- Ingrid Bergman -
- 04 -
MANDACARÚ
Mandacaru ou cardeiro é uma
planta comum no sertão do nordeste brasileiro. Existe uma variedade sem
espinho, usada na alimentação dos animais. A variedade comum é altamente
espinhenta. O mandacaru resiste a secas, mesmo das mais fortes. As flores desta
espécie de cacto são brancas e muito bonitas. Certa vez, o vaqueiro José das
Cabaças troteava pelo sertão em busca de coisa alguma. De repente, para o seu
temor, surgiu uma serpente jararaca, bicho feio e asqueroso. E era a tal da
jararaca-da-mata vivedora nos cerrados. Era um bicho grande, medindo cerca de
dois metros. Para José das Cabaças aquele bicho feio ele nunca tinha avistado
pelo tempo de vida no sertão. A sua alimentação são sapos e lagartos. Porém é
de um tipo e se picar um homem, é morte certa na hora. Quem vaga pelo sertão
deve andar de botas e de calças compridas e ter a vista sempre em locais onde
vai pisar. Mesmo assim, desprevenido, José das Cabaças perambulava de mato a
dentro e mato afora não se preocupando com nadica de nada. Foi então, estando
ele a pisar onde não devia, notou a serpente amoitada pronta para o bote. Qual
o que? Ali não havia tempo. José das Cabaças se trepou de repente em um pé de
pau o qual ele não imaginara. O pé de pau era um pé de cardeiro cheio de
espinhos e ele por bem nem sentira as picadas no seu corpo. A olhar para baixo
José das Cabaças observou a cobra a querer subir também até o alto do cardeiro.
Mesmo assim ela deixou os ovos a chocar e não querer subir por demais até o
vaqueiro. Cabaças nada setinha em seu corpo então todo cheio de espinhos do
cardeiro. Em dado instante, o homem tentou gritar.
Cabaças:
--- Socorro! Me acudam! Uma
serpente aqui! – gritava de vez o homem.
E gritou mais tempo ainda na
espera de alguém por perto ou distante poder ouvir os lamentos do modesto homem
do mato. Os minutos e as horas se passaram quando alguém ouviu os estertores de
Cabaças. E a serpente teimava em não
sair do cardeiro a deixar os ovos pelo chão. Era uma enorme serpente. Coisa
descomunal. E em cima do cardeiro estava José das Cabaças a tremer de horror
amedrontado demais por temor de ser alcançado pela tirana. O vento morno
soprava do horizonte leste e não se ouvia ninguém por perto para matar aquela
terrível serpente no pé de mandacaru acoitando para um lado e para o outro com
seu rapo opaco e raivoso sem o menor temer. A jararaca da mata queria apenas
proteger os seus ovos da ação predatória de qualquer intruso a macular o seu
ninho. Por isso mesmo era dada chicotada para obrigar a descer do cardeiro o
pobre homem a ter apenas temor alvoroçado.
O grito estranho a pedir socorro
soou por toda a pradaria do sertão por conta do matuto a iminente perigo. Já
era o sol alto quando um caçador ouviu o terrível clamor de José das Cabaças
naquela extrema hora. E o caçador olhou para um lado e para outro a fim de se
guiar a contento, uma vez ter o sertão capacidade de se ouvir em eco e o som
poderia ter vindo de outro lugar. E meteu o pé no caminho o decidido caçador.
No pé de mandacaru estava José das Cabaças. No solo, a serpente danada da vida.
A chegar, o caçador a procura do nervoso matuto. E assim não teve jeito. Com a sua carabina o
caçador fez a mira!
Caçador:
--- Espera compadre! – disse o
homem e mirou na testa da serpente.
E foi um tiro só. A serpente
desandou e então caiu ao solo estrebuchado para morrer. Trepado no mandacaru, o
matuto logo se viu aliviado a temível cobra. Enfim quando tentou descer do
mandacaru foi que o matuto notou os enormes espinhos a empatar a sua descida. A
sua camisa era cheia de sangue. Por todo corpo tinha espetos do cardeiro. O
matuto ficou desesperado.
Cabaças:
--- Que faço agora? – indagou com
temor.
