sexta-feira, 7 de novembro de 2014

À LUZ DA LUA - 05 -


- RITA GUERRA - 

- 05 -

CARCARÁ

Manhã cedo, coisa de seis horas, Chico de Lindô já estava a caminho em seu cavalo Manco e sua cadela Traíra a busca de uma rês extraviada a alguns dias perdidos os quais o vaqueiro não sabia nem mesmo contar. O céu não mostrava sinal de chuva tirando fora a invernada do período quando houve muita água a encher potes e barris por toda aquela região de meu Deus. A Lagoa das Moças estava cheia pela força da chuva caída a poucas semanas quando se deu o período das águas. Ele caminhava a olhar o céu e notando a revoada de pássaros em um bom lote. Eram mais as rolas em busca das águas da lagoa. Embrenhando-se pela mata a dentro em busca da rês apartada Chico de Lindô viu espantado o voo de uma ave Carcará temerosa de algo, por certo.  A cadela Traíra grunhiu para latir. O vaqueiro observou o carcará e não deu tanta importância assim. Com certeza era um voo normal de onde o pássaro viera. Chico de Lindô se voltou e viu um bando de urubus a voar em círculo. Para ele, aquilo era anormal. E se voltou na sua montaria e seguia para além do fim do mundo.
Chico:
--- Tem bicho para morrer onde aqueles urubus estão sobrevoando – disse o vaqueiro a passar as rédeas de sua montaria. E fez o grito para o cavalo seguir mais depressa.
A cadela também seguiu o seu dono apressando a sua marcha. Às vezes na frente do cavalo Manco, às vezes para atrás. Um bem-te-vi seguia a trilha de um lado para outro com o seu piado natural. Tinha a revoada dos diversos pássaros para a Lagoa das Moças, como perdiz, codorna e marrecas. O cavaleiro não se detinha a cavalgar a toda pressa a procura de encontrar aquele animal talvez doente pois as aves daninhas estavam em toda parte do interior a voar para mais baixo.
Chico:
--- Talvez seja a rês extraviada. – falou tenso o vaqueiro.
O cavalo Manco se estrebuchou em cima dos pés. O vaqueiro quase foi ao chão e gritou para o animal como a chamar atenção:
Chico:
--- Eia cavalo! – disse o vaqueiro quase a cair ao solo.
O cavalo relinchou de pronto com as patas dianteiras levantadas. O vaqueiro noto uma serpente nos pés do cavalo. Ele açoitou o cavalo e deu ré na montaria. Então, Chico de Lindô pode ver a serpente a todo custo. Sacou da arma e deu um tiro certeiro da cabeça da cobra.
Chico:
--- Toma lá sua danada! – e o tirou ecoou à longa distância.
A serpente, uma salamanta, se esticou para morrer. O cavalo Manco ainda rastreou para trás e tomou outro caminho. O vaqueiro, totalmente suado, olhou atormentado para trás vendo a serpente totalmente morta. A cadela Traíra latia constante para espantar outros animais. Um carcará voou para o auto e depois se voltou para comer o estrago feito pelo vaqueiro. Moscas faziam a festa em torno da serpente morta. O vaqueiro nunca vira tanta mosca daquele jeito. Era um zunido infernal. Então não teve jeito a não ser de caminhar. E por mais de meia hora Chico de Lindô caminho ser ter tempo de pensar. As aves de rapina estavam mais próximas do homem, seu cavalo e da cadela. Com mais alguns instante o vaqueiro já chegava no local. O sol já esquentava a pradaria e o mormaço se fazia presente.  Foi quando viu a cena o homem Chico. Uma cena horripilante de uma verdadeira tragédia. Era como se dizia naqueles dias de horror:
Voz:
--- Não quero nem olhar! – dissera alguém.
Outro:
--- Meu Deus do Céu! Olha a vaca! – alguém também dissera.
Chico:
--- Vou olhar de perto aquela tragédia. – disse o vaqueiro.
A rês estava estirada no chão com as pernas traseiras abertas e um novilho ainda por sair da sua barriga. Era um trágico estrago aquele. A rês já não tinha forças de parir e o novilho nada podia fazer para cair ao mato. A rês estava completamente exausta de tanta força a ser feita. Não se ouvia um mugido sequer. O novilho estava a sair pelo seu dorso, de trás para frente. Havia um enlace no parto. Coisa difícil de se notar. A mãe vaca apenas amofinava com a sua cabeça como para pedir ajuda do senhor vaqueiro. A rês por certo tinha ciência de morrer de parto naquele instante. Apenas queria salvar o seu novilho amado. O vaqueiro Chico de Lindô se acercou com precaução da rês a enxergar com a devida atenção o novilho sem nada poder fazer de verdade.
