segunda-feira, 10 de novembro de 2014

À LUZ DA LUA - 08 -


- Brigitte Bardot -
- 08 -

O ALMOCREVE

José Rufino era um pacato cidadão a perambular pelos sertões desse nordeste brasileiro a entregar tudo aquilo que ele conduzia fosse noite ou fosse dia. Se alguém encontrasse Jose Rufino no interior de Mossoró, ele alí estava com a sua carga de jumentos. E se fosse em Caicó ou na Paraíba, Pernambuco e Piauí, alí estava o andarilho a entregar caixas de sapatos, roupas de uso, ou cortes de brim para o seu fulano e sicrano. Em toda praça que se adivinhasse lá estava José Rufino e sua carga de burros. Por isso mesmo ele era um autêntico e resoluto almocreve, o caminhante sem destino. O almocreve é uma legítima pessoa a conduzir animais de carga ou de mercadorias de uma terra para outra. Numa época de comunicações limitadas, o almocreve é essencial como agente de comunicação intercomunitária. José Rufino como outros semelhantes era um ser indispensável ao abastecimento de bens às vilas e cidades. Ele era o homem de fazer o abastecimento mais importante a transportar peixe do litoral para o interior. E no sentido inverso, ele estava a trazer mercadorias e cereais. O almocreve era um autêntico mercador.
Certa vez José Rufino caminhava a transportar sua tropa de jumentos no interior do Rio Grande, já de noite, mais de sete horas quando deu de cara com uma coisa feia a qual lhe chamou a sua atenção. Era algo que ele nunca tinha visto nesse mundo de meu Deus. O seu cabelo se arrepiou a todo modo pelo temor de ser aquilo uma criatura ou um fantasma. De certo modo, ele não prestou muita atenção. Porém, a criatura fantasmagórica caminhava em sua direção como quem perseguia um alguém determinado sem a fuga do temor. Então, José Rufino se benzeu como um todo a procura de se livrar daquele agouro. Com a cabeça abaixada, chapéu panamá e roupa surrada ele temia que a figura fosse mesmo um lobisomem ou coisa do outro mundo. O terror cresceu ao sentir a coisa horrível se acercar mais de perto como quem desejava lhe arrastar para o mundo dos aflitos.
Rufino:
--- Deus seja louvado! – rezou o almocreve em um dado momento.
A assombração caminhou em sua rota e, tão logo se aproximou do mercador, de repente sumiu de vez. A estrada por onde caminhava o almocreve era deserta e nada havia a iluminar. Era um puro deserto ainda longe de qualquer povoado ou de um casebre perdido para se alcançar o fim do mundo. Uma das três montarias fez carreira como se tivesse visto aquela aparição de um demônio fantasmal. E os demais fincaram o pé, inclusive o que prosseguia ao lado do almocreve pelo terror levantado. Aquela ocorrência era por demais incrível nesse mundo desconhecido. A um só tempo o almocreve nada pode fazer para se lhe restar do estranho temor. Então se pôs a correr com todo o espanto. Quanto mais os burros corriam, mais ainda o almocreve viandava com o terror na alma e seu destino incerto. A escuridão do tempo, com a lua em minguante devia notar todo o mal a espreitar aquelas vidas incertas. Na verdade, aquele, sem dúvidas, era o terror do imaginário, do abstrato, do horripilante.
Nada havia de luz na escuridão fantasmal como se fosse a cruel e inevitável morte. Então, o almocreve já bastante exausto se arrastou pelo chão frio de uma noite de horror e aversão. Os seus animais já estavam perdidos a bem distante da correria a qual eles tinham feito. Em um dado instante, a cruel assombração surgiu novamente. Já eternamente cansado, José Rufino ainda perguntou:
Rufino:
--- Quem é o senhor? -  indagou quase morrendo.
O estranho e enigmático ser apenas gargalhou ante a cisma do almocreve. E após de um longo certo instante o ser falou com uma cruel expressão de terror.
Ser:
--- Eu sou a alma dos moribundos. Não se lembra quando era moço? – estranhamente indagou
Rufino:
--- Não. Não. – declarou o mortal almocreve.
E novamente a alma gargalhou para poder falar com verdadeiro asco.
Ser:
--- Sou a vítima do teu cruel remorso, estranha criatura perdida nessas terras do ignoto ó estranho verme oculto. – falou com crueldade.
E, de imediato, puxou o ser uma perfurante adaga. E afirmou com a sua gritante voz.
Ser:
--- Clama aos céus para te proteger dessa morte trágica que vos clama. – clamou altivo o ilusório ser.
Rufino:
--- Ave Maria! Meu Deus do céu!  O senhor quer me ver morto? – indagou perplexo.
A arma cravou no coração do almocreve de uma vez por todas. O pacato homem sentiu a forte dor da morte a tragar o seu peito e acabou fenecendo em um verdadeiro instante. O demônio gargalhou mais uma vez e volteou no espaço infinito seguindo o seu destino feroz. Tudo estava consumado.
Passaram-se horas e a manhã chegara com os seus primeiros raios de luz. Deitado ao chão estava o almocreve. Ao sentir ainda vivo, o homem buscou algo para pegar e ver ao certo não ter ainda morrido daquela tremenda dor causada por uma imaginável adaga. Ao sentir de fato o seu peito a bater, viu ter sido aquilo um terrível sonho. Ainda pensou:
Rufino:
--- Estou vivo? – lembrou de perguntar.
Então ele olhou em volta e notou os três burros a pastar no aceiro do nada ou de ninguém e mais uma quarta com água disposta a seus pés. Ainda assim, nem tanto acreditando o almocreve procurou se levantar para poder caminhar pelo mato onde estivera a dormir.
Rufino:
--- Mas estou vivo de verdade. – sorriu o homem
Ao seu lado, um camponês o avistara ainda durante à noite e a ele indagou:
Camponês:
--- Bom dia. Sabe as horas? – indagou a olhar o céu.
Rufino:
--- Não. Que horas? Espera. Eu tenho relógio. – e buscou seu relógio.
Camponês:
--- Essa faca é a vossa? – perguntou o camponês mostrado uma faca.
José Rufino procurou a cintura e por fim falou:
Rufino:
--- Ah. É. Ela caiu da minha cintura. – relatou um pouco tenso.
Camponês:
--- O senhor é de perto? – quis saber.
Rufino:
--- Não. Quer dizer. Eu ando o mundo todo entregando mercadorias. – explicou com cuidado.
Camponês:
--- A sim. Almocreve. Eu sou das bandas do sertão. – falou o camponês alargando os braços
Rufino:
--- Ah. Sim. Eu sou do brejo. Mas, na minha profissão, eu ando o mundo todo. – relatou
Camponês:
---Eu procuro trabalho. Faço uma coisa aqui, outra ali. Sempre estou fazendo as coisas. – sorriu.
Rufino:
--- É até bom. Apenas se vive em um só lugar. Minha vida é dura. Hoje estou aqui. Amanhã já estou em outro Estado. E assim levo a vida. – confirmou.
Camponês:
--- É vida dura mesmo. Eu não me preocupo com coisa alguma. Ponho tijolo aqui e ali. E assim levo a vida. A malsinada vida do camponês. – destacou sempre de pé.
Rufino:
--- É isso. São cinco horas. Faltam quinze. – observou
Camponês:
--- Eu vou caminhar. Até mais, cidadão. – disse o camponês
Rufino:
--- Ah bom. Eu vou seguir para outro lado. Quer café? – perguntou esquentado a chaleira numa trempe. 

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