- RITA GUERRA -
- 05 -
CARCARÁ
Manhã cedo, coisa de seis horas,
Chico de Lindô já estava a caminho em seu cavalo Manco e sua cadela Traíra a
busca de uma rês extraviada a alguns dias perdidos os quais o vaqueiro não
sabia nem mesmo contar. O céu não mostrava sinal de chuva tirando fora a
invernada do período quando houve muita água a encher potes e barris por toda aquela
região de meu Deus. A Lagoa das Moças estava cheia pela força da chuva caída a
poucas semanas quando se deu o período das águas. Ele caminhava a olhar o céu e
notando a revoada de pássaros em um bom lote. Eram mais as rolas em busca das
águas da lagoa. Embrenhando-se pela mata a dentro em busca da rês apartada
Chico de Lindô viu espantado o voo de uma ave Carcará temerosa de algo, por
certo. A cadela Traíra grunhiu para
latir. O vaqueiro observou o carcará e não deu tanta importância assim. Com
certeza era um voo normal de onde o pássaro viera. Chico de Lindô se voltou e
viu um bando de urubus a voar em círculo. Para ele, aquilo era anormal. E se
voltou na sua montaria e seguia para além do fim do mundo.
Chico:
--- Tem bicho para morrer onde
aqueles urubus estão sobrevoando – disse o vaqueiro a passar as rédeas de sua
montaria. E fez o grito para o cavalo seguir mais depressa.
A cadela também seguiu o seu dono
apressando a sua marcha. Às vezes na frente do cavalo Manco, às vezes para
atrás. Um bem-te-vi seguia a trilha de um lado para outro com o seu piado
natural. Tinha a revoada dos diversos pássaros para a Lagoa das Moças, como
perdiz, codorna e marrecas. O cavaleiro não se detinha a cavalgar a toda pressa
a procura de encontrar aquele animal talvez doente pois as aves daninhas
estavam em toda parte do interior a voar para mais baixo.
Chico:
--- Talvez seja a rês extraviada.
– falou tenso o vaqueiro.
O cavalo Manco se estrebuchou em
cima dos pés. O vaqueiro quase foi ao chão e gritou para o animal como a chamar
atenção:
Chico:
--- Eia cavalo! – disse o
vaqueiro quase a cair ao solo.
O cavalo relinchou de pronto com
as patas dianteiras levantadas. O vaqueiro noto uma serpente nos pés do cavalo.
Ele açoitou o cavalo e deu ré na montaria. Então, Chico de Lindô pode ver a
serpente a todo custo. Sacou da arma e deu um tiro certeiro da cabeça da cobra.
Chico:
--- Toma lá sua danada! – e o
tirou ecoou à longa distância.
A serpente, uma salamanta, se
esticou para morrer. O cavalo Manco ainda rastreou para trás e tomou outro
caminho. O vaqueiro, totalmente suado, olhou atormentado para trás vendo a
serpente totalmente morta. A cadela Traíra latia constante para espantar outros
animais. Um carcará voou para o auto e depois se voltou para comer o estrago
feito pelo vaqueiro. Moscas faziam a festa em torno da serpente morta. O
vaqueiro nunca vira tanta mosca daquele jeito. Era um zunido infernal. Então
não teve jeito a não ser de caminhar. E por mais de meia hora Chico de Lindô
caminho ser ter tempo de pensar. As aves de rapina estavam mais próximas do homem,
seu cavalo e da cadela. Com mais alguns instante o vaqueiro já chegava no
local. O sol já esquentava a pradaria e o mormaço se fazia presente. Foi quando viu a cena o homem Chico. Uma cena
horripilante de uma verdadeira tragédia. Era como se dizia naqueles dias de
horror:
Voz:
--- Não quero nem olhar! –
dissera alguém.
Outro:
--- Meu Deus do Céu! Olha a vaca!
– alguém também dissera.
Chico:
--- Vou olhar de perto aquela
tragédia. – disse o vaqueiro.
A rês estava estirada no chão com
as pernas traseiras abertas e um novilho ainda por sair da sua barriga. Era um
trágico estrago aquele. A rês já não tinha forças de parir e o novilho nada
podia fazer para cair ao mato. A rês estava completamente exausta de tanta
força a ser feita. Não se ouvia um mugido sequer. O novilho estava a sair pelo
seu dorso, de trás para frente. Havia um enlace no parto. Coisa difícil de se
notar. A mãe vaca apenas amofinava com a sua cabeça como para pedir ajuda do
senhor vaqueiro. A rês por certo tinha ciência de morrer de parto naquele
instante. Apenas queria salvar o seu novilho amado. O vaqueiro Chico de Lindô
se acercou com precaução da rês a enxergar com a devida atenção o novilho sem
nada poder fazer de verdade.