Chico:
--- Matar a vaca? – imaginou o vaqueiro.
Ele não pensava em sacrificar a rês. Uma tristeza de monta se acercou do tranquilo vaqueiro ao notar tanta miséria naquele fim de mundo do meu Deus. O dia avançava devagar e a cadela estava sentada a ver aquela cena funesta. O cavalo do vaqueiro se afastou para longe em busca de algum arvoredo para poder se alimentar a contento. Os paturis passavam para a Lagoa das Moças como se estivessem achando graça dos outros tranquilos paturis. A Lagoa ficava bem distante do ocorrido naquele circunstancial instante. E de algum modo, Chico de Lindô teve o cuidado de olhar as tetas da vaca para enxergar algum inchaço, pois nem toda rês mostra inchaço na hora do parto. O homem tomou precaução de olhar a vulva para saber se tudo corria bem naquela derradeira hora. O certo é que a rês procurara um isolamento, sinal de estar na hora de ter o novilho. Por isso mesmo a rês se apartou do rebanho mostrando ciência de sua parição. O parto é um processo difícil para a vaca como a dilatação do colo do útero. E aquela rês estava pronta para ter o novilho, apesar de haver contratempo e o novilho estar entrelaçado, como não se pudesse esperar.
Chico:
--- Difícil cena essa agora! – lamentou triste.
As aves de rapina se acercavam do local sabendo ter uma vaca quase morta. O carcará foi um dos tais. Ele queria pinicar o umbigo no novilho, por ciência. Porém nem mesmo o umbigo do novilho estava à mostra naquela ocasião. O carcará lamentou tristonho nada poder arranjar. O tudo o que se podia fazer era piar e nada mais. O vaqueiro se sentou um pouco a socar com uma pedra no chão. Para ele tudo acabara de vez e não havia mais nada a ser feito.
De repente, um mugido estridente se ouviu. A vaca se postou de pé e pariu o seu novilho, apesar de morto pelo tempo de sofrer na sua barriga. O homem se assustou e a cadela se pôs de pé naquele instante a ver aquela estranha figura de uma vaca sem bezerro. O mugido se tornou presente e a rês reboliu com o novilho vendo ter tudo perdido. Em seguida ainda olhou para o vaqueiro sentado e de boca aberta como todo o ocorrido. A vaca mugiu outra vez e partiu para longe onde ninguém lhe avistasse.
Chico:
--- Égua! Que coisa! Quem diria? – comentou assustado.
A cadela latiu para o carcará que se apartou para distante. Traíra cheirou o novilho e também viu nada poder fazer. Olhou para o seu amo e tornou a latir como quem diz:
Cadela:
--- Tá morto, amo! – latiu a cadela.
Chico:
--- Tá morto mesmo. A mãe partiu. – confessou o vaqueiro
Cadela:
--- Vamos enterrar? – latiu a cadela.
Chico:
--- Não. Não. Deixa para o carcará. – respondeu o homem
A cadela então saiu na carreira a passar diante do cavalo Manco, voltando a latir, como a ditar:
Cadela:
--- Vamos! Vamos! O amo tem pressa! – latiu a cadela.
O cavalo relinchou para a cadela. Nesse meio tempo o vaqueiro Chico de Lindô sorriu, balançou a cabeça para um lado e para outro, subiu no cavalo e partiu em direção à Lagoa das Moças onde procurava a se banhar para tirar os estrumes da vaca e da porcaria do novilho. Ainda avistou o carcará buscando retirar as tripas do novilho para assim poder saciar a sua infernal fome de uma manhã de sol. As outras aves de rapina também se acercaram do estranho novilho e se puseram a estragar aquele repasto insano pois bem pensavam ser o almoço algo de mais singular. O carcará avançou de vez em um urubu para defender a sua parte. Em seguida, partiu, com alguns pedaços no bico gargalhando dos demais, uma vez ser ele pequeno e forte. Carcará, carcará, carcará, era o feito a gritar o bicho sem temor e sem justiça das aves daninhas, suas eternas inimigas de longas eras.
Chico de Lindô tirou as suas vestes e se banhou por completo tirando a resma ainda estar a grudar no seu corpo. Traíra se lambuzou na terra fresca e em seguida partiu em direção à Lagoa das Moças onde havia água bastante para matar a sua sede. E latiu:
Traíra:
--- Vamos!  Vamos! Está na hora! – latiu a cadela.


Nenhum comentário:

Postar um comentário