Caçador:
--- Após desça! É só descer! –
respondeu o caçador
Cabaças:
--- Mas eu não posso! Tô todo
mordido de espinho! – fez ver o matuto
Caçador:
--- E como subiu? – perguntou
sorrido.
Cabaças:
--- Foi o medo da cobra! Por
favor me ajude a descer. – disse o matuto a chorar.
Caçador:
--- Ora bosta! Tem mais essa.
Como eu faço? – perguntou desnorteado.
Cabaças:
--- Sei lá. Só tem espinho nessa
merda! – falou chorando.
Caçador:
--- Pule então. Eu seguro! –
disse o homem
Foi aquele sacrifício. Como se
conseguia pular no meio dos espinhos de cardeiro? Não teve jeito mesmo. Cercado
de touceira de planta o matuto fez finca pé e caiu no chão. Para onde ele se
virava era espinho a afetar. E o matuto a gritar:
Cabaças:
--- Socorro! Socorro! Estou todo
lascado! – gritava o matuto
E jeito para dar ao matuto, o
caçador caminhou com ele, preso pelos ombros a procura de alguém a poder tirar
tantos espinhos no seu corpo. E Cabaças gritava e gemia de dor com as
espinhadas no seu corpo. Na tapera de uma velha índia o caçador buscou
atendimento para o trato de Cabaças. Ao chegar na tapera após longa viagem com
o matuto desmaiado nas suas costas, ele nem bateu palmas pois não tinha como.
Apenas chamou a velha índia para acudir um moço ferido pelos espinhos de
Mandacaru. A velha índia, devagar como podia, com um cachimbo na boca e um
rosário na mão, pediu para pôr o matuto ali no chão.
Índia:
--- Ponha aqui mesmo. Vou ter que
fazer um trato com areia e barro. – respondeu a índia.
Caçador:
--- Barro? Areia? – fez ver o
homem alarmado com tal medicina
Índia:
--- Com que a terra não cura, não
tem outra coisa. – falou amortecida.
Caçador:
--- E serve? – indagou extasiado.
Índia:
--- Amanhã ele está curado. –
falou com voz dolente.
E foi feita a medicação da velha
índia. Ao passar do dia, o matuto ainda estava desacordado. A índia retirava
espinho por espinho do lombo do desfalecido. Após o tratamento, a velha índia
deu uma porção de chá de eucalipto ao doente ainda desacordado para o trato
terminar. Eram já as seis horas da noite quando o matuto deveras recobrou os
sentidos. Ainda todo dolorido ele perguntou:
Cabaças:
--- Onde estou? – indagou
dolorido.
Índia:
--- Fica quieto e vê se dorme.
Amanhã estás curado. – disse a índia a rodear para o fim do pobre casebre.
Caçador:
--- Se a índia disse, estás
curado mesmo. Não sei. Que cura. Com barro? – repensou.
A lua já estava alta e a índia,
sentada no toco de pau, olhava para o céu como se nunca estivera visto tamanha
lua. O caçador ainda perguntou a velha como estava ciente do tratamento com
barro.
Índia:
--- A ciência do meu povo.
Mandacaru, juazeiro e outras plantas são difíceis de morrer. O mandacaru é uma
delas. Suga da terra seca a água que lhe faz serventia. A morte do mandacaru, é
o fim desse ramo da terra. Suas flores são belas. Tudo no mandacaru é bonito.
Tudo! – disse a velha a cachimbar.
Caçador:
--- Coisa que eu não sabia de
veras. – relatou a observar a lua.
Nos anos difíceis, de secas
devastadoras em que os juazeiros e os mandacarus foram utilizados, a morte
certa no sertão foi sustentada pelo uso dessas árvores. O retorno ao passado
mostra o mandacaru sobrevivente com a maior dureza do tempo. Três anos de seca,
e o cacto sobrevive nas várzeas do sertão bruto. É a dureza do tempo. Na manhã
seguinte, ainda doente, José das Cabaças seguiu caminho, um pouco tonto e com
fome, acompanhado do homem que o salvou com destino incerto, como todo o matuto
do sertão nordestino. As garças sobrevoavam o campo seguindo a trilha onde
havia água para o seu agrado. As aves de rapina, ariscas e rápidas seguiam a
trilha do local onde o caçador destruiu a serpente no dia anterior.
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