segunda-feira, 15 de junho de 2015

LAÇOS DE TERNURA - 14 -

- PRAIA DESERTA -
- 14 -
DESERTO -
Sorvetinho ficou impressionada com tamanho talento do pequeno garoto. Ele podia ter dez anos de idade ou coisa assim e às vezes ficava a olhar o céu sereno àquela hora da manhã como estando à procura de alguém à distância imensa ou mergulhar no mar deserto onde as sereias viviam escondidas entre as rochas e montanhas de pedras tão negras como o vento sul naquela vastidão de acaso. Quando tudo se acalmava o garoto voltava a falar algo a não saber ao certo, talvez dos meros encantos do mar onde as rochas se apinhavam como deusas entre quimeras a sorrir de alguém perdido na amplidão dos seus anseios. E, então, falava com cuidado e incerteza.
José
--- Alí tem a praia do Negro. Mais adiante, a praia de Ninguém. – Pontava à curiosa mulher
Ele falava com precisa calma como se nada ocorresse. Apenas apontava com sua pequenina mão a orientar o dedo indicador.
Dalva
--- Ninguém? Como Ninguém? – Indagou preocupada.
José
--- Ninguém vai lá. Só tem pedras. Às vezes vem um pescador sem destino. Só. – Relatou olhado o mar sereno.
Dalva
--- Mas tem gente lá. Tem? – Ainda cheia de ilusão.
José
--- Não. Talvez. Alguém que vem da pesca de ostras. – Relatou a olhar o mar.
Dalva
--- Ostras? P’ra que ostras? – Indagou preocupada.
José
--- Não sei. Ele espera o homem da cidade. Talvez para fazer entrega. Ostra é boa para remédio, diz o homem que compra. Dor de estomago. Quando se come ostra acaba com uma queimação aqui dentro. – Tentou explicar mostrando a sua barriga.
A mulher sorriu e depois falou com certa precaução.
Dalva
--- Nunca ouvir falar dessas coisas. – Argumentou sem jeito.
José
--- A senhora não tem queimação? – Quis saber.
Dalva
--- Não. Acho que não. Queimação? – Indagou preocupada.
Sorvetinho
--- Azia, ele quer dizer. Não é meu filho? – Perguntou ao menino.
José
--- Queimação. Também elas comem as ostras maiores nos cascos. – Explicou.
Dalva
--- Cascos? Quais cascos? – Indagou preocupada.
José.
--- Dos barcos. Botes. Barcaças. Jangadas. - Tentou ser mais claro
Dalva
--- Ah sim! Os botes. Elas comem as outras ostras?  Devoram? – Quis saber a mulher fazendo gesto com a boca.
José
--- O homem diz que sim. Aqui mesmo tem ostras comedoras. Elas lutam umas com as outras até devorar as mais antigas. – Tornou a explicar.
Dalva:
--- Eu não acredito. Isso é lenda. – Voltou ao seu argumento.
José
--- É não. É verdade! Elas comem as outras! – Falou sério.
Dalva
--- Tô pra ver. – respondeu a mulher.
Sorvetinho:
--- Elas devoram mesmo? – Indagou a moça com o olhar de espanto.
José
--- Comem. Engolem. Enchem o bucho. – Fez menção de estar de barriga cheia.
Sorvetinho
--- E a gente pode ver a luta? – Preocupada.
José
--- Se tiver tempo!  Demora muito. A luta de umas com as outras. Até devorar. Leva tempo. – Tentou explicar.
Sorvetinho
--- Um mês? – Quis saber.
José
--- Mais tempo. Meu avô diz que leva anos. Ele viu um barco dorminhoco que levou anos com as ostras comendo umas às outras! Tempo! Muito tempo! – Enfatizou.
Dalva
--- Deve ser séculos. Eu nunca vi nos estudos que eu fiz algo desse jeito! – Acalmou a mulher.
José
--- Lá nas pedras da praia de Ninguém tem ostras até demais. Tem baratas, caravelas, ouriços e até bagre. – Explicou
Sorvetinho
--- O bagre é um peixe? – Quis saber.
José
--- Sim. Mas terrível. Ele causa acidentes de toda espécie. O bicho é cheio de espinho pelo corpo. Meu avô foi mordido, certa vez, por um bicho desses, e quase morre. Uma dor terrível e se não fosse a velha, ele tinha morrido! Foi! – Explicou apressado.
Sorvetinho:
--- Velha? Qual velha? Conte a história! – Empalideceu a moça.
José
--- A velha Mumbé. Eu era pequeno, disse meu avô. Mas foi Mumbé que curou. Ela fazia preces com ramos de folha amarga. Manjericão. A velha dava saltos e invocava São Longuinho para tirar o mau espírito. E a velha fazia isso várias vezes até meu avô ficar curado. Digo sim! – Falou muito alterado.
Sorvetinho
--- Manjericão? Vou anotar. Pode ser que eu encontre da Feira do Alecrim ou do Carrasco. Manjericão? – Indagou mais uma vez enquanto buscava uma caderneta.
Com toda a pressa, a moça deixou a criança nas mães da sua mãe, Dalva, e o menino pediu água. A mulher o levou até a bandeja onde tinha guardada uma bolsa com uma botija de água gelada e pôs um bocado ao dispor de Ciro, o menino. Fazia sol, e a mulher trocou o traje do menino, e ficou embaixo de um guarda sol armado do lado do automóvel. José Patrício veio até onde estava a mulher e advertiu:
José
--- Cuidado. Formigas de roça. Elas picam. – Falou o garoto apontando para uma porção de formigas de roça vindo em todas as direções.
De repente, a mulher, assustada, levantou e seguiu com pressa para o lado onde estava mais aquecido pelo sol da manhã e segurou seu menino cuidando de retirar alguma das formigas de seu traje de banho. José sorriu por causa das formigas e olhava atento se havia mais alguma e apontou outros pequenos insetos. E sorriu.


Nenhum comentário:

Postar um comentário