- Brigitte Bardot -
- 08 -
O ALMOCREVE
José Rufino era um pacato cidadão
a perambular pelos sertões desse nordeste brasileiro a entregar tudo aquilo que
ele conduzia fosse noite ou fosse dia. Se alguém encontrasse Jose Rufino no
interior de Mossoró, ele alí estava com a sua carga de jumentos. E se fosse em
Caicó ou na Paraíba, Pernambuco e Piauí, alí estava o andarilho a entregar
caixas de sapatos, roupas de uso, ou cortes de brim para o seu fulano e
sicrano. Em toda praça que se adivinhasse lá estava José Rufino e sua carga de
burros. Por isso mesmo ele era um autêntico e resoluto almocreve, o caminhante
sem destino. O almocreve é uma legítima pessoa a conduzir animais de carga ou
de mercadorias de uma terra para outra. Numa época de comunicações limitadas, o
almocreve é essencial como agente de comunicação intercomunitária. José Rufino
como outros semelhantes era um ser indispensável ao abastecimento de bens às
vilas e cidades. Ele era o homem de fazer o abastecimento mais importante a
transportar peixe do litoral para o interior. E no sentido inverso, ele estava
a trazer mercadorias e cereais. O almocreve era um autêntico mercador.
Certa vez José Rufino caminhava a
transportar sua tropa de jumentos no interior do Rio Grande, já de noite, mais
de sete horas quando deu de cara com uma coisa feia a qual lhe chamou a sua
atenção. Era algo que ele nunca tinha visto nesse mundo de meu Deus. O seu
cabelo se arrepiou a todo modo pelo temor de ser aquilo uma criatura ou um
fantasma. De certo modo, ele não prestou muita atenção. Porém, a criatura
fantasmagórica caminhava em sua direção como quem perseguia um alguém
determinado sem a fuga do temor. Então, José Rufino se benzeu como um todo a
procura de se livrar daquele agouro. Com a cabeça abaixada, chapéu panamá e
roupa surrada ele temia que a figura fosse mesmo um lobisomem ou coisa do outro
mundo. O terror cresceu ao sentir a coisa horrível se acercar mais de perto
como quem desejava lhe arrastar para o mundo dos aflitos.
Rufino:
--- Deus seja louvado! – rezou o
almocreve em um dado momento.
A assombração caminhou em sua
rota e, tão logo se aproximou do mercador, de repente sumiu de vez. A estrada
por onde caminhava o almocreve era deserta e nada havia a iluminar. Era um puro
deserto ainda longe de qualquer povoado ou de um casebre perdido para se
alcançar o fim do mundo. Uma das três montarias fez carreira como se tivesse
visto aquela aparição de um demônio fantasmal. E os demais fincaram o pé, inclusive
o que prosseguia ao lado do almocreve pelo terror levantado. Aquela ocorrência
era por demais incrível nesse mundo desconhecido. A um só tempo o almocreve
nada pode fazer para se lhe restar do estranho temor. Então se pôs a correr com
todo o espanto. Quanto mais os burros corriam, mais ainda o almocreve viandava
com o terror na alma e seu destino incerto. A escuridão do tempo, com a lua em
minguante devia notar todo o mal a espreitar aquelas vidas incertas. Na
verdade, aquele, sem dúvidas, era o terror do imaginário, do abstrato, do
horripilante.
Nada havia de luz na escuridão
fantasmal como se fosse a cruel e inevitável morte. Então, o almocreve já
bastante exausto se arrastou pelo chão frio de uma noite de horror e aversão.
Os seus animais já estavam perdidos a bem distante da correria a qual eles
tinham feito. Em um dado instante, a cruel assombração surgiu novamente. Já
eternamente cansado, José Rufino ainda perguntou:
Rufino:
--- Quem é o senhor? - indagou quase morrendo.
O estranho e enigmático ser
apenas gargalhou ante a cisma do almocreve. E após de um longo certo instante o
ser falou com uma cruel expressão de terror.
Ser:
--- Eu sou a alma dos moribundos.
Não se lembra quando era moço? – estranhamente indagou
Rufino:
--- Não. Não. – declarou o mortal
almocreve.
E novamente a alma gargalhou para
poder falar com verdadeiro asco.
Ser:
--- Sou a vítima do teu cruel
remorso, estranha criatura perdida nessas terras do ignoto ó estranho verme
oculto. – falou com crueldade.
E, de imediato, puxou o ser uma perfurante
adaga. E afirmou com a sua gritante voz.
Ser:
--- Clama aos céus para te
proteger dessa morte trágica que vos clama. – clamou altivo o ilusório ser.
Rufino:
--- Ave Maria! Meu Deus do
céu! O senhor quer me ver morto? –
indagou perplexo.
A arma cravou no coração do
almocreve de uma vez por todas. O pacato homem sentiu a forte dor da morte a tragar
o seu peito e acabou fenecendo em um verdadeiro instante. O demônio gargalhou
mais uma vez e volteou no espaço infinito seguindo o seu destino feroz. Tudo
estava consumado.
Passaram-se horas e a manhã
chegara com os seus primeiros raios de luz. Deitado ao chão estava o almocreve.
Ao sentir ainda vivo, o homem buscou algo para pegar e ver ao certo não ter
ainda morrido daquela tremenda dor causada por uma imaginável adaga. Ao sentir
de fato o seu peito a bater, viu ter sido aquilo um terrível sonho. Ainda
pensou:
Rufino:
--- Estou vivo? – lembrou de
perguntar.
Então ele olhou em volta e notou
os três burros a pastar no aceiro do nada ou de ninguém e mais uma quarta com
água disposta a seus pés. Ainda assim, nem tanto acreditando o almocreve
procurou se levantar para poder caminhar pelo mato onde estivera a dormir.
Rufino:
--- Mas estou vivo de verdade. –
sorriu o homem
Ao seu lado, um camponês o
avistara ainda durante à noite e a ele indagou:
Camponês:
--- Bom dia. Sabe as horas? –
indagou a olhar o céu.
Rufino:
--- Não. Que horas? Espera. Eu
tenho relógio. – e buscou seu relógio.
Camponês:
--- Essa faca é a vossa? –
perguntou o camponês mostrado uma faca.
José Rufino procurou a cintura e
por fim falou:
Rufino:
--- Ah. É. Ela caiu da minha
cintura. – relatou um pouco tenso.
Camponês:
--- O senhor é de perto? – quis
saber.
Rufino:
--- Não. Quer dizer. Eu ando o
mundo todo entregando mercadorias. – explicou com cuidado.
Camponês:
--- A sim. Almocreve. Eu sou das
bandas do sertão. – falou o camponês alargando os braços
Rufino:
--- Ah. Sim. Eu sou do brejo.
Mas, na minha profissão, eu ando o mundo todo. – relatou
Camponês:
---Eu procuro trabalho. Faço uma
coisa aqui, outra ali. Sempre estou fazendo as coisas. – sorriu.
Rufino:
--- É até bom. Apenas se vive em
um só lugar. Minha vida é dura. Hoje estou aqui. Amanhã já estou em outro
Estado. E assim levo a vida. – confirmou.
Camponês:
--- É vida dura mesmo. Eu não me
preocupo com coisa alguma. Ponho tijolo aqui e ali. E assim levo a vida. A
malsinada vida do camponês. – destacou sempre de pé.
Rufino:
--- É isso. São cinco horas.
Faltam quinze. – observou
Camponês:
--- Eu vou caminhar. Até mais,
cidadão. – disse o camponês
Rufino:
--- Ah bom. Eu vou seguir para
outro lado. Quer café? – perguntou esquentado a chaleira numa trempe.
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