Chico:
--- Matar a vaca? – imaginou o
vaqueiro.
Ele não pensava em sacrificar a
rês. Uma tristeza de monta se acercou do tranquilo vaqueiro ao notar tanta
miséria naquele fim de mundo do meu Deus. O dia avançava devagar e a cadela
estava sentada a ver aquela cena funesta. O cavalo do vaqueiro se afastou para
longe em busca de algum arvoredo para poder se alimentar a contento. Os paturis
passavam para a Lagoa das Moças como se estivessem achando graça dos outros
tranquilos paturis. A Lagoa ficava bem distante do ocorrido naquele
circunstancial instante. E de algum modo, Chico de Lindô teve o cuidado de
olhar as tetas da vaca para enxergar algum inchaço, pois nem toda rês mostra
inchaço na hora do parto. O homem tomou precaução de olhar a vulva para saber
se tudo corria bem naquela derradeira hora. O certo é que a rês procurara um
isolamento, sinal de estar na hora de ter o novilho. Por isso mesmo a rês se
apartou do rebanho mostrando ciência de sua parição. O parto é um processo
difícil para a vaca como a dilatação do colo do útero. E aquela rês estava
pronta para ter o novilho, apesar de haver contratempo e o novilho estar
entrelaçado, como não se pudesse esperar.
Chico:
--- Difícil cena essa agora! –
lamentou triste.
As aves de rapina se acercavam do
local sabendo ter uma vaca quase morta. O carcará foi um dos tais. Ele queria
pinicar o umbigo no novilho, por ciência. Porém nem mesmo o umbigo do novilho
estava à mostra naquela ocasião. O carcará lamentou tristonho nada poder
arranjar. O tudo o que se podia fazer era piar e nada mais. O vaqueiro se
sentou um pouco a socar com uma pedra no chão. Para ele tudo acabara de vez e
não havia mais nada a ser feito.
De repente, um mugido estridente
se ouviu. A vaca se postou de pé e pariu o seu novilho, apesar de morto pelo
tempo de sofrer na sua barriga. O homem se assustou e a cadela se pôs de pé
naquele instante a ver aquela estranha figura de uma vaca sem bezerro. O mugido
se tornou presente e a rês reboliu com o novilho vendo ter tudo perdido. Em
seguida ainda olhou para o vaqueiro sentado e de boca aberta como todo o
ocorrido. A vaca mugiu outra vez e partiu para longe onde ninguém lhe
avistasse.
Chico:
--- Égua! Que coisa! Quem diria?
– comentou assustado.
A cadela latiu para o carcará que
se apartou para distante. Traíra cheirou o novilho e também viu nada poder
fazer. Olhou para o seu amo e tornou a latir como quem diz:
Cadela:
--- Tá morto, amo! – latiu a
cadela.
Chico:
--- Tá morto mesmo. A mãe partiu.
– confessou o vaqueiro
Cadela:
--- Vamos enterrar? – latiu a
cadela.
Chico:
--- Não. Não. Deixa para o
carcará. – respondeu o homem
A cadela então saiu na carreira a
passar diante do cavalo Manco, voltando a latir, como a ditar:
Cadela:
--- Vamos! Vamos! O amo tem
pressa! – latiu a cadela.
O cavalo relinchou para a cadela.
Nesse meio tempo o vaqueiro Chico de Lindô sorriu, balançou a cabeça para um
lado e para outro, subiu no cavalo e partiu em direção à Lagoa das Moças onde procurava
a se banhar para tirar os estrumes da vaca e da porcaria do novilho. Ainda
avistou o carcará buscando retirar as tripas do novilho para assim poder saciar
a sua infernal fome de uma manhã de sol. As outras aves de rapina também se
acercaram do estranho novilho e se puseram a estragar aquele repasto insano
pois bem pensavam ser o almoço algo de mais singular. O carcará avançou de vez
em um urubu para defender a sua parte. Em seguida, partiu, com alguns pedaços
no bico gargalhando dos demais, uma vez ser ele pequeno e forte. Carcará,
carcará, carcará, era o feito a gritar o bicho sem temor e sem justiça das aves
daninhas, suas eternas inimigas de longas eras.
Chico de Lindô tirou as suas
vestes e se banhou por completo tirando a resma ainda estar a grudar no seu
corpo. Traíra se lambuzou na terra fresca e em seguida partiu em direção à
Lagoa das Moças onde havia água bastante para matar a sua sede. E latiu:
Traíra:
--- Vamos! Vamos! Está na hora! – latiu a cadela.
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