- PRAIA DESERTA -
- 14 -
DESERTO -
Sorvetinho ficou impressionada
com tamanho talento do pequeno garoto. Ele podia ter dez anos de idade ou coisa
assim e às vezes ficava a olhar o céu sereno àquela hora da manhã como estando à
procura de alguém à distância imensa ou mergulhar no mar deserto onde as
sereias viviam escondidas entre as rochas e montanhas de pedras tão negras como
o vento sul naquela vastidão de acaso. Quando tudo se acalmava o garoto voltava
a falar algo a não saber ao certo, talvez dos meros encantos do mar onde as
rochas se apinhavam como deusas entre quimeras a sorrir de alguém perdido na amplidão
dos seus anseios. E, então, falava com cuidado e incerteza.
José
--- Alí tem a praia do Negro. Mais
adiante, a praia de Ninguém. – Pontava à curiosa mulher
Ele falava com precisa calma como
se nada ocorresse. Apenas apontava com sua pequenina mão a orientar o dedo
indicador.
Dalva
--- Ninguém? Como Ninguém? – Indagou
preocupada.
José
--- Ninguém vai lá. Só tem
pedras. Às vezes vem um pescador sem destino. Só. – Relatou olhado o mar
sereno.
Dalva
--- Mas tem gente lá. Tem? – Ainda
cheia de ilusão.
José
--- Não. Talvez. Alguém que vem
da pesca de ostras. – Relatou a olhar o mar.
Dalva
--- Ostras? P’ra que ostras? – Indagou
preocupada.
José
--- Não sei. Ele espera o homem
da cidade. Talvez para fazer entrega. Ostra é boa para remédio, diz o homem que
compra. Dor de estomago. Quando se come ostra acaba com uma queimação aqui
dentro. – Tentou explicar mostrando a sua barriga.
A mulher sorriu e depois falou
com certa precaução.
Dalva
--- Nunca ouvir falar dessas
coisas. – Argumentou sem jeito.
José
--- A senhora não tem queimação? –
Quis saber.
Dalva
--- Não. Acho que não. Queimação?
– Indagou preocupada.
Sorvetinho
--- Azia, ele quer dizer. Não é
meu filho? – Perguntou ao menino.
José
--- Queimação. Também elas comem
as ostras maiores nos cascos. – Explicou.
Dalva
--- Cascos? Quais cascos? – Indagou
preocupada.
José.
--- Dos barcos. Botes. Barcaças.
Jangadas. - Tentou ser mais claro
Dalva
--- Ah sim! Os botes. Elas comem
as outras ostras? Devoram? – Quis saber
a mulher fazendo gesto com a boca.
José
--- O homem diz que sim. Aqui
mesmo tem ostras comedoras. Elas lutam umas com as outras até devorar as mais
antigas. – Tornou a explicar.
Dalva:
--- Eu não acredito. Isso é
lenda. – Voltou ao seu argumento.
José
--- É não. É verdade! Elas comem
as outras! – Falou sério.
Dalva
--- Tô pra ver. – respondeu a mulher.
Sorvetinho:
--- Elas devoram mesmo? – Indagou
a moça com o olhar de espanto.
José
--- Comem. Engolem. Enchem o
bucho. – Fez menção de estar de barriga cheia.
Sorvetinho
--- E a gente pode ver a luta? – Preocupada.
José
--- Se tiver tempo! Demora muito. A luta de umas com as outras.
Até devorar. Leva tempo. – Tentou explicar.
Sorvetinho
--- Um mês? – Quis saber.
José
--- Mais tempo. Meu avô diz que
leva anos. Ele viu um barco dorminhoco que levou anos com as ostras comendo
umas às outras! Tempo! Muito tempo! – Enfatizou.
Dalva
--- Deve ser séculos. Eu nunca vi
nos estudos que eu fiz algo desse jeito! – Acalmou a mulher.
José
--- Lá nas pedras da praia de
Ninguém tem ostras até demais. Tem baratas, caravelas, ouriços e até bagre. – Explicou
Sorvetinho
--- O bagre é um peixe? – Quis saber.
José
--- Sim. Mas terrível. Ele causa
acidentes de toda espécie. O bicho é cheio de espinho pelo corpo. Meu avô foi
mordido, certa vez, por um bicho desses, e quase morre. Uma dor terrível e se
não fosse a velha, ele tinha morrido! Foi! – Explicou apressado.
Sorvetinho:
--- Velha? Qual velha? Conte a
história! – Empalideceu a moça.
José
--- A velha Mumbé. Eu era
pequeno, disse meu avô. Mas foi Mumbé que curou. Ela fazia preces com ramos de
folha amarga. Manjericão. A velha dava saltos e invocava São Longuinho para
tirar o mau espírito. E a velha fazia isso várias vezes até meu avô ficar
curado. Digo sim! – Falou muito alterado.
Sorvetinho
--- Manjericão? Vou anotar. Pode
ser que eu encontre da Feira do Alecrim ou do Carrasco. Manjericão? – Indagou mais
uma vez enquanto buscava uma caderneta.
Com toda a pressa, a moça deixou
a criança nas mães da sua mãe, Dalva, e o menino pediu água. A mulher o levou
até a bandeja onde tinha guardada uma bolsa com uma botija de água gelada e pôs
um bocado ao dispor de Ciro, o menino. Fazia sol, e a mulher trocou o traje do
menino, e ficou embaixo de um guarda sol armado do lado do automóvel. José Patrício
veio até onde estava a mulher e advertiu:
José
--- Cuidado. Formigas de roça.
Elas picam. – Falou o garoto apontando para uma porção de formigas de roça
vindo em todas as direções.
De repente, a mulher, assustada,
levantou e seguiu com pressa para o lado onde estava mais aquecido pelo sol da
manhã e segurou seu menino cuidando de retirar alguma das formigas de seu traje
de banho. José sorriu por causa das formigas e olhava atento se havia mais
alguma e apontou outros pequenos insetos. E sorriu.
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