alguém precisava de alguma coisa a comprar na bodega, apenas o acudia:
Vizinho:
--- Perna!! Perna!! Perna
Longa!!! – gritava um seu vizinho
E ele corria que nem um caçote
para atender ao chamado do seu molestado vizinho. Não raro era um quilo de
açúcar ou dois cruzeiros de pão. Ele corria como um trem e voltava como um
cavalo. E entregava o pedido feito para depois ir ressonar em cima dos sacos de
feijão com os braços sob a cabeça. Era essa a vida do varapau. Se dormia, isso
ninguém sabia ao certo. Euclides não tinha pai. Mae e parente de perto ou da
distância. Um dia ele apareceu por acaso e pediu guarida ao dono do armazém de
secos. O homem cheio de suspeição mandou depois dormir em cima dos sacos. As
pernas longas de Euclides, além de finas, eram alvas como sabão de coco. E nem
se importava em tomar banho para trocar de mudas. Se alguém lhe desse roupas
novas, ele aceitava de bom brado e depois enrolava tudo fazendo uma trocha para
pôr sua cabeça. Jamais gritara por algo ou alguém. Quando o chamavam, ele
seguia o rastro. De onde era, também ninguém sabia dizer ao certo:
Passante:
--- É um maluco da vida! – falava
alguém a responde se sabia ao certo
Outro:
--- Ele tem pai? – indagava
surpreso
Passante:
--- E nem mãe também. – respondia
como ninguém o entendia.
Certo dia, Perna Longa sumiu.
Todos pensavam que alguém pedia para fazer algum mandado. Mas veio a tarde e à
noite, e nada de se ter notícia do grandalhão. No outro dia, ninguém sabia ao
certo. E nem no outro e no outro. O povo pensou em ter ele ido embora para
algum lugar. O local onde Perna Longa dormia estava mais limpo do que couro de
gato.
Primeiro:
--- Sumiu mesmo! – estranhou o
primeiro
Segundo:
--- Pra onde o danado terá ido? –
perguntava.
Terceiro
--- Só Deus sabe. Mundo afora. –
dizia o velho dando a sua cachimbada
Passaram-se os dias, semanas,
meses e ano ninguém mais se lembrava do varapau. Certa vez, Euclides apareceu
sorrindo. Com ele trazia uma moça dos seus quinze anos. E procurou o dono do
armazém. Ao encontra-lo, Euclides mostrou um par de alianças. O dono do armazém foi logo perguntando:
Dono:
--- Que diabo é isso? – indagou
assustado
Perna:
--- Minha mulher! Ela veio da
guerra! – explicou.
Dono
--- Guerra?! Mas que diabos de
guerra é essa? – completamente aturdido
Perna
--- Dos vaqueiros! – sorriu
agarrado a nova moça
Dono:
--- Vaqueiros? Você está é doido!
– disse confuso o dono do armazém
Perna
--- Nós queremos dormir! –
lembrou sorrindo
Dono
--- Você acha que eu estou doido?
Dormir? – falou bravo
Perna:
--- Desde que eu caí fora de casa
que eu não durmo só procurando a minha donzela. - explicou
Dono:
--- Taí. Agora deu. Não dorme há
um ano e vem procurar agora acolhida. – disse o bruto enraivecido pra daná
Perna:
--- Ela também não. Nós tiramos
numa corrida até chegar aqui no meu solar. – falou ele sorrindo
Dono
--- Tá doido. São dois doidos.
Ora bosta! – discutiu o dono do armazém
Perna:
--- Ela quer descansar nesse
momento. – falou sorrindo
Dono:
--- Pois durma e não chateie.
Agora deu! Doidos! Eles são doidos! Doidos! – discutia o homem a sair para o
trabalho.
Com um pouco de tempo toda a
vizinhança estava no barracão do armazém para ver de perto o rapaz desaparecido.
Um conversava com outro a saber se o varapau estava bem, estava são, estava
leso e quantas coisas a mais. E encheu de gente de perto para ver mais uma vez
o Perna Longa, o rapaz sumido por longo espaço de tempo. Uns indicavam:
Um
--- Ele vive com essa pobre?
Dois
--- Quem é a pobre?
Três
--- É doida também?
E a confusão aumentava a cada
momento com as pobres matutas alarmadas com tanta chegada tão de repente do
serviçal amalucado. E o rapaz nem dava a menor importância a tamanha
impaciência do povo pobre do lugar. Ele apenas queria estirar as pernas para
poder dormir com o maior sossego ao lado a sua amante, tão longa quando ele, de
pernas finas a fazer dó. Depois de tanta luta ele e a amante encontraram canto
para sossegar de jeito. Alá com quem se importava com os dois. Enfim, tudo
estava acabado naquele dia para no outro ele começar o trabalho de só fazer
compras. Perna Longa cochilou e adormeceu ao lado da sua melhor amiga.
No dia seguinte, o dono do
armazém bateu logo cedo da manhã no local onde estava a dormir o casal de
pombinhos depois de uma longa corrida. Mas ao chegar no depósito de sacos de
farinha, feijão e açúcar bruto, qual o que. Nem sinal dos malucos. Os dois
amantes já haviam sumido de vez e para qualquer canto do horizonte sem fim.
Indignado, após procurar por todos os locais do deposito o homem, amargurado,
deu com o pé:
Dono
--- Diabos de levem! Como é que
pode? Chega num dia e desaparece no outro! Diabos dos Diabos! – enraivecido
clamou
Nesse ponto, a vizinhança estava
toda em polvorosa.
Um
--- Pra onde eles foram?
Dois
--- Quem sabe?
Três
--- São doidos mesmo!
Nesse ponto, mais de uma hora,
Perna Longa e sua amante apareceram de vez. Ele, sempre a sorrir como se tudo
estivesse no plano.
Dono:
--- Você? – gritou alarmado o
dono do armazém
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