- Natalie Portman -
- 18 -
CALHAMBEQUE
Daniel estava no conserto do
motor do velho calhambeque do senhor Geraldo aproveitando a tarde do sábado
quando não havia expediente na oficina da empresa Chevrolet, no bairro da
Ribeira. Entre uma cachaça e outra Daniel cuidava do seu trabalho, caso
acostumado até demais, o serviço de reparar motor de carro o qual ele chamava
de Fobica. O veículo de seu Geraldo era uma camioneta curta com a frente do
motor, a cabine do motorista e atrás, a carroceria onde, quando saía para as
compras, atolava nessa parte da Fobica aquilo que o homem trazia, como os
granulados, massas, café, cervejas e outras costumeiras bebidas. Na tarde do
sábado, seu Geraldo aproveitava para colocar o carro em dias. A despachar no
balcão de sua mercearia, o homem sempre dava uma olhadela para ver como
marchava o serviço enquanto Ney, o seu filho, o maior de todos os meninos
presentes, costumava a indagar a Daniel perguntas tolas como de costume.
Ney:
--- O que é isso? – perguntava o
rapaz
Daniel:
--- Junta do Carburador. –
respondia o homem em baixo da Fobica
Ney:
--- E pra que serve? – indagou
impressionado
Daniel:
--- Para ajustar o eixo da
catarineta. – respondia o rapaz já todo melado de óleo.
Ney:
--- Cá o que? – indagou o garoto
um tanto impressionado
Daniel:
--- Mas você faz cada pergunta. –
respondeu o rapaz com os olhos ardendo da areia suja caída na hora por sobre
seu rosto.
O garoto sorriu sem achar o
sentido da questão. E colocou depressa a junta em cima do capô do calhambeque
Outros garotos também despertava
o olhar para ver o mecânico lambuzado de areia, óleo e graxa a infernizar o
próprio satanás. A hora corria e o número de garoto aumentava cada vez mais,
uns correndo atrás de outros. Tinham os que apenas observavam o serviço e Ney
era chamado ao balcão para dar vez a seu Geraldo a ver de perto como estava a
caminhar o conserto sem ele querer meter o bedelho. Apenas vistoriava a
ocupação e nada mais. No final seu Geraldo pagava o serviço com uma garrafa de
cana após dar uma volta pela cidade afora. O rapaz Daniel era um tipo magro e
aprendera a profissão quando sentou praça no Exército, uma vez já ter a sua
vocação incentivada pelos mecânicos dos bairros da Ribeira, Rocas e Alecrim.
Esses eram os principais bairros de Natal, a capital do Estado. Quando deixou a
farda, Daniel saiu na categoria de Cabo. Por isso mesmo, seu Geraldo o chama de
“cabo velho” mesmo Daniel tendo pouca idade para ser chamado de “velho”. Quando
o rapaz deixou a farda, logo se ocupou da firma Chevrolet, uma vez ter tal
firma manter o interesse por mecânicos dessa mesma ordem por ser mais adaptados
ao serviço de mecânicos, torneiros ou serviços de maior alcance em vez de se
arranjar com a turma do “pé do muro” como eram chamados os mecânicos sem
qualificação profissional.
Certa vez, Daniel contou uma
história por demais curiosa. Disse o homem que, certa vez, um caminhão do
Exército rodava pelo trajeto do Quartel sem ter seu motorista. Era história,
pelo menos de meter medo nos olhos dos de menor idade. E a turma ficou atenta
para o desfechar da tragédia.
Daniel:
--- O caminhão vinha na sua mão
sem nenhum motorista a governar. A sentinela viu aquilo e deveras correu para
dentro de sua Guarda e de dentro do setor passou fogo no caminhão,
aparentemente sem alguém para dirigir. Esse tiro de fuzil despertou a atenção de
toda guarda e em um momento era uma ruma de militares a correr em debandada
para de onde veio a deflagração do estrondo. Foi um evento dos diabos. Um carro
desgovernado ou governado dentro de um Quartel Militar? Quem diria! Então, o
caminhão já parado se abriu a porta e de dentro desceu um soldado. Ele estava a
governar o caminhão com os seus pés. – e gargalhou o cabo velho.
Geraldo:
--- E o soldado foi preso? –
indagou o negociante.
Daniel:
--- Ora está. Um mês na mucura! –
sorriu o bravo ex-militar.
Geraldo;
--- E como foi o caso do soldado
do Batalhão? – indagou sem saber muito bem
Daniel:
--- O soldado? Aquele foi do BEC
– Batalhão de Engenharia e Construção – O soldado estava de Guarda no portão
principal do Quartel, já de madrugada, quando vinha uma caminhonete com quatro
pessoas sendo uma o próprio motorista e dono da caminhonete. O carro passou em
frente ao Quartel e a rapaziada gritou:
Rapaziada:
--- Fresco, baitola, chupão! –
gritaram os desordeiros.
Seu Geraldo começou a sorrir. E
calou por certo instante
Daniel.
--- E o guarda não contou
conversa: empunhou o fuzil e passou fogo. Se pegasse, tudo bem. E os disparos
foram certeiros. Em um, o “Cheba” rodopiou. A bala furou o pneu traseiro. O
motorista ficou espantado com os disparos e saltou de imediato o seu carro.
Nessa hora, estavam mais dois ou três militares da Guarda. Não sei bem. Mas o
Militar que efetuou os tiros estava presente e deu voz de prisão a todos os
quatros moleques. Foi aquela confusão, com o pedido de desculpas por causa dos
de menor idade e coisa e tal. Mesmo assim, os quatro meliantes foram todos
detidos.
Militar:
--- Para o xadrez. Vamos! Não tem
conversa! Depressa! – dizia um militar.
Daniel:
--- Enquanto isso, o “Cheba”
ficou na rua com seu pneu furado. Eu sei que uns militares cuidaram de
consertar empurram para dentro do Quartel o velho “Cheba”, todo desengonçado.
No dia seguinte o Comandante mandou chamar os quatros e se pôs a falar com o
dono do “Cheba”.
Comandante:
--- O senhor não tem vergonha.
Reclamar da Guarda? Sabe o que eu posso fazer agora? Trancafiá-los nas grades!
Todos vocês! Bando de canalhas! – foi que falou imensamente bravo.
O dono do veículo só fazia calar.
Entre os rapazes um começou a sorrir baixinho. O jovem da guarda da noite
estava presente ouvindo calado os desaforos prestados pelo Comandante da
Guarnição. Em certo instante o Comandante indagou ao soldado de serviço àquela
hora da madrugada.
Comandante:
--- O que eles chamaram senhor
militar? – perguntou eufórico.
Guarda:
--- Posso falar meu Comandante? –
indagou o militar.
Comandante:
--- Tudo! – vociferou o alto
militar.
Guarda:
--- Eles agrediram o senhor e
todo o Quartel. – relatou o soldado
Comandante:
--- Agrediram como senhor? –
indagou indignado.
Guarda:
--- Eles chamaram o Quartel de
bando de frescos, baitola, e chupão. Foi então que eu passei fogo. E foi para
pegar mesmo, meu Comandante. – disse o militar sem nada temer.
O Comandante nesse pontou é que
ficou apoquentado e determinou que eles fossem detidos até segunda ordem. Bufando que só um cão se levantou de sua
poltrona e olhou para os três rapazes de menor idade. Falou na sequência:
Comandante:
--- É isso que o seu pai lhes
ensina? É? É? É? – perguntou de olhos acesos o comandante do BEC